
| D.E. Publicado em 20/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, para anular a r. sentença de 1º grau, por ser extra petita e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer o período de trabalho rural no período de 01/01/1976 a 23/07/1991, dando os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca, deixando de condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0043164-83.2011.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária ajuizada por Alice Bueno dos Santos, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de labor rural no período entre 01/01/1976 e 30/12/2002.
A r. sentença de fl. 119 converteu a presente ação e condenou o INSS a conceder o benefício de aposentadoria por idade à autora, no valor de um salário mínimo, com todos os acréscimos e gratificações ao benefício aderidos, a partir desta sentença. Determinou, ainda, que as parcelas atrasadas serão pagas de uma só vez, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros moratórios à razão de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado. Condenou o réu a arcar com as despesas processuais não abrangidas pela isenção de que goza, bem como com honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, até a data da sentença, afastada a incidência sobre as vincendas, em razão do disposto na Súmula 111, do E. STJ. Concedida a tutela antecipada.
Em razões recursais de fls. 125/138, mediante se tratar de sentença extra petita, o INSS alega sua nulidade. No mérito, pleiteia a reforma da sentença, ao argumento de que as provas juntadas aos autos são insuficientes para demonstrar o labor rural no período alegado na inicial, e que a atividade do trabalhador rural realizada antes de novembro de 1991 não contaria para fins de carência. Aduz ser inadmissível o reconhecimento pretendido sem a prévia indenização aos cofres da Previdência, pugnando pela total improcedência do feito. Subsidiariamente, requer a alteração dos critérios de cálculo dos juros de mora e da correção da moeda.
Contrarrazões da parte autora às fls. 148/150.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o cômputo de labor rural em regime de economia familiar, desde o ano de 1976 até 30/12/2002.
Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
Todavia, verifica-se que o magistrado, ao analisar e julgar procedente a demanda concedeu o benefício de aposentadoria por idade.
Desta forma, a sentença é extra petita, eis que analisou pedido diverso do formulado na inicial, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, eis que concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de se defender daquilo não postulado.
O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil:
Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual aplicável, passo ao exame do mérito da demanda.
Do labor rural.
O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, nos seguintes termos:
É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
Do caso concreto.
No intuito de comprovar as alegações postas na inicial, acerca de sua atividade rurícola desempenhada junto a familiares, a autora carreou aos autos os seguintes documentos (aqui, listados em ordem cronológica):
* cópia da sua Certidão de Casamento, realizado em 05/06/1976, onde consta a profissão do seu cônjuge como lavrador (fl. 13);
* contratos particulares de arrendamento realizados em nome do cônjuge da autora, referentes aos períodos de janeiro/1987 a janeiro/1989, janeiro/1989 a janeiro/1993 e de janeiro/1993 a janeiro/1997 (fls. 23/30);
* declarações de ITR (Imposto sobre propriedade Territorial Rural), em nome do seu cônjuge, referentes aos anos de 2002, 2004, 2005, 2007 e 2008 (fls. 31/34 e 39/40);
* declaração cadastral de produtor, em nome do cônjuge da autora, com data de 11/04/2005 (fl. 41);
* contrato de parceria agrícola referente ao período de 30/11/2006 a 30/07/2007 (fl. 38);
* notas fiscais de produtor, em nome do seu cônjuge, com datas de emissão referente ao período de 2004 a 2009 (fl. 44/50).
Tendo em vista a existência de remansosa jurisprudência no sentido de ser extensível à mulher a condição de rurícola nos casos em que os documentos apresentados, para fins de comprovação atividade campesina, indiquem o marido como trabalhador rural, afigura-se possível, no caso, reconhecer que as alegações da autora baseiam-se em razoável início de prova material, a qual foi corroborada por idônea e segura prova testemunhal. Vejamos:
O depoente José Carlos Batista dos Santos (fl. 111) disse que "conhece a autora há trinta anos (ano de 1980)" e que "a autora trabalhava com o marido em roça própria, em regime de economia familiar. Que até hoje ela trabalha na roça própria". Afirmou, ainda, que "plantaram cebola e repolho e atualmente só plantam alho-poró. Que a autora já foi faxineira por uns quatro a cinco anos. Que nunca trabalhou em comércio, mas depois voltou a trabalhar na roça".
