
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0002679-04.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ANA MARIA DE SOUZA GOES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
APELADO: ANA MARIA DE SOUZA GOES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0002679-04.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ANA MARIA DE SOUZA GOES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
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R E L A T Ó R I O
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas pela parte autora e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária ajuizada por ANA MARIA DE SOUZA GOES, objetivando a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de período trabalhado em atividade sujeita a condições especiais, e consequente conversão em aposentadoria especial.
A r. sentença (ID 103265800 - Págs. 38/44) julgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a especialidade do labor no período de 17/04/2012 a 24/12/2012, condenando a Autarquia a recalcular a renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de contribuição da autora, a partir da data do requerimento administrativo (24/12/2012), acrescidas as diferenças apuradas de correção monetária e juros de mora. Honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela. Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais (ID 103265800 - Págs. 52/65), a parte autora sustenta ser devida a conversão do tempo comum em especial nos períodos indicados, de acordo com a legislação vigente à época da prestação dos serviços, pugnando pela total procedência do feito, com a concessão da aposentadoria especial.
O INSS, por sua vez (ID 103265800 - Págs. 66/71) postula, preliminarmente, a nulidade da r. sentença, por ser
extra petita
. Subsidiariamente, requer a fixação dos efeitos financeiros da revisão na data da citação, a aplicação da Lei nº 11.960/2009 na fixação dos critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora e a redução da verba honorária de sucumbência.Devidamente processados os recursos, sem o oferecimento das contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0002679-04.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ANA MARIA DE SOUZA GOES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
APELADO: ANA MARIA DE SOUZA GOES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, implantado em 24/12/2012, para que seja convertido em aposentadoria especial, mediante o reconhecimento da especialidade do labor no período de 17/04/2012 a 24/12/2012. Pretende, ainda, a conversão de tempo de serviço comum em especial ("conversão inversa").
Ressalto, de início, que, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (
ultra petita
), aquém (citra petita
) ou diversamente do pedido (extra petita
), consoante o art. 492 do CPC/2015.Todavia, verifico que o magistrado
a quo
não se ateve aos termos do pedido, ao reconhecer o direito ao recálculo da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição, enfrentando questão que não integrou a pretensão efetivamente manifesta.Logo, a sentença, neste aspecto, é
ultra petita
, eis que condenou a Autarquia no recálculo da aposentadoria por tempo de contribuição da autora, com pagamento das diferenças (não pleiteado na inicial), extrapolando os limites do pedido; restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015. E, quanto ao ponto, merece acolhimento a preliminar aventada pela Autarquia.Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.
Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do pedido inicial, qual seja, o reconhecimento de tempo especial, a possibilidade de conversão de tempo comum em especial e o preenchimento dos requisitos para a obtenção da aposentadoria especial.
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação prevê que "(...) será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)". (grifos nossos)
Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade desempenhada pelo trabalhador.
A propósito do tema:
"(...) Por fim, como afirmado pelo Tribunal de origem, o fundamento sustentado pela Autarquia, de que a exposição aos agentes biológicos era eventual, não é suficiente para descaracterização da especialidade.
Não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, visto que habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho.
Tem-se, assim, que a avaliação no caso dos autos se torna qualitativa, independendo do tempo de exposição"
(STJ, REsp. nº 1.610.099 - RS (2016/0168867-2), Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 02/08/2016). (grifos nossos).
Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal exigência na legislação anterior (STJ, AgRg no AREsp 295.495/AL, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/04/2013).
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
"(...) a primeira tese o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
(...)
a segunda tese
fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador,
no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP),no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria
" (STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJe n. 29, de 11.02.2015, public. 12.02.2015)" (grifos nossos).Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Do caso concreto.
Quanto ao período de 17/04/2012 a 24/12/2012, laborado na “Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein”, o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (ID 103265800 - Págs. 13/15) aponta que a autora, ao desempenhar a função de “técnico de enfermagem”, esteve exposta a agentes biológicos (vírus, fungos e bactérias).
