Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2063067 / SP
0000194-05.2014.4.03.6106
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
21/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADE ESPECIAL. TRATORISTA. RUÍDO. APOSENTADORIA
PROPORCIONAL. DIREITO DE OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. EXECUÇÃO
DO JULGADO SE OPTADO PELO BENEFÍCIO CONCEDIDO NA VIA ADMINISTRATIVA.
JUÍZO DA EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. REMESSA NECESSÁRIA
PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÕES DO AUTOR E DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDAS.
1 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer períodos de labor rural e especial. Assim, não
havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao
reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do
STJ.
2 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal,
especificamente na Lei de Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário,
não há que se falar em ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na
vasta legislação aplicável à matéria.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91.
7 - A r. sentença reconheceu o labor rural no período de 01/01/1970 a 31/12/1975 e o labor
especial, na função de tratorista, no período de 01/02/1994 a 31/07/1998. Em razões recursais,
o autor pleiteou o reconhecimento de todo o labor rural (31/12/1967 a 18/01/1978, 30/09/1980 a
31/05/1984 e 14/10/1986 a 02/06/1991) e do labor especial (19/01/1978 a 30/04/1979 e
15/10/1979 a 14/12/1979), com a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição na data do requerimento administrativo ou no curso da ação, além da condenação
do INSS no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 20% sobre a condenação.
8 - Para comprovar o suposto labor rural foram apresentados: a) Certidão de casamento,
realizado em 25/09/1971, em que o autor foi qualificado como "lavrador" (fl. 35) b) Certificado de
Dispensa de Incorporação, de 06/08/1968, com data de dispensa do Serviço Militar Inicial em
31/12/1967, em que o autor foi qualificado como "lavrador" (fls. 45/46); c) Certidões de
nascimento de Vera Lúcia Aparecida Theodoro e Sérgio Ricardo Theodoro, lavradas em
26/04/1974, em que o autor foi qualificado como "lavrador" (fls. 47 e 48); e d) Título eleitoral, de
09/01/1975, em que o autor foi qualificado como "lavrador" (fl. 49).
9 - Além dos documentos trazidos como início de prova material hábil para comprovar o
exercício de labor rural, em 24/02/2011, foram ouvidas duas testemunhas, Jaime Simão
Marques e Armando Baptista Bordadagua (fls. 208).
10 - Desta forma, a prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória dos
documentos carreados aos autos, tornando possível o reconhecimento do trabalho campesino
no período de 31/12/1967 a 18/01/1978, exceto para fins de carência.
11 - Quantos aos demais intervalos de labor rural, sem registro em carteira, requeridos, não há
nos autos qualquer prova que sirva de liame entre a labuta e o período. Digno de nota é o fato
de que a CTPS (fls. 57/71) somente se-lhe-aproveita (ao autor) no concernente aos períodos
nela anotados, sendo inapta ao reconhecimento de "entretempos" - hipotéticos lapsos entre os
contratos anotados - na medida em que a existência de tais contratos afastaria a presunção de
que o labor teria sido ininterrupto.
12 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
13 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Em outras palavras, até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por
qualquer modalidade de prova.
14 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao
agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade
desempenhada pelo trabalhador.
15 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
16 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
17 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
18 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
19 - Acerca da conversão do período de tempo especial, deve ela ser feita com a aplicação do
fator 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, não importando a época em que
desenvolvida a atividade, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
20 - Conforme CTPS e Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP: no período de 19/01/1978 a
30/04/1979, laborado na Usina Açucareira Guarani S/A, o autor exerceu a função de "tratorista"
- CTPS de fl. 58; no período de 15/10/1979 a 14/12/1979, laborado na empresa Olímpia
Agrícola Ltda, o autor exerceu a função de "operador de máquinas" - CTPS de fl. 58; e no
período de 01/02/1994 a 31/07/1998, laborado na empresa Açúcar Guarani S/A, o autor esteve
exposto a ruído de 93,4 dB(A) - PPP de fls. 50/51.
