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PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADA. ATIVIDADE RURAL VOLTADA PARA O COMÉRCIO. DESCARACTERIZADO O R...

Data da publicação: 15/07/2020, 03:36:37

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADA. ATIVIDADE RURAL VOLTADA PARA O COMÉRCIO. DESCARACTERIZADO O REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES AO RGPS. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal. 2 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta a subsistência. 3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis). 4 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017). 5 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91. 6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia. 7 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por 24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos termos do art. 15 e §1º da Lei. 8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12 (doze) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017). 9 - Depois da edição da Lei n. 8.213/91, a situação do rurícola modificou-se, já que passou a integrar um Sistema Único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se segurado obrigatório da Previdência Social. 10 - Quanto ao desenvolvimento de atividade laboral, exige a Lei n. 8.213/91 início de prova material para comprovar a condição de rurícola, excluindo-se a prova exclusivamente testemunhal para esse fim, entendimento consagrado igualmente pela Súmula 149 do STJ. Sobre essa questão, é necessário destacar que o rol previsto no artigo 106 da Lei n. 8.213/91 não é taxativo, podendo, portanto, o postulante provar materialmente o exercício de atividade rural por meio de documentos não mencionados no referido dispositivo. 11 - Em princípio, os trabalhadores rurais, na qualidade de empregados, não necessitam comprovar os recolhimentos das contribuições previdenciárias, enquanto que aqueles que sobrevivem em regime de economia familiar não precisam, sequer, contribuir, devendo apenas provar o exercício da atividade laboral no campo pelo prazo da carência estipulado pela lei, tal como exigido para o segurado especial. Assim dispõe o art. 11, VII c/c art. 39, I, da Lei 8.213/91. 12 - No caso vertente, a parte autora está qualificada na petição inicial como "trabalhadora rural". Para comprovação da atividade rural na qualidade de segurada especial em regime de economia familiar, a autora juntou os seguintes documentos: Escritura de compra e venda de imóvel rural, de 31,46 hectares, em que constam o cônjuge e a autora como compradores, datada de 30/06/95 (fls. 19/20); Certificado de Cadastro de Imóvel Rural em nome do cônjuge, referente aos anos de 1995, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 (fls. 17, 24 e 41); Declaração do ITR, em nome do cônjuge, exercícios: 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2006 e 2007 (fls. 48/71, 77/82, 95/100, 110/115) e Notas fiscais em nome do cônjuge, de numerosa comercialização de gado para abate (em março de 2000 vendeu "35 bois gordos para abate" - fls. 25/26), datadas de 28/12/99 a 21/01/08 (fls. 21/23, 25/40, 42/47, 72/76, 83/94, 101/109, 116/128); 13 - Logo, é possível concluir que a produção rural da família da autora não é voltada à subsistência de seus membros, mas sim ao comércio. 14 - Há forte presunção de que a autora e seu marido contam com o auxílio constante de terceiros para os cuidados diários com as criações, tendo em vista a grande quantidade de gado comercializada. 15 - No caso concreto, conforme a documentação acostada aos autos, tem-se que a autora e seu marido, embora se dediquem à atividade rural, não o fazem na forma de agricultura de subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural. 16 - Não se está a dizer que o pequeno produtor rural, qualificado como segurado especial, não possa comercializar, inclusive de forma lucrativa, o excedente da produção agropecuária ou extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O que se pretende diferenciar é o segurado especial daquele produtor rural cuja produção, agropecuária ou extrativista, é organizada e voltada quase que exclusivamente ao comércio e/ou indústria, desvinculando-se daquele regime direcionado à sobrevivência do grupo familiar. 17 - Registra-se, por fim, que o marido da autora é cadastrado no CNIS como empresário, desde 01/07/77 (fl. 260). 18 - Dessa forma, em detida análise do acervo probatório coligido aos autos, especialmente com vistas à averiguação da "dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar", tenho por descaracterizada a suposta atividade campesina nesse regime. 19 - Sendo assim, descaracterizado o regime de economia familiar, caberia à parte autora verter contribuições junto ao RGPS na qualidade de produtora rural, mas não o fez. 20 - Desse modo, ausente um dos requisitos cumulativos para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade, é desnecessário tecer maiores considerações acerca do preenchimento dos demais requisitos, relativos à carência e a incapacidade para o trabalho. 21 - Destarte, não reconhecida a qualidade de segurada da autora, requisito indispensável à concessão de aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença, de rigor o indeferimento do pedido. 22 - Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente. 23 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC. (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1504228 - 0014091-03.2010.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 11/12/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/01/2018 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 23/01/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014091-03.2010.4.03.9999/SP