Importante esclarecer que, nos casos em que resta comprovada a exposição do profissional à nocividade do agente biológico, a natureza de suas atividades já revela, por si só, que mesmo nos casos de utilização de equipamentos de proteção individual, tido por eficazes, não é possível afastar a insalubridade a que fica sujeito o profissional. Na mesma linha, confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADES EXERCIDAS EM CONDIÇÕES ESPECIAIS DE TRABALHO. AGENTE AGRESSIVO BIOLÓGICO. EXPOSIÇÃO. UTILIZAÇÃO DO EPI EFICAZ. CONFIGURADAS AS CONDIÇÕES ESPECIAIS DE TRABALHO.- Apelação tempestiva, recebida no efeito previsto no CPC/2015.- (...) As profissões de "auxiliar de enfermagem", "atendente de enfermagem" e "enfermeira" constam dos decretos legais e a sua natureza especial pode ser reconhecida apenas pelo enquadramento profissional até 05.03.1997, ocasião em que passou a ser imprescindível a apresentação do laudo técnico ou do perfil profissiográfico previdenciário.- O enquadramento foi realizado com base na exposição a vírus e bactérias, pelo exercício das atividades de enfermagem em hospital.- A exposição ao agente agressivo biológico, demonstrada no período abrangido pelo PPP, é suficiente para a concessão da aposentadoria especial, uma vez que a utilização de EPI eficaz, no caso de tal agente, não neutraliza os efeitos nocivos da exposição.- A natureza da atividade corrobora a exposição a agentes biológicos, sendo viável a aferição da condição especial de trabalho
As atividades desenvolvidas pela autora encontram subsunção no Decreto nº 3.048/99 (código 3.0.1 do Anexo IV), sendo possível, portanto, o reconhecimento da especialidade do labor no período em questão (
17/04/2012 a 24/12/2012
).A pretensão de conversão de tempo comum em especial, com a aplicação do redutor 0.83, denominada "conversão inversa", não merece prosperar. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.310.034/PR, em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva, firmou o entendimento no sentido de que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, inclusive quanto ao fator de conversão, independente do regime jurídico à época da prestação do serviço, restando inaplicável a regra que permitia a conversão de atividade comum em especial aos benefícios requeridos após a edição da Lei nº 9.032/95.
Esta 7ª Turma, sobre o tema, assim se pronunciou:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 1.022, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. CONCESSÃO DE EFEITO INFRINGENTE EM RAZÃO DE O TEMA TER SIDO APRECIADO POR TRIBUNAL SUPERIOR POR MEIO DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. NECESSIDADE DE PACIFICAÇÃO DO LITÍGIO E DE SE PRESTIGIAR OS PROVIMENTOS JUDICIAIS CUJA EFICÁCIA É VINCULANTE. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONVERSÃO INVERSA.
(...)
- DA CONVERSÃO INVERSA. O C. Superior Tribunal Justiça, quando do julgamento do REsp 1.310.034/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2012, reafirmado em Embargos de Declaração, DJe de 02.02.2015 - representativo da controvérsia), consolidou o entendimento de que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, inclusive quanto ao fator de conversão, independente do regime jurídico à época da prestação do serviço, restando inaplicável a regra que permitia a conversão de atividade comum em especial aos benefícios requeridos após a edição da Lei nº 9.032/95.
- Embargos de declaração opostos pela autarquia previdenciária acolhidos."
(ED em AC nº 2011.61.83.010158-4/SP, Rel. Des. Federal Fausto de Sanctis, DE 18/10/2017).
Somando-se a atividade especial ora reconhecida àquela já assim considerada pelo INSS (ID 103265799 - Págs. 88/91), verifica-se que a autora alcançou
20 anos, 05 meses e 23 dias
de serviço especial (vide planilha que integra a presente decisão), tempo insuficiente para a concessão da aposentadoria pleiteada na inicial, restando improcedente a demanda quanto à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial; preservado, todavia, o reconhecimento do labor especial no período acima mencionado, devendo o INSS proceder à respectiva averbação.Ante a sucumbência recíproca, dou a verba honorária por compensada, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73 e deixo de condenar as partes no pagamento das custas, eis que o autor é beneficiário da justiça gratuita e o INSS delas está isento.
