Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1925094 / SP
0041636-43.2013.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
24/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. ATIVIDADE ESPECIAL.
EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. MAGAREFE. RETALHISTA. ENQUADRAMENTO
PROFISSIONAL. BENEFÍCIO INTEGRAL CONCEDIDO. DATA DO INÍCIO. DATA DA
CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
COMPENSADOS ENTRE AS PARTES. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA
PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 27/09/2013, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso, a r. sentença reconheceu, em favor da
parte autora, tempo de serviço especial e concedeu-lhe a aposentadoria por tempo de
contribuição. Assim, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos
do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - Nesta fase processual a análise do pedido de suspensão da antecipação da tutela será
efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso de apelação e
pela remessa necessária.
3 - Não há se falar em nulidade da sentença em razão de cerceamento de defesa. As supostas
alegações não enfrentadas na decisão recorrida sequer foram mencionadas no apelo da
autarquia, cabendo observar que a sentença, de maneira objetiva, atestou o trabalho insalubre
exercido pelo requerente, bem como o tempo suficiente para a concessão do benefício de
aposentadoria. Além disso, no caso sub judice, ajuizado em 26/08/2013 (fl. 02), o INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
controverteu e se opôs à pretensão da parte autora (fls. 79/87), razão pela qual absolutamente
improdutivo e infundado acolher a preliminar suscitada e remeter a parte para a via
administrativa.
4 - O pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal especificamente na Lei de
Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se falar em
ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
5 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
6 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
7 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
8 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
9 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
10 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
11 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
12 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
13 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
14 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
15 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
16 - Quanto aos períodos laborados na empresa "Distribuidora de Carnes Tatuibi Ltda.", os
Perfis Profissiográficos Previdenciários de fls. 46/47, 48/49, 50/51, 52/53 e 54/55 atestam que o
requerente, nos períodos de 01/11/1978 a 03/01/1980, 01/10/1980 a 11/01/1984, 01/08/1984 a
11/10/1985, 02/05/1986 a 05/02/1990 e 02/01/1991 a 17/06/1991, independente da
denominação do seu registro em CTPS, "realizava várias funções no setor, fazia a limpeza de
Mocotó, empurrava as carcaças (quartos do boi) para as câmaras frias, realizava a lavagem das
carcaças, lavava a cabeça dos bovinos e efetuava a limpeza em geral do setor".
17 - Desta feita, as atividades desempenhadas são passíveis de enquadramento como
especiais (código 1.3.1 do Anexo do Decreto 53.831/64 e código 1.3.1 do Anexo I do Decreto
83.080/79).
18 - Durante as atividades realizadas na empresa "Agro Carnes AT. C Ltda.", de 22/11/2004 a
11/07/2007, e na empregadora "Itajara Comércio de Carnes Ltda.", de 05/05/2009 a
13/05/2013, consoante os Perfis Profissiográficos Previdenciários de fls. 56 e 57, com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, o autor,
com quase todo o histórico profissional ligado ao trabalho neste setor, que compreende
açougues, matadouros e frigorifícos, também estava exposto a fatores de risco biológicos, como
"vírus e bactérias", ao desempenhar os seus afazeres como magarefe e no setor de
carregamento de bovinos. No segundo interregno, embora mencionado sem detalhamento
como exposto a fator de risco biológico, este já é amplamente conhecido, inclusive não se
afigurando possível ignorar a constatação efetuada pelo profissional responsável.
19 - Por fim, com relação aos períodos de comprovado exercício da profissão apenas pela
CTPS, o registro empregatício com a denominação do cargo de magarefe e de retalhista
também evidencia que as atividades desempenhadas são passíveis de enquadramento como
especiais (código 1.3.1 do Anexo do Decreto 53.831/64 e código 1.3.1 do Anexo I do Decreto
83.080/79). Entretanto, como visto, o enquadramento profissional somente é permitido até
29/04/1995. Com isso, possível a admissão da especialidade de 02/01/1978 a 04/08/1978 (fl.
39).
20 - Por outro lado, as qualificações na CTPS que não estão diretamente ligadas ao exercício
da atividade fim somente são consideradas como períodos comuns de trabalho. É o caso dos
interregnos de 01/04/1992 a 14/02/1993 e 01/06/1994 a 25/02/1999. De 02/06/2008 a
08/09/2008, também não há prova da insalubridade nos autos.
21 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrados como especiais o período de
02/01/1978 a 04/08/1978, 01/11/1978 a 03/01/1980, 01/10/1980 a 11/01/1984, 01/08/1984 a
11/10/1985, 02/05/1986 a 05/02/1990, 02/01/1991 a 17/06/1991, 22/11/2004 a 11/07/2007 e
05/05/2009 a 13/05/2013.
22 - Somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda aos períodos de atividade
comum constantes da CTPS e no CNIS anexo, que passa a integrar a presente decisão,
verifica-se que a parte autora contava com 34 anos, 08 meses e 27 dias de tempo de serviço na
data do ajuizamento (26/08/2013), fazendo jus, portanto, ao benefício de aposentadoria
proporcional por tempo de contribuição, uma vez cumpridos os requisitos referentes ao
"pedágio" e idade mínima.
23 - O requisito carência restou também completado.
24 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação (15/08/2013 - fl. 77),
momento em que consolidada a pretensão resistida.
25 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
26 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
27 - Honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca
(art. 21 do CPC/73), e sem condenação de qualquer delas no reembolso das custas e despesas
processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
28 - Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS e remessa necessária parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares
arguidas na apelação do INSS, e dar-lhe parcial provimento, bem como à remessa necessária,
tida por interposta, para afastar a especialidade de 01/04/1992 a 14/02/1993, 01/06/1994 a
25/02/1999 e 02/06/2008 a 08/09/2008, e condenar o INSS na implantação da aposentadoria
proporcional por tempo de contribuição, a partir da data da citação (15/08/2013), sendo que
sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09,
a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a
expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, dando por compensados
entre as partes os honorários advocatícios, ante a sucumbência recíproca, mantida, no mais, a
r. sentença de primeiro grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