2010.03.99.014091-2/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:PR043349 PATRICIA SANCHES GARCIA
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A):MAURA MANDROTE FERNANDES
ADVOGADO:SP147425 MARCOS ANTONIO MARIN COLNAGO
No. ORIG.:08.00.00128-0 1 Vr REGENTE FEIJO/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADA. ATIVIDADE RURAL VOLTADA PARA O COMÉRCIO. DESCARACTERIZADO O REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES AO RGPS. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
5 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.
7 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por 24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos termos do art. 15 e §1º da Lei.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12 (doze) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
9 - Depois da edição da Lei n. 8.213/91, a situação do rurícola modificou-se, já que passou a integrar um Sistema Único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se segurado obrigatório da Previdência Social.
10 - Quanto ao desenvolvimento de atividade laboral, exige a Lei n. 8.213/91 início de prova material para comprovar a condição de rurícola, excluindo-se a prova exclusivamente testemunhal para esse fim, entendimento consagrado igualmente pela Súmula 149 do STJ. Sobre essa questão, é necessário destacar que o rol previsto no artigo 106 da Lei n. 8.213/91 não é taxativo, podendo, portanto, o postulante provar materialmente o exercício de atividade rural por meio de documentos não mencionados no referido dispositivo.
11 - Em princípio, os trabalhadores rurais, na qualidade de empregados, não necessitam comprovar os recolhimentos das contribuições previdenciárias, enquanto que aqueles que sobrevivem em regime de economia familiar não precisam, sequer, contribuir, devendo apenas provar o exercício da atividade laboral no campo pelo prazo da carência estipulado pela lei, tal como exigido para o segurado especial. Assim dispõe o art. 11, VII c/c art. 39, I, da Lei 8.213/91.
12 - No caso vertente, a parte autora está qualificada na petição inicial como "trabalhadora rural". Para comprovação da atividade rural na qualidade de segurada especial em regime de economia familiar, a autora juntou os seguintes documentos: Escritura de compra e venda de imóvel rural, de 31,46 hectares, em que constam o cônjuge e a autora como compradores, datada de 30/06/95 (fls. 19/20); Certificado de Cadastro de Imóvel Rural em nome do cônjuge, referente aos anos de 1995, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 (fls. 17, 24 e 41); Declaração do ITR, em nome do cônjuge, exercícios: 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2006 e 2007 (fls. 48/71, 77/82, 95/100, 110/115) e Notas fiscais em nome do cônjuge, de numerosa comercialização de gado para abate (em março de 2000 vendeu "35 bois gordos para abate" - fls. 25/26), datadas de 28/12/99 a 21/01/08 (fls. 21/23, 25/40, 42/47, 72/76, 83/94, 101/109, 116/128);
13 - Logo, é possível concluir que a produção rural da família da autora não é voltada à subsistência de seus membros, mas sim ao comércio.
14 - Há forte presunção de que a autora e seu marido contam com o auxílio constante de terceiros para os cuidados diários com as criações, tendo em vista a grande quantidade de gado comercializada.
15 - No caso concreto, conforme a documentação acostada aos autos, tem-se que a autora e seu marido, embora se dediquem à atividade rural, não o fazem na forma de agricultura de subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural.
16 - Não se está a dizer que o pequeno produtor rural, qualificado como segurado especial, não possa comercializar, inclusive de forma lucrativa, o excedente da produção agropecuária ou extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O que se pretende diferenciar é o segurado especial daquele produtor rural cuja produção, agropecuária ou extrativista, é organizada e voltada quase que exclusivamente ao comércio e/ou indústria, desvinculando-se daquele regime direcionado à sobrevivência do grupo familiar.
17 - Registra-se, por fim, que o marido da autora é cadastrado no CNIS como empresário, desde 01/07/77 (fl. 260).
18 - Dessa forma, em detida análise do acervo probatório coligido aos autos, especialmente com vistas à averiguação da "dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar", tenho por descaracterizada a suposta atividade campesina nesse regime.
19 - Sendo assim, descaracterizado o regime de economia familiar, caberia à parte autora verter contribuições junto ao RGPS na qualidade de produtora rural, mas não o fez.
20 - Desse modo, ausente um dos requisitos cumulativos para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade, é desnecessário tecer maiores considerações acerca do preenchimento dos demais requisitos, relativos à carência e a incapacidade para o trabalho.
21 - Destarte, não reconhecida a qualidade de segurada da autora, requisito indispensável à concessão de aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença, de rigor o indeferimento do pedido.
22 - Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente.
23 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação do INSS para reformar a r. sentença de 1º grau e julgar improcedente o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de dezembro de 2017.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 13/12/2017 18:54:15



