Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1963706 / SP
0003980-64.2008.4.03.6301
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
08/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/04/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO. HISTÓRICO LABORAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO
PROFISSIONAL. SÚMULA 47 DO TNU. PRECEDENTE DO STJ. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE LABORAL.
IMPOSSIBILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO
DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
PRECEDENTES DESTA CORTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO
DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência
exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta
a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de qualquer
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após
filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas
taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o
deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Necessário para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por
24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos
termos do art. 15 e §1º da Lei.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 6 (seis)
contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência,
para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da
Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº 13.457/2017).
8 - Observa-se que os autos foram originalmente propostos perante o Juizado Especial Federal,
que determinou a realização de perícia médica, cujo laudo foi juntado às fls. 60/66 e
complementado às fls. 90/92. Posteriormente, os autos foram redistribuídos à 2ª Vara Federal
Previdenciária de SP, em face da decisão de fls. 118/121, que declinou da competência. À fl.
172 o magistrado "a quo" converteu o julgamento em diligência para a realização de nova
perícia, em razão da conclusão do primeiro laudo e o longo período em que o autor esteve em
gozo de auxílio-doença, indicado no CNIS de fl. 145.
9 - O laudo pericial de fls. 60/66 e 90/92, elaborado em 26/01/09, constatou que o autor
apresenta "status pós operatório no joelho direito sem repercussão funcional ou limitação física
atual". Concluiu pela ausência de incapacidade laboral. O laudo pericial de fls. 244/253,
elaborado em 01/10/13, diagnosticou o autor como portador de "artrose do joelho, secundária à
infecção". Salientou que o autor apresenta sequela pós cirúrgica de meniscectomia com
infecção e recidiva da infecção, que evoluiu com artrose severa secundária às infecções e
extrusão dos meniscos, com lesão do ligamento cruzado anterior e condromalácia patelar
(lesão da cartilagem da patela) com artrose. Consignou que "todas essas alterações dificultam
os movimentos contínuos e essenciais para exercer sua função de professor de educação
física, em que é necessária a integridade física, dificultando manobras para realização de
exercícios demonstrativos e provocando dor quando em pé por longos períodos". Concluiu pela
incapacidade parcial e permanente, desde janeiro de 2005, quando ocorreu a segunda infecção
(relato do periciando e relatórios dados pelo INSS), estando o autor inapto para sua atividade
laboral habitual (professor de educação física). Destarte, diante do quadro apresentado, da
documentação médica acostada aos autos (fls. 20/48 e 212/234) e do longo período em que o
autor esteve em gozo do benefício de auxílio-doença (CNIS de fls. 259/260), tem-se que deve
prevalecer a conclusão do segundo laudo pericial.
10 - Sendo assim, afigura-se bastante improvável que o autor, que trabalhou como professor de
educação física por vários anos (1993 a 2007) e que conta, atualmente, com mais de 61
(sessenta e um) anos, vá conseguir após reabilitação, capacitação e treinamento, recolocação
profissional em outras funções.
11 - Análise do contexto social e econômico, com base na Súmula 47 da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI,
Data de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010.
12 - Dessa forma, tem-se que o demandante é incapaz e totalmente insusceptível de
reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude
do seu contexto socioeconômico e histórico laboral sendo de rigor a concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez.
13 - O extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais de fls. 259/260 demonstra que o
autor efetuou recolhimentos previdenciários nos períodos de 01/08/79 a 31/08/91, 23/06/81 a
12/82, 01/02/93 a 21/10/96, 03/03/97 a 09/07/98, 15/09/99 a 03/10/02 e 02/05/03 a 09/07. Além
disso, o mesmo extrato do CNIS revela que o autor esteve em gozo do benefício de auxílio-
doença de 26/10/05 a 30/07/07, 20/09/07 a 19/12/07, 17/01/08 a 14/04/10 e 20/05/10 a
18/10/13.
14 - Assim, observada a data de início da incapacidade laboral (01/05) e histórico contributivo
do autor, verifica-se que ele havia cumprido a carência mínima exigida por lei, bem como
mantinha a qualidade de segurado, quando eclodiu sua incapacidade laboral.
15 - Destarte, caracterizada a incapacidade total e permanente para o desempenho de
atividade que lhe garanta a subsistência, faz jus a parte autora ao benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez.
16 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
17 - Acerca da data de início do benefício (DIB), o entendimento consolidado do E. STJ é de
que, "ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da
aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida" (Súmula
576). No caso, constatada a incapacidade laboral do autor desde janeiro de 2005, deve ser
fixado o termo inicial do benefício na data da primeira cessação do auxílio-doença (31/07/07).
Registre-se que a ação foi ajuizada em 30/01/08, pelo que não se vislumbra a ocorrência da
prescrição quinquenal. Saliente-se que eventuais parcelas recebidas administrativamente
devem ser descontadas do montante da condenação.
18 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a
ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não
consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade
temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade
remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na
necessidade de devolução das parcelas recebidas durante o período que o segurado auferiu
renda. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao
enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o
legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
19 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter
de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o
benefício vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo
pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento
da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura
má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade
e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser
humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o
sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o
incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela
responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela
jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de
suportar o calvário processual.
20 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode simplesmente afastar a incapacidade, como sustenta o
INSS, ou admitir a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no
período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias, tal
raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e
ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o
que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. Precedentes.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C.
STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos
prospectivos.
22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Apelação do INSS e remessa necessária parcialmente providas. Sentença parcialmente
reformada. Ação julgada procedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do INSS e à remessa necessária para fixar o termo inicial na data da primeira
cessação do auxílio-doença (31/07/07) e para estabelecer que os valores em atraso sejam
corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora na forma da fundamentação, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
