Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1876834 / SP
0004259-50.2007.4.03.6183
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. ATIVIDADE ESPECIAL.
ATIVIDADES LABORATORIAIS DE FABRICAÇÃO DE TINTAS E VERNIZES.
ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. AGENTES QUÍMICOS. LEI Nº 9.732/1998.
NEUTRALIZAÇÃO. EPI EFICAZ. EXCEÇÃO. AGENTES CANCERÍGENOS. RUÍDO ABAIXO
DO LIMITE LEGAL. CTPS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO
SUFICIENTE. BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO. EC Nº 20/1998. NÃO CUMPRIMENTO DO
REQUISITO ETÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COMPENSADOS ENTRE AS PARTES.
APELAÇÕES DA PARTE AUTORA E DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE
PROVIDAS.
1 - A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 27/02/2013, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso, a r. sentença reconheceu, em favor da
parte autora, tempo de serviço especial. Assim, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao
reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do
STJ.
2 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
3 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
4 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
5 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
6 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
7 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
8 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
9 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
10 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
11 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
12 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
13 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
14 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
15 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
16 - Quanto aos períodos laborados na empresa "Indústria de Tintas e Vernizes RR S/A" entre
01/03/1979 a 20/06/1980 e 13/04/1987 a 15/03/1995, consoante o formulário de fl. 18, o autor,
no exercício do cargo de químico formulador, "fazia toda a parte das composições químicas das
tintas e vernizes, também acompanhamento na sua preparação". Já no interregno trabalhado
na empresa "Renner Sayerlack", de 02/07/1980 a 28/02/1981, 01/03/1981 a 31/05/1984 e
01/06/1984 a 18/09/1985, como auxiliar de laboratório, laboratorista ou técnico de laboratório,
nos termos do formulário de fl. 19, o requerente "auxiliava na execução de testes físicos com
tintas desenvolvidas nos laboratórios e com as tintas produzidas em escala industrial" e
"desenvolvia produtos e implementava processos ou métodos de análises no desenvolvimento
e formulação de tintas".
17 - Tais atividades laboratoriais desenvolvidas pelo autor, em ambas as empresas
mencionadas, podem ser enquadradas no Anexo II do Decreto nº 83.080/79, no código 2.5.6.
18 - Juntamente com os formulários apresentados, para a comprovação pretendida, também
foram apresentados Perfis Profissiográficos Previdenciários, com indicação dos responsáveis
pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, que demonstram que: a) de 01/11/1995
a 13/10/1998, na empresa "Tintas Neolux Indústria e Comércio Ltda.", estava exposto aos
agentes agressivos tolueno, xileno e acetato de etila, registrada a utilização de EPI eficaz (fls.
20/21); b) de 06/04/1999 a 29/06/2001, na empresa "Basf SA", estava exposto aos agentes
agressivos tolueno, xileno e acetato de etila e butila, registrada a utilização de EPI eficaz (fls.
22/23); c) de 08/04/2003 a 23/07/2003, na empresa "Eucatex Química e Mineral Ltda.", estava
exposto aos agentes agressivos tolueno, benzeno, etanol, aguarrás e acetato de etila e butila,
registrada a utilização de EPI eficaz (fl. 28); e d) de 13/05/2004 a 31/12/2004, na empresa "Luiz
Carlos Maruzi Ind. e Com. Atac. Tintas e Vernizes Ltda.", estava exposto aos agentes
agressivos tolueno, xileno, etanol e acetato de etila e butila, registrada a utilização de EPI eficaz
(fls. 29/30).
19 - Cumpre realçar que o art. 58, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91 sofreu alteração por meio da
Lei nº 9.732/98, publicada em 14/12/1998, exigindo-se, no bojo do laudo técnico, informação
acerca da existência de tecnologia de proteção - quer coletiva, quer individual - passível de
atenuar a intensidade de agentes nocivos a limites toleráveis, apartando a insalubridade da
atividade desempenhada.
20 - Portanto, a partir de 15/12/1998, nos períodos em que está comprovada a utilização de
equipamentos individuais de proteção eficazes, como no caso em apreço, fica afastada a
insalubridade nos itens "b" e "d". Observa-se, ainda, que não há prova de exposição a qualquer
agente químico entre 03/11/2003 a 12/05/2004.
21 - Por outro lado, mesmo nas hipóteses em que demonstrado o EPI eficaz, há situações em
que, em caráter excepcional, não se considera neutralizada a insalubridade. Situações como
essa ocorrem quando a substância identificada estiver relacionada no Grupo I da LINACH (Lista
Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos/Agentes confirmados como carcinogênicos
para humanos - prevista na PORTARIA INTERMINISTERIAL MTE/MS/MPS Nº 9, DE 07 DE
OUTUBRO DE 2014 - DOU 08/10/2014), como é o caso do benzeno, motivo pelo qual o
interregno de 08/04/2003 a 23/07/2003 ("item c") também deve ser admitido como especial.
22 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos, enquadrados como
especiais os períodos de 01/03/1979 a 20/06/1980, 13/04/1987 a 15/03/1995, 02/07/1980 a
28/02/1981, 01/03/1981 a 31/05/1984, 01/06/1984 a 18/09/1985, 01/11/1995 a 13/10/1998 e
08/04/2003 a 23/07/2003.
23 - Por fim, observa-se que não deve ser reconhecida a especialidade em razão da suposta
agressão pelo agente nocivo ruído, tendo em vista que, no período laborado entre 06/03/2002 a
08/10/2002, na empresa "Eucatex Mineral Ltda.", restou demonstrado, pelo laudo pericial de fls.
26/27, que o autor estava exposto a pressão sonora de 88dB, intensidade inferior ao limite de
tolerância legal à época da prestação dos serviços.
24 - Cumpre também considerar os interregnos de trabalho registrados na CTPS, eis que é
assente na jurisprudência que a CTPS constitui prova do período nela anotado, somente
afastada a presunção de veracidade mediante apresentação de prova em contrário, conforme
assentado no Enunciado nº 12 do Tribunal Superior do Trabalho.
25 - Somando-se o tempo especial reconhecido nesta demanda, convertido em tempo comum,
aos períodos incontroversos de fls. 83/86 e constantes na CTPS, verifica-se que o autor
alcançou 33 anos, 9 meses e 3 dias de serviço na data do requerimento administrativo
(05/06/2006), no entanto, à época não havia completado o requisito etário (53 anos) para fazer
jus à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, conforme disposição do art. 9º, §1º,
da Emenda Constitucional nº 20/98.
26 - Apelações do INSS e da parte autora e remessa necessária parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação da parte autora, para reconhecer o trabalho especial de 02/07/1980 a 18/09/1985, e
dar parcial provimento à apelação do INSS, bem como à remessa necessária, para afastar o
trabalho especial de 06/04/1999 a 29/06/2001 e 13/05/2004 a 31/12/2004, determinada a
respectiva averbação dos períodos reconhecidos, mantida, no mais, a r. sentença proferida em
1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
