Processo
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 912338 / SP
0000991-88.2004.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
08/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/04/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. CORTADOR DE CANA-DE-
AÇÚCAR. CONJUNTO PROBATÓRIO. RECONHECIMENTO PARCIAL. BENEFÍCIO NÃO
CONCEDIDO. EC 20/98. FALTA DE CUMPRIMENTO DO REQUISITO ETÁRIO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
2 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
3 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
5 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
6 - A respeito do labor no campo, a certidão de casamento de fl. 35 informa que o requerente,
em 10/11/1976, exercia a profissão de lavrador, o que é suficiente à configuração do exigido
início de prova material, devidamente corroborada por idônea e segura prova testemunhal.
7 - A prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória dos documentos
carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino no período de setembro
de 1975 a 25/08/1980, período imediatamente anterior ao primeiro registro em CTPS (fl. 38).
8 - Passa-se a analisar os períodos especiais.
9 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
10 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
11 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
12 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
13 - Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese
da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a
harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial,
o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de
conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema. Posteriormente, a
Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até a Medida Provisória
nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida Provisória nº 1.596-14, de
10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o artigo 58 e lhe
acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras veio com a edição do Decreto
nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em 06/03/1997, que passou a
exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido por médico do trabalho ou
engenheiro de segurança do trabalho.
14 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
15 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
16 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
17 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
18 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
19 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
20 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
21 - Quanto aos períodos laborados para a empresa "Companhia Agrícola Luiz Zillo Sobrinhos"
entre 26/06/1980 a 28/11/1987 e 30/11/1987 a 21/06/1993, consoante informa a CTPS juntada
à fl. 38 e informa o formulário de fl. 25, o autor trabalhava essencialmente na lavoura canavieira,
no corte de cana-de-açúcar. A mesma atividade era exercida pelo requerente na empresa
"Companhia Agrícola Orlando Chesini Ometto", entre 06/03/1995 a 05/04/2002 (data do
documento de fl. 55), e na empregadora "Usina Açucareira S. Manoel SA", entre 23/11/1993 a
01/03/1995, nos termos do que demonstram os formulários de fls. 26 e 55.
22 - Com efeito, a insalubridade do corte de cana-de-açúcar é inquestionável, eis que,
conhecidamente, a atividade envolve desgaste físico excessivo, sujeita a horas de exposição ao
sol e a produtos químicos, além do contato direto com os malefícios da fuligem, exigindo-se,
inclusive, alta produtividade dos trabalhadores e em lamentáveis condições antiergonômicas de
trabalho. Esse também é o entendimento desta Sétima Turma: APEL 0026846-
88.2012.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, v. u., julgado em 13/02/2017.
23 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrados como especiais os períodos de
26/06/1980 a 28/11/1987, 30/11/1987 a 21/06/1993, 23/11/1993 a 01/03/1995 e 06/03/1995 a
10/12/1997.
24 - Afastada a insalubridade do período de setembro de 1975 a 1980, tendo em vista que esta
sequer foi requerida, como resta claro pelo exame das fls. 05/06 da inicial.
25 - Somando-se o tempo rural e especial, convertido em comum, aos demais períodos
constantes na CTPS e no CNIS, que passa a integra a presente decisão, verifica-se que o autor
alcançou 33 anos, 4 meses e 18 dias de serviço na data do ajuizamento (26/09/2002), no
entanto, à época não havia completado o requisito etário (53 anos) para fazer jus à
aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, conforme disposição do art. 9º, §1º, da
Emenda Constitucional nº 20/98.
26 - Sagrou-se vitorioso o autor ao ver reconhecidos parte do labor rural e do trabalho especial
vindicado. Por outro lado, não foi concedida a aposentadoria, restando vencedora nesse ponto
a autarquia. Desta feita, cada parte será responsabilizada pelos honorários advocatícios de
seus respectivos patronos, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, §
4º, III e § 14 do CPC/73), no caso da parte autora, ficando a exigibilidade suspensa por 5
(cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a
concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no §3º do art. 98
do CPC.
27 - Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do INSS, para restringir o labor rural para o período entre 26/06/1980 a 28/11/1987,
30/11/1987 a 21/06/1993, 23/11/1993 a 01/03/1995 e 06/03/1995 a 10/12/1997, e julgar
improcedente o pedido de aposentadoria, determinando que cada parte será responsabilizada
pelos honorários advocatícios de seus respectivos patronos, arbitrados em 10% sobre o valor
atualizado da causa (art. 85, § 2º, § 4º, III e § 14 do CPC/73), no caso da parte autora, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto no §3º do art. 98 do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