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014091-03.2010.4.03.9999/SP
2010.03.99.014091-2/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:PR043349 PATRICIA SANCHES GARCIA
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A):MAURA MANDROTE FERNANDES
ADVOGADO:SP147425 MARCOS ANTONIO MARIN COLNAGO
No. ORIG.:08.00.00128-0 1 Vr REGENTE FEIJO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Vistos em Autoinspeção.


Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária objetivando a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.


A r. sentença de fls. 220/223 julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia Previdenciária no pagamento do benefício de aposentadoria por invalidez, a contar da data do requerimento administrativo. As parcelas atrasadas serão acrescidas de correção monetária e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data do requerimento administrativo. Honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), nos termos do artigo 20, § 4º do CPC-73. Não houve remessa oficial, em virtude da aplicação da exceção prevista no artigo 475, §2º, do Código de Processo Civil de 1973.


Em razões recursais de fls. 226/231 o INSS sustenta que a parte autora não preenche os requisitos necessários à concessão do benefício, ante a ausência da qualidade de segurada.


Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.


É o relatório.


VOTO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.


Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.


Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).


O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).


Independe de carência a concessão dos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.


Cumpre salientar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.


Ademais, é necessário para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei, a saber:


"Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo".

É de se observar, ainda, que o §1º do artigo supra prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal lapso de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.


Por fim, saliente-se que havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12 (doze) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).


Depois da edição da Lei n. 8.213/91, a situação do rurícola modificou-se, já que passou a integrar um Sistema Único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se segurado obrigatório da Previdência Social.


Quanto ao desenvolvimento de atividade laboral, exige a Lei n. 8.213/91 início de prova material para comprovar a condição de rurícola, excluindo-se a prova exclusivamente testemunhal para esse fim, entendimento consagrado igualmente pela Súmula 149 do STJ.


Sobre essa questão, é necessário destacar que o rol previsto no artigo 106 da Lei n. 8.213/91 não é taxativo, podendo, portanto, o postulante provar materialmente o exercício de atividade rural por meio de documentos não mencionados no referido dispositivo.


Em princípio, os trabalhadores rurais, na qualidade de empregados, não necessitam comprovar os recolhimentos das contribuições previdenciárias, enquanto que aqueles que sobrevivem em regime de economia familiar não precisam, sequer, contribuir, devendo apenas provar o exercício da atividade laboral no campo pelo prazo da carência estipulado pela lei, tal como exigido para o segurado especial. Assim dispõe o art. 11, VII c/c art. 39, I, da Lei 8.213/91.


No caso vertente, a parte autora está qualificada na petição inicial como "trabalhadora rural".


