Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1710109 / SP
0000595-04.2011.4.03.6140
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
PROVA TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO PARCIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. PPP.
AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE RESPONSÁVEL TÉCNICO PELOS REGISTROS
AMBIENTAIS. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO
INICIAL. REQUERIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. TERMO FINAL PARA A SUA INCIDÊNCIA. DATA DA PROLAÇÃO DA
SENTENÇA. ISONOMIA CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DA TURMA. APELAÇÃO DA
PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Na exordial, aduz a parte autora ter principiado seu ciclo laborativo na zona rural, sob regime
familiar, assim permanecendo desde 1966 (aos 12 anos de idade) até 1982, sendo que, na
sequência, teria desempenhado tarefas na urbe - inclusive de natureza especial, nos intervalos
de 01/10/1991 a 16/09/1994, 01/02/1995 a 30/10/1996, 01/11/1996 a 16/11/2000 e 07/03/2001
a 16/11/2004. Requer, pois, o reconhecimento destes períodos laborais, com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a partir da postulação
administrativa, em 19/01/2006. Merece relevo o acolhimento, já, então, administrativo, quanto
aos períodos especiais de 01/10/1991 a 16/09/1994 e 01/02/1995 a 30/10/1996 (consoante fl.
114), o que os torna evidentemente incontroversos.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
6 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91.
7 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, é histórica a vedação do trabalho
infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os
menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições
anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
8 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o
desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos
genitores. Corroborando esse entendimento, se encontrava a realidade brasileira das duas
décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64%
na década de 1950 e 55% na década de 1960).
9 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os
auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante.
10 - Para comprovação do suposto labor rural em regime familiar, foram apresentados os
seguintes documentos: a) "Declarações para cadastro de parceiro ou arrendatário rural", em
nome do Sr. José Ribeiro da Costa, genitor da autora, datadas de 1972 e 1978 (fls. 48/51); b)
ficha de associado junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Helena/PB, em nome
do genitor da autora, datada de 12/08/1980, seguida de comprovante de pagamentos de
mensalidades relativas aos anos de 1981, 1982 e 1983.
11 - É remansosa a jurisprudência no sentido de ser extensível à mulher a condição de rurícola
nos casos em que os documentos apresentados, para fins de comprovação de atividade
campesina exercida em regime de economia familiar, indiquem familiar próximo como
trabalhador rural, afigurando-se possível, no caso, reconhecer que as alegações da autora
baseiam-se em razoável início de prova material, a qual foi corroborada por idônea e segura
prova testemunhal.
12 - Além da documentação trazida como início de prova material hábil a comprovar o exercício
de labor rural, foram ouvidas duas testemunhas. A testemunha Acino Monteiro da Silva (fl. 141)
afirmou que "conhece Maria Lucia desde pequenininha, que a requerente trabalhava na
agricultura, profissão de seu pai". Disse que "a requerente ajudava seu pai na roça puxando boi;
que não sabe dizer se a requerente desempenhou outra atividade além de rurícola". O
depoente Josias Pinto de Lima (fl. 142) disse que "conhece Maria Lucia desde criança; que
atualmente a requerente mora em São Paulo, mas morou no sítio até 1980; que a requerente
trabalhou na agricultura desde 1967 a 1980; que ajudava o pai na roça, no cuidado com a terra,
puxando carroça, entre outras tarefas; que não sabe dizer se a requerente desempenhou outra
atividade além da rurícola; que só sabe informar sobre o trabalho desempenhado na agricultura,
eis que a requerente morou nesta cidade até 1980".
13 - Logo, a prova oral reforça o labor no campo, ampliando a eficácia probatória dos
documentos carreados aos autos, sendo possível reconhecer que a autora exerceu atividades
rurais sob manto da economia familiar no período de 01/01/1967 até 31/12/1980 (periodização
demarcada pela prova oral), exceto para fins de carência.
14 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
15 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Em outras palavras, até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por
qualquer modalidade de prova.
16 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao
agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade
desempenhada pelo trabalhador.
