Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1884446 / SP
0009758-30.2008.4.03.6102
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
12/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONVERTIDO EM RETIDO. AUSÊNCIA DE
REITERAÇÃO. ATIVIDADE RURAL. ECONOMIA FAMILIAR. PROVA MATERIAL.
TESTEMUNHAS. CARACTERIZAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. PORTEIRO.
ENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RUÍDO. PARCIAL RECONHECIMENTO. TEMPO
DE SERVIÇO. AJUIZAMENTO DA AÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TERMO INICIAL.
CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. AGRAVO RETIDO NÃO
CONHECIDO. APELO DO AUTOR DESPROVIDO. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA
NECESSÁRIA PROVIDAS EM PARTE.
1 - Aduziu o autor que, no passado, teria principiado seu ciclo laborativo em áreas de lavoura,
junto a familiares, em regime de subsistência, aos 01/01/1973, assim permanecendo até
31/12/1989. Pretende seja tal intervalo reconhecido, assim como a especialidade dos períodos
laborativos de 05/03/1990 a 31/08/1995 e 01/09/1995 a 19/09/2007, visando à concessão de "
aposentadoria integral por tempo de serviço/contribuição", desde o requerimento administrativo
formulado aos 19/09/2007 (sob NB 146.557.262-4) ou, subsidiariamente, desde a data do
ajuizamento da ação (em, repita-se, 03/09/2008), com a ulterior condenação da autarquia no
pagamento por "danos morais" sofridos.
2 - Não se conhece o agravo de instrumento interposto, convertido em retido, eis que não
reiterada sua apreciação pela parte autora, em sede recursal, conforme preceitua o art. 523, §
1º, do Código de Processo Civil/73.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
7 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
8 - Foram carreados aos autos os seguintes documentos (aqui, em ordem cronológica, para
melhor apreciação): 1) em nome do Sr. Francisco Alonso, avô do autor: * documentação relativa
a imóvel rural situado no Município de Santa Clara d'Oeste/SP, adquirido no ano de 1958,
posteriormente partilhado entre os filhos-herdeiros, dentre os quais, o pai do autor, sendo que
avô e pai figuram na documentação como, respectivamente, lavrador e agricultor; 2) em nome
do Sr. José Alonso, genitor do autor: * declarações de produtor rural, relativas aos anos de 1974
a 1980, com remissão à propriedade Sítio São Francisco, à profissão de agricultor, e ao regime
de produção sob economia familiar; * notas fiscais referentes aos anos 1975, 1976, 1979, 1984,
1987 e 1989, revelando a comercialização de produtos de origem agrícola - café em coco, arroz
com casca, algodão em caroço; 3) em nome próprio do autor: * certidão de casamento,
celebrado em 19/10/1985, qualificando-o como lavrador; * certidão de nascimento da prole,
datada de 28/01/1988, indicado o nascimento em domicílio, no Córrego do Contra, e a profissão
paterna de lavrador.
9 - Quanto à argumentação trazida pelo INSS, acerca das dimensões do imóvel rural, bem se
observa a referência ao tamanho da propriedade como sendo equivalente a 2,01 módulos
rurais.
10 - Em audiência de instrução realizada, disseram as testemunhas (aqui, em linhas
brevíssimas): o Sr. Waldemiro Prone afirmou conhecer o autor desde 1975, quando ele
(depoente) teria ido trabalhar em uma propriedade vizinha ao Sítio do avô do autor (que se
chamava Francisco Alonso), no Córrego do Contra, em Santa Clara d'Oeste ...o autor teria
nascido nessa fazenda ...e ajudava a família na roça ...não tinham empregados e a propriedade
era cuidada pelos familiares (incluindo avô, pai e tios do autor) ...em 1989 o autor teria ido
trabalhar na cidade, em Sertãozinho, assim como o depoente ...na época da colheita, algumas
pessoas ajudavam na diária. E o Sr. José Arrones Pomaro asseverou ter conhecido o autor em
1973, no Córrego do Contra, no Município de Santa Clara d'Oeste, sendo ele "rapazinho",
auxiliando a família na roça, onde se cultivava café e lavoura para o gasto ...os familiares do
autor também trabalhavam na lavoura de café na fazenda ...na área que era tocada pela família
do autor não havia empregados.
11 - A prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia probatória da documentação
carreada aos autos, sendo possível reconhecer-se o trabalho da parte autora de 01/07/1973 a
31/12/1989, ou seja, em idênticos moldes àqueles da r. sentença, cumprindo enfatizar que não
pode ser computado para fins de contagem da carência, nos termos do art. 55, § 2º c/c art. 25,
II, da Lei nº 8.213/91.
12 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
13 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
14 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
15 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
16 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
17 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
18 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
19 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
20 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
21 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
22 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
23 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
24 - Constam dos autos a íntegra do procedimento administrativo de benefício e documentos
instruindo a exordial - dentre os quais se observam cópias de CTPS, cujas anotações são
passíveis de conferência junto ao banco de dados previdenciário, designado CNIS e às tabelas
de confecção do ente previdenciário. Para além destes, exsurge documentação específica,
consubstanciada no PPP fornecido pela empresa SMAR Equipamentos Industriais Ltda., sendo
certo que, de sua leitura atenta, pode ser acolhida a especialidade somente no concernente ao
lapso de 01/09/1995 até 05/03/1997, sob agente agressivo ruído de 82 dB(A), à luz dos códigos
1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 e 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79; a partir de então (de
06/03/1997), o referido nível de pressão sonora encontra-se aquém dos limites legais impostos.
25 - No que corresponde ao interstício de 05/03/1990 a 31/08/1995, o autor exerceu a função
de porteiro, em que "realizava trabalhos e atendimentos aos clientes, funcionários e público em
geral, bem como proteção ao patrimônio". A despeito de ser possível o reconhecimento de
especialidade da atividade pelo mero enquadramento da categoria profissional até 28 de abril
de 1995, a função de porteiro não foi contemplada nos Decretos nº 53.831/64, nº 83.080/79,
vigentes à época da prestação laboral.
26 - Procedendo-se ao cômputo dos labores rural e especial reconhecidos nesta demanda,
verifica-se que a parte autora, na data da DER, em 19/09/2007, contava com 34 anos, 07
meses e 24 dias de serviço, ou seja, não detinha tempo suficiente à consecução da "
aposentadoria integral", o que somente seria atingido na data do ajuizamento da ação, aos
03/09/2008, com o cômputo de 35 anos, 07 meses e 08 dias de serviço, assegurando-lhe o
direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição, não havendo que se falar em
aplicação do requisito etário, nos termos do art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal.
27 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
28 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
29 - Agravo retido não conhecido. Apelo do autor desprovido. Apelação do INSS e Remessa
necessária parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo
de instrumento convertido em retido, negar provimento ao apelo do autor, dar parcial
provimento ao apelo do INSS, para afastar da condenação a especialidade dos períodos de
05/03/1990 a 31/08/1995 e 06/03/1997 a 19/09/2007, e dar parcial provimento à remessa
necessária, para estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser
calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos
índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício
requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, mantendo, no mais, a r. sentença,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