Para comprovação da atividade rural na qualidade de segurada especial em regime de economia familiar, a autora juntou os seguintes documentos:


- Escritura de compra e venda de imóvel rural, de 31,46 hectares, em que constam o cônjuge e a autora como compradores, datada de 30/06/95 (fls. 19/20);


- Certificado de Cadastro de Imóvel Rural em nome do cônjuge, referente aos anos de 1995, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 (fls. 17, 24 e 41);


- Declaração do ITR, em nome do cônjuge, exercícios: 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2006 e 2007 (fls. 48/71, 77/82, 95/100, 110/115);


- Notas fiscais em nome do cônjuge, de numerosa comercialização de gado para abate (em março de 2000 vendeu "35 bois gordos para abate" - fls. 25/26), datadas de 28/12/99 a 21/01/08 (fls. 21/23, 25/40, 42/47, 72/76, 83/94, 101/109, 116/128);


Logo, é possível concluir que a produção rural da família da autora não é voltada à subsistência de seus membros, mas sim ao comércio.


Há forte presunção de que a autora e seu marido contam com o auxílio constante de terceiros para os cuidados diários com as criações, tendo em vista a grande quantidade de gado comercializada.


No caso concreto, conforme a documentação acostada aos autos, tenho que a autora e seu marido, embora se dediquem à atividade rural, não o fazem na forma de agricultura de subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural.


Não se está a dizer que o pequeno produtor rural, qualificado como segurado especial, não possa comercializar, inclusive de forma lucrativa, o excedente da produção agropecuária ou extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O que se pretende diferenciar é o segurado especial daquele produtor rural cuja produção, agropecuária ou extrativista, é organizada e voltada quase que exclusivamente ao comércio e/ou indústria, desvinculando-se daquele regime direcionado à sobrevivência do grupo familiar.


Nesse sentido é o posicionamento do c. Superior Tribunal de Justiça:


"AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DESCARACTERIZADO. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. A prova documental permite concluir que o marido da requerente é produtor rural e, não, segurado especial, qualidade que, por presunção, poderia ser estendida à autora. 2. Assim, descaracterizado o regime de economia familiar, não há falar em aposentadoria rural por idade nos termos do art. 143 da Lei nº 8.213/91. 3. Pedido improcedente." (STJ, 3ª Seção, AR 4148, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 08.10.2012)
"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. DOCUMENTO NOVO RELATIVO AO CÔNJUGE. ATIVIDADE LUCRATIVA ORGANIZADA. PRODUTOR RURAL. NÃO-ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE SEGURADO ESPECIAL DADO PELO ART. 11, VII, DA LEI 8.213/91. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. A Terceira Seção deste Superior Tribunal já se manifestou, em diversos julgados sobre a matéria, no sentido de abrandar o rigorismo legal na reapreciação de documentos novos, em virtude das peculiaridades dos trabalhadores rurais. Assim, já se aceitou como início suficiente de prova material a certidão de casamento da parte em que o seu cônjuge figura como lavrador, uma vez que a condição de rurícola da mulher funciona como extensão da qualidade de segurado especial do marido. Se o marido desempenhava trabalho no meio rural, em regime de economia domiciliar, há a presunção de que a mulher também o fez, em razão das características da atividade - trabalho em família, em prol de sua subsistência 2. No entanto, se tais documentos comprovam que o marido da autora exerceu atividade lucrativa organizada, resta descaracterizado o regime de subsistência dos segurados especiais. 3. À falta de outro documento relativo às atividades da autora, inexiste o início de prova material a corroborar a prova testemunhal, devendo subsistir a observância do disposto na Súmula 147 do STJ. 4. Ação rescisória improcedente." (STJ, 3ª Seção, AR 1411, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 22.03.2010)

Registro, por fim, que o marido da autora é cadastrado no CNIS como empresário, desde 01/07/77 (fl. 260).


Dessa forma, em detida análise do acervo probatório coligido aos autos, especialmente com vistas à averiguação da "dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar", tenho por descaracterizada a suposta atividade campesina nesse regime.


Sendo assim, descaracterizado o regime de economia familiar, caberia à parte autora verter contribuições junto ao RGPS na qualidade de produtora rural, mas não o fez.


Desse modo, ausente um dos requisitos cumulativos para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade, é desnecessário tecer maiores considerações acerca do preenchimento dos demais requisitos, relativos à carência e a incapacidade para o trabalho.


Destarte, não reconhecida a qualidade de segurada da autora, requisito indispensável à concessão de aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença, de rigor o indeferimento do pedido.


Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS para reformar a r. sentença de 1º grau e julgar improcedente o pedido.


Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.


É como voto.


CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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