17 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
18 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
19 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
20 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
21 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
22 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
23 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
24 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
25 - Afastados os intervalos administrativamente admitidos - repita-se, de 01/10/1991 a
16/09/1994 e 01/02/1995 a 30/10/1996 - a controvérsia ora paira sobre os lapsos de 01/11/1996
a 16/11/2000 e 07/03/2001 a 16/11/2004.
26 - No tocante ao período de 01/11/1996 a 16/11/2000, laborado na empresa Sofisa Serviços
de Ortopedia e Fisioterapia S/C, na atividade de técnica de gesso, foi trazido aos autos o Perfil
Profissiográfico Previdenciário - PPP de fl. 38 que, embora consigne que a autora estivera
submetida a vírus, bacilos e bactérias, encontra-se desprovido de indicação de nome e registro
no conselho de classe do profissional responsável pelos registros ambientais, o que, por si só,
impede a utilização do documento para fins de comprovação de atividade sujeita a condições
especiais.
27 - Quanto ao período de 07/03/2001 a 16//11/2004, em que a autora trabalhou na empresa
Centro Médico Jardim Ltda., exercendo a atividade de auxiliar de enfermagem, foi trazido aos
autos o formulário DIRBEN 8030 (fl. 39), no qual consta que a autora estivera exposta a
agentes biológicos, de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente.
28 - Certo é que, por imposição legal, até 28/04/1995, para o reconhecimento da especialidade
do labor por agente nocivo à saúde ou perigoso é necessária a apresentação de formulário
próprio descritivo da atividade do segurado interessado, emitido pela empresa na forma da lei,
exigindo-se, a partir de 10/12/1997, o laudo técnico para comprovar a sua efetiva exposição à
nocividade.
29 - E diante da completa ausência - do laudo específico - inviável o reconhecimento, também,
quanto a este interregno de 07/03/2001 a 16/11/2004.
30 - Somando-se o labor rural reconhecido nesta demanda, aos demais períodos, considerados
incontroversos (CTPS de fls. 16/26 e CNIS anexado aos autos), verifica-se que a autora
alcançara 35 anos, 06 meses e 19 dias de serviço na data do requerimento administrativo, aos
19/01/2006, o que lhe assegura o direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição,
não havendo que se falar em aplicação do requisito etário, nos termos do art. 201, §7º, inciso I,
da Constituição Federal.
31 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo
(19/01/2006), ocasião em que a entidade autárquica tomou conhecimento da pretensão.
32 - Saliente-se que, de acordo com o CNIS, a parte autora recebe aposentadoria por idade
desde 10/06/2014. Sendo assim, faculto à demandante a opção pela percepção do benefício
que se lhe afigurar mais vantajoso, vedado o recebimento em conjunto de duas aposentadorias,
nos termos do art. 124, II, da Lei nº 8.213/91, e, com isso, condiciono a execução dos valores
atrasados à opção pelo benefício concedido em Juízo, uma vez que se permitir a execução dos
atrasados concomitantemente com a manutenção do benefício concedido administrativamente
representaria uma "desaposentação" às avessas, cuja possibilidade - renúncia de benefício - é
vedada por lei - art. 18, §2º da Lei nº 8.213/91 -, além do que já se encontra afastada pelo C.
Supremo Tribunal Federal na análise do RE autuado sob o nº 661.256/SC.
33 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
34 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
35 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
36 - O termo ad quem a ser considerado continua sendo a data da prolação da sentença, ainda
que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese de
procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se afigura lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação.
37 - Isenta a Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais.
38 - Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação da parte autora para, reconhecendo o labor rural no período de 01/01/1967 a
31/12/1980, condenar a Autarquia no pagamento e implantação do benefício de aposentadoria
integral por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo (19/01/2006),
sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de
mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando-a
também em verba honorária, fixada em 10% sobre as parcelas vencidas, contadas estas até a
data de prolação da sentença, facultando-se à parte autora a opção de percepção pelo
benefício que lhe for mais vantajoso, e, por maioria, decidiu condicionar a execução dos valores
atrasados à necessária opção por aquele cujo direito foi reconhecido em Juízo, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