Já a depoente Maria Benedita da Silva (fl. 112) disse que "conhece a autora há mais de quarenta anos (ano de 1970)" e que "quando conheceu a autora ela já trabalhava na roça. Que depois que se casou continuou a trabalhar com o marido em roça própria, em regime de economia familiar. Que até hoje ela trabalha na roça própria com o marido. Que eles não tem empregados, a roça tem um alqueire". Afirmou que "a autora já foi faxineira por pouco tempo na cidade, mas depois voltou a trabalhar na roça".
A prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória dos documentos carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino da requerente no período de 01/01/1976 a 23/07/1991.
Quanto ao período subsequente, de 24/07/1991 a 30/12/2002, cumpre esclarecer que não é possível reconhecer atividade rural exercida posteriormente ao advento da Lei de Benefícios sem o respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias. Com efeito, a dispensa de tais recolhimentos, conforme disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/91, aplica-se ao tempo de labor rural exercido antes da vigência do mencionado diploma legal. A partir de 24/07/1991, portanto, a mera demonstração de que o autor atuava nas lides campesinas, sem a prova de que houve a respectiva contribuição ao sistema da Previdência Pública, não autoriza seu cômputo como tempo de serviço, para fins de concessão da aposentadoria.
Nesse sentido é a orientação da jurisprudência firmada no C. STJ, conforme ementa que segue:
Alfim, verifica-se que a autora recolheu contribuições previdenciárias, como contribuinte individual, nos períodos de novembro/2003 a abril/2005 e de novembro/2007 a fevereiro/2008 (fl. 51/69).
A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe:
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
Quanto aos requisitos etário e contributivo estabelecidos pela EC nº 20/98, em seu art. 9º, temos:
Dessa forma, com o advento da emenda constitucional em questão, extinguiu-se a aposentadoria proporcional para os segurados que se filiaram ao RGPS a partir de então (16 de dezembro de 1998), assegurada, no entanto, essa modalidade de benefício para aqueles já ingressos no sistema, desde que preencham o tempo de contribuição, idade mínima e tempo adicional nela previstos.
Oportuno registrar que o atendimento às denominadas "regras de transição" deve se dar de forma cumulativa e a qualquer tempo, bastando ao segurado, para tanto, ser filiado ao sistema por ocasião da alteração legislativa em comento.
A esse respeito, confira-se o escólio de Alexandre de Moraes, em sua festejada obra "Direito Constitucional", Ed. Atlas, 31ª ed., pg. 865/866:
Outro não é o entendimento da mais abalizada doutrina sobre o assunto:
Sacramentando a tese de que as exigências contempladas nas regras de transição podem ser cumpridas pelo segurado em momento posterior à edição da EC nº 20/98, destaco excerto, a contrario sensu, contido no voto proferido por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 837.731/SP, in verbis:
Vale lembrar que a intenção do legislador fora a de preservar tanto o direito adquirido dos segurados que tivessem condições para a jubilação, como a expectativa de direito daqueles já participantes do sistema. É o que revela a "Exposição de Motivos" que integrou a proposta enviada ao Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº 20/98, cujo trecho destaco:
Conforme planilha anexa, somando-se o labor rural reconhecido nesta demanda (01/01/1976 a 23/07/1991), aos períodos considerados incontroversos (recolhimentos de contribuições previdenciárias de fls. 51/69 e CNIS anexo, que passa a integrar a presente decisão), verifica-se que a autora alcançou 19 anos, 6 meses e 12 dias de serviço, tempo de serviço insuficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, seja na modalidade integral, seja na modalidade proporcional.
Por outro lado, o pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo rural correspondente a 01/01/1976 a 23/07/1991, considerado improcedente o pedido de concessão.
Por fim, esclareço que se sagrou vitoriosa a parte autora ao ver reconhecido parte do período rural vindicado. Por outro lado, no momento do ajuizamento, não fazia jus à aposentadoria pleiteada, restando vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, dou os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixo de condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
Ante o exposto, dou provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, para anular a r. sentença de 1º grau, por ser extra petita e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido, para reconhecer o período de trabalho rural no período de 01/01/1976 a 23/07/1991, dando os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca, deixando de condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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| Data e Hora: | 11/09/2018 17:05:39 |
