Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1550841 / SP
0036707-69.2010.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. ATIVIDADE
ESPECIAL. TRATORISTA. ENQUADRAMENTO. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
APOSENTADORIA COM PROVENTOS INTEGRAIS. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA DE
BENEFÍCIO. OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. TERMO INICIAL. CITAÇÃO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR
INTERPOSTA, APELAÇÃO DO INSS E RECURSO ADESIVO DO AUTOR, TODOS
PARCIALMENTE PROVIDOS.
1 - O INSS foi condenado a reconhecer período de labor rural, não registrado em CTPS e
conceder benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição/serviço. Assim,
não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao
reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo retro mencionado e da Súmula nº 490 do
STJ.
2 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, mediante o
reconhecimento de labor rural no período de 01/01/1959 a 30/03/1977, e considerar como
especial, transformando em comum, o tempo trabalhado nos períodos de 01/04/1977 a
20/04/1978, 01/08/1978 a 31/10/1978, 03/09/1980 a 09/01/1981 e 12/04/1982 a 10/06/1991.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
7 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
8 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação
do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar
apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as
Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
9 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os
auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante.
10 - As pretensas provas materiais juntadas aos autos, a respeito do labor no campo do autor,
são: a) Certidão de casamento, realizado em 11/09/1971, em que consta a qualificação do autor
como "lavrador" (fl. 11); b) Certificado de Dispensa de Incorporação, com dispensa em
31/12/1968, por residir em município não tributário, onde consta a sua profissão como "lavrador"
(fl. 12).
11 - A testemunha Aristides de Libardi Frutuoso (fl. 54) afirmou que "conhece o autor há mais
de 40 anos (além do ano de 1969). O requerente trabalhou na lavoura desde muito novo, por
uns 18 a 20 anos, aproximadamente. Quando ele parou de trabalhar na roça veio
imediatamente para a cidade e já começou a trabalhar. Ele trabalhou na área rural com a
família sob forma de subsistência, só para o gasto. O autor também trabalhou com o depoente,
na fazenda Santa Gertrudes, o dono da fazenda era Sérgio Fisher. Ele Trabalhava na colheita e
na parte da limpeza.". Dirceu Victor de Siqueira (fl. 55) afirmou que "conhece o autor desde a
infância e que ele trabalhou na lavoura dos dez até os trinta anos (do ano de 1959 ao ano de
1979). O requerente começou trabalhando com o pai, que tinha um pedacinho de terra e depois
ele foi trabalhar como bóia-fria, para diversas pessoas. Ele trabalhou numa fazenda do Dr. Luiz
que hoje é Fazenda Alvorada Trabalhou para o japonês Kioshi Takaku e também trabalhou para
Roma. Ele plantava e colhia, fazia todo o tipo de serviço de lavoura.".
12 - A prova oral reforça a comprovação do labor no campo, e amplia a eficácia probatória dos
documentos carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino do autor no
período de 09/06/1961 (desde os 12 anos de idade) até 30/03/1977 (data que antecede o
primeiro registro em CTPS - fl. 13), exceto para fins de carência.
13 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
14 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos, enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
15 - Até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a)
com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
16 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente, para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente
passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de
ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de
exposição do trabalhador às condições especiais.
17 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, frise-se, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
18 - O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por
força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado
para 90 dB. O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84,
considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora
superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição
dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo,
o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o
Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que
prevalece este, por ser mais favorável.
19 - De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a
18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90
dB. A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo
Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB. Observa-se
que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j.
14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a
impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a
18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90
dB.
20 - Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº
9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico
por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação
de tempo laborado em condições especiais.
21 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
22 - Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o
passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas.
Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado
pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
23 - A Carteira de Trabalho e Previdência Social do autor - CTPS (fl. 13) demonstra que ele
trabalhou no cargo de "tratorista" e "tratorista agrícola" nos períodos de 01/04/1977 a
20/04/1978 e 01/08/1978 a 31/10/1978 (Tecoplan Engenharia e Comércio Limitada).
24 - A atividade exercida pelo autor - "tratorista" - enquadra-se no Código 2.4.4 do Quadro
Anexo do Decreto 53.831/64 e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79, por ser
equiparada à de motorista.