21 - Ressalte-se que a atividade exercida pelo autor - "tratorista" - enquadra-se no Código 2.4.4
do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64 e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79,
por ser equiparada à de motorista.
22 - Possível, portanto, o reconhecimento da especialidade do labor nos períodos de
19/01/1978 a 30/04/1979 e de 01/02/1994 a 31/07/1998.
23 - Inviável o reconhecimento do labor exercido sob condições especiais no período de
15/10/1979 a 14/12/1979, eis que a atividade exercida pelo autor não é enquadrada como
especial e não há nos autos prova de sua especialidade.
24 - Com o advento da emenda constitucional 20/98, extinguiu-se a aposentadoria proporcional
para os segurados que se filiaram ao RGPS a partir de então (16 de dezembro de 1998),
assegurada, no entanto, essa modalidade de benefício para aqueles já ingressos no sistema,
desde que preencham o tempo de contribuição, idade mínima e tempo adicional nela previstos.
25 - Oportuno registrar que o atendimento às denominadas "regras de transição" deve se dar de
forma cumulativa e a qualquer tempo, bastando ao segurado, para tanto, ser filiado ao sistema
por ocasião da alteração legislativa em comento.
26 - Desta forma, convertendo-se os períodos de atividade especial reconhecidos nesta
demanda em tempo comum, aplicando-se o fator de conversão de 1.4, e somando-os ao
período rural e aos demais períodos comuns já reconhecidos administrativamente pelo INSS
(fls. 124/125), verifica-se que, na data da publicação da EC 20/98 (16/12/1998), o autor contava
com 24 anos, 2 meses e 10 dias de tempo de atividade; insuficiente para a concessão do
benefício de aposentadoria.
27 - Computando-se períodos posteriores, verifica-se que na data do requerimento
administrativo (08/05/2009 - fl. 134), o autor contava com 34 anos, 7 meses e 3 dias de tempo
de atividade; suficiente para a concessão do benefício de aposentadoria proporcional por tempo
de contribuição, a partir desta data.
28 - Conforme INFBEN (fl. 127), a parte autora está recebendo administrativamente o benefício
de aposentadoria por idade, desde 31/10/2013, sendo sua faculdade a opção pela percepção
do benefício que se lhe afigurar mais vantajoso.
29 - A controvérsia sobre a possibilidade de execução das prestações do benefício concedido
judicialmente na hipótese de opção pelo obtido na via administrativa, mais vantajoso, deverá ser
apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do Tema nº 1.018 pelo
E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado. Observância da
garantia constitucional da duração razoável do processo. Ressalva quanto aos honorários
advocatícios.
30 - No caso de opção pelo benefício judicial, os valores devidos por força da presente
condenação deverão ser compensados com aqueles já pagos administrativamente no período
concomitante.
31 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C.
STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos
prospectivos.
32 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
33 - Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas devidas até a sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido.
34 - No que se refere às custas processuais, delas está isenta a autarquia, a teor do disposto
no §1º do art. 8º da Lei n. 8.620/93.
35 - Remessa necessária parcialmente provida. Apelações do autor e do INSS parcialmente
providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, para isentar a autarquia das
custas processuais; e dar parcial provimento à apelação do autor, para reconhecer o labor rural
nos períodos de 31/12/1967 a 31/12/1969 e de 01/01/1976 a 18/01/1978 e a especialidade do
labor no período de 19/01/1978 a 30/04/1979, e para condenar o INSS a implantar, em seu
favor, o benefício de aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, a partir da data do
requerimento administrativo (08/05/2009), com parcelas em atraso acrescidas de correção
monetária calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e os juros de mora, incidentes até a expedição
do ofício requisitório, fixados de acordo com o mesmo Manual, e a pagar honorários
advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas devidas até a sentença (Súmula 111,
STJ); além de facultar a opção de percepção pelo benefício que lhe for mais vantajoso,
observando-se o acima expendido quanto à execução dos valores atrasados; mantendo, no
mais, a r. sentença proferida em 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