Ante o exposto,
nego provimento à apelação da parte autora, e dou parcial provimento à apelação do INSS,
para reduzir a sentença aos limites do pedido inicial, excluindo da condenação a determinação quanto ao recálculo da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição da autora, assim como à remessa necessária, esta última em maior extensão
, para também reconhecer a ocorrência da sucumbência recíproca, mantendo, no mais, a r. sentença de 1º grau.É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. SENTENÇA
ULTRA PETITA
. REDUÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO INICIAL. COMPROVAÇÃO DO LABOR SUBMETIDO A CONDIÇÕES ESPECIAIS. TÉCNICO DE ENFERMAGEM. AGENTES BIOLÓGICOS. ENQUADRAMENTO. CONVERSÃO INVERSA. IMPOSSIBILIDADE. TEMPO INSUFICIENTE PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL. SOMENTE AVERBAÇÃO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.1 - Pretende a parte autora a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, implantado em 24/12/2012, para que seja convertido em aposentadoria especial, mediante o reconhecimento da especialidade do labor no período de 17/04/2012 a 24/12/2012. Pretende, ainda, a conversão de tempo de serviço comum em especial ("conversão inversa").
2 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (
ultra petita
), aquém (citra petita
) ou diversamente do pedido (extra petita
), consoante o art. 492 do CPC/2015. Todavia, o magistradoa quo
não se ateve aos termos do pedido, ao reconhecer o direito ao recálculo da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição, enfrentando questão que não integrou a pretensão efetivamente manifesta.3 - Logo, a sentença, neste aspecto, é
ultra petita
, eis que condenou a Autarquia no recálculo da aposentadoria por tempo de contribuição da autora, com pagamento das diferenças (não pleiteado na inicial), extrapolando os limites do pedido; restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015. E, quanto ao ponto, merece acolhimento a preliminar aventada pela Autarquia.4 - Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa. Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do pedido inicial, qual seja, o reconhecimento de tempo especial, a possibilidade de conversão de tempo comum em especial e o preenchimento dos requisitos para a obtenção da aposentadoria especial.
5 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
7 - Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91.
8 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
9 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
10 - A permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade desempenhada pelo trabalhador. Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal exigência na legislação anterior.
11 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
12 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
13 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
14 - Quanto ao período de 17/04/2012 a 24/12/2012, laborado na “Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein”, o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (ID 103265800 - Págs. 13/15) aponta que a autora, ao desempenhar a função de “técnico de enfermagem”, esteve exposta a agentes biológicos (vírus, fungos e bactérias).
15 - Importante esclarecer que, nos casos em que resta comprovada a exposição do profissional à nocividade do agente biológico, a natureza de suas atividades já revela, por si só, que mesmo nos casos de utilização de equipamentos de proteção individual, tido por eficazes, não é possível afastar a insalubridade a que fica sujeito o profissional. Precedente.
16 - As atividades desenvolvidas pela autora encontram subsunção no Decreto nº 3.048/99 (código 3.0.1 do Anexo IV), sendo possível, portanto, o reconhecimento da especialidade do labor no período em questão (17/04/2012 a 24/12/2012).
17 - A pretensão de conversão de tempo comum em especial, com a aplicação do redutor 0.83, denominada "conversão inversa", não merece prosperar. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.310.034/PR, em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva, firmou o entendimento no sentido de que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, inclusive quanto ao fator de conversão, independente do regime jurídico à época da prestação do serviço, restando inaplicável a regra que permitia a conversão de atividade comum em especial aos benefícios requeridos após a edição da Lei nº 9.032/95. Precedente.
18 - Somando-se a atividade especial ora reconhecida àquela já assim considerada pelo INSS, verifica-se que a autora alcançou 20 anos, 05 meses e 23 dias de serviço especial, tempo insuficiente para a concessão da aposentadoria pleiteada na inicial, restando improcedente a demanda quanto à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial; preservado, todavia, o reconhecimento do labor especial no período acima mencionado, devendo o INSS proceder à respectiva averbação.
19 - Verba honorária compensada entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73).
20 – Apelação da parte autora desprovida. Apelação do INSS e remessa necessária parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, e dar parcial provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, para reduzir a sentença aos limites do pedido inicial, excluindo da condenação a determinação quanto ao recálculo da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição da autora, e para reconhecer a ocorrência da sucumbência recíproca, mantendo, no mais, a r. sentença de 1º grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