25 - Apenas se diga, quanto aos intervalos de 03/09/1980 a 09/01/1981 e 12/04/1982 a
10/06/1991 que, conquanto tragam anotação em CTPS, da profissão de motorista, não podem
ser admitidos como especiais, na medida em que as atividades aptas para o reconhecimento (e
consequentemente, para o enquadramento da especialidade) são aquelas que guardam relação
com ofício de motorista de caminhão ou ônibus, sendo que não há dados suficientes, nos autos,
para tal distinção, no caso do autor.
26 - Procedendo ao cômputo do labor rural e especial reconhecidos nesta demanda
(09/06/1961 a 30/03/1977, 01/04/1977 a 20/04/1978 e 01/08/1978 a 31/10/1978), acrescido dos
demais períodos de atividade comum constantes da CTPS (fls. 13/16) e CNIS em anexo,
constata-se que, até 27/11/2008, data do ajuizamento da ação, o autor contava com 37 anos,
04 meses e 22 dias de serviço, o que lhe assegura o direito ao benefício de aposentadoria
integral por tempo de contribuição, não havendo que se falar em aplicação do requisito etário,
nos termos do art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal.
27 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (19/12/2008), ocasião em
que a entidade previdenciária tomou conhecimento da pretensão.
28 - Verifica-se, conforme extratos do CNIS ora anexados, que houve concessão administrativa
do benefício de aposentadoria por idade, desde 09/06/2014 (NB 167.610.623-2). Sendo assim,
faculto ao demandante a opção pela percepção do benefício que se lhe afigurar mais vantajoso,
vedado o recebimento em conjunto de duas aposentadorias, nos termos do art. 124, II, da Lei nº
8.213/91, e, com isso, condiciono a execução dos valores atrasados à opção pelo benefício
concedido em Juízo.
29 - Correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei
nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob
a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de
variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
30 - Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por
refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
30 - Remessa necessária, tida por interposta, apelação do INSS e recurso adesivo do autor,
todos parcialmente providos.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, para restringir o reconhecimento
da atividade rural ao período de 09/06/1961 a 30/03/1977, fixar o termo inicial do benefício na
data da citação (19/12/2008), e determinar que sobre os valores em atraso incida correção
monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos
índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo
com o mesmo Manual, e dar parcial provimento ao recurso adesivo do autor, para reconhecer a
especialidade dos períodos de 01/04/1977 a 20/04/1978 e 01/08/1978 a 31/10/1978, mantendo-
se, no mais, a r. sentença de 1º grau de jurisdição, facultando-se ao autor a opção de
percepção pelo benefício que lhe for mais vantajoso, e, por maioria, decidiu condicionar a
execução dos valores atrasados à necessária opção por aquele cujo direito foi reconhecido em
Juízo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Referência Legislativa
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-149 SUM-490***** LBPS-91 LEI DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-11 PAR-3 ITE-7 ART-55 ART-124 INC-2***** CPC-73
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-543C***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-201 PAR-7***** CF-1967 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967
LEG-FED ANO-1967***** LOPS-60 LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-3807 ANO-1960 ART-31LEG-FED LEI-5890 ANO-1973 ART-9***** RBPS-79
REGULAMENTO DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-83080 ANO-1979 ITE-1.1.5 ITE-2.4.2LEG-FED LEI-9032 ANO-1995LEG-FED
DEC-2172 ANO-1997LEG-FED LEI-11960 ANO-2009LEG-FED DEC-53831 ANO-1964 ITE-
1.1.6 ITE-2.4.4***** RGPS-73 REGULAMENTO GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-72771 ANO-1973LEG-FED DEC-4882 ANO-2003***** CLPS-84
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE 1984
LEG-FED DEC-89312 ANO-1984 ITE-1.1.5LEG-FED DEC-357 ANO-1991LEG-FED DEC-611
ANO-1992LEG-FED LEI-9528 ANO-1997
Veja
STF RE 870.947/SEREPERCUSSÃO GERALTEMA 810;
STJ RESP 1.398.260/PRREPETITIVOTEMA 694.
