Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1896299 / SP
0030582-80.2013.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. ATIVIDADE RURAL.
AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. NÃO ADMISSÃO. CTPS. PRESUNÇÃO DE
VERACIDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. TRATORISTA. EQUIPARAÇÃO A MOTORISTA.
RECONHECIMENTO. BENEFÍCIO PROPORCIONAL CONCEDIDO. DATA DE INÍCIO.
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE
PROVIDA.
1 - Examinando os autos, observa-se que não foi trazido aos autos início de prova material
anterior ao primeiro vínculo empregatício registrado na CTPS do requerente.
2 - Com relação aos demais períodos rurais vindicados, no tocante àqueles que sucedem os
registros em carteira de trabalho, a existência de contratos de trabalho anotados em CTPS
afasta a presunção de que o labor tenha sido ininterrupto, tornando indefensável a tese de que,
nos intervalos de tais contratos, o demandante tenha laborado, por "extensão", na condição de
rurícola.
3 - Nesses casos, para admissão do labor rural após o registro celetista, exige-se início de
prova material de que nos períodos intercalados o autor tenha se dedicado à lide campesina, o
que, no entanto, não foi demonstrado nos autos. Ao revés do alegado, os documentos de fls.
19/22 já estão compreendidos no primeiro vínculo empregatício, de 23/03/1970 a 31/01/1984 (fl.
24).
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
5 - Na realidade, pretende o autor que os depoimentos testemunhais suprissem a comprovação
de muitos anos de exercício de labor rural, o que não se afigura legítimo. Admitir o contrário
representaria burlar o disposto em lei, eis que o substrato material nela exigível deve ser
minimamente razoável, sob pena de aceitação da comprovação do período laborado
exclusivamente por prova testemunhal.
6 - Acrescente-se que não é possível reconhecer atividade rural exercida posteriormente ao
advento da Lei de Benefícios sem o respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias
7 - Com efeito, a dispensa de tais recolhimentos, conforme disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº
8.213/91, aplica-se ao tempo de labor rural exercido antes da vigência do mencionado diploma
legal. A partir de 24/07/1991, portanto, a mera demonstração de que o autor atuava nas lides
campesinas, sem a prova de que houve a respectiva contribuição ao sistema da Previdência
Pública, não autoriza seu cômputo como tempo de serviço, para fins de concessão da
aposentadoria.
8 - Portanto, fica afastado o período rural sem registro, cabendo considerar apenas os
interregnos de trabalho, rurais ou urbanos, registrados na CTPS, eis que é assente na
jurisprudência que a CTPS constitui prova do período nela anotado, somente afastada a
presunção de veracidade mediante apresentação de prova em contrário, conforme assentado
no Enunciado nº 12 do Tribunal Superior do Trabalho.
9 - Em razão da dissidência entre o período incontroverso constante às fls. 101, trabalhado para
João Marques de Toledo (01/05/1971 a 31/01/1984), e o constante na CTPS (23/03/1970 a
31/01/1984), também admitido como tempo comum o período de 23/03/1970 a 30/04/1971.
10 - Quanto aos períodos especiais, o pedido formulado pela parte autora encontra previsão
legal especificamente na Lei de Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema
Previdenciário, não há que se falar em ausência de custeio, desde que preenchidos os
requisitos previstos na vasta legislação aplicável à matéria.
11 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
12 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
13 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
14 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
15 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada
até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
16 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
17 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
18 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
19 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
20 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
21 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
22 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
23 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
24 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
25 - Quanto aos períodos laborados para os empregadores "Deuber Junqueira Franco" e "Jorge
Junqueira Franco e Outra", de 01/09/1989 a 28/02/1991 e 01/08/1991 a 30/08/1993, a cópia de
fl. 27 da Carteira de Trabalho e Previdência Social comprova que o autor exerceu a função de
tratorista, e, portanto, enquadrando-se no Código 2.4.4 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64
e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79, por ser esta atividade equiparada a de
motorista. A corroborar a possibilidade de enquadramento como atividade especial, pela
categoria profissional, incluído, por equiparação, o "tratorista". Precedentes.
26 - Não se ignora o registro em Carteira do autor no exercício dos cargos de "operador de
máquinas", assim como de "motorista" (fls. 24 e 27), qualificações, no entanto, insuficientes
para o enquadramento profissional pretendido, eis que desprovidas de elementos concretos
seguros para caracterizá-las como atividades especiais.
27 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos, enquadrados como
especiais os períodos de 01/09/1989 a 28/02/1991 e 01/08/1991 a 30/08/1993.
28 - Somando-se a atividade rural, comum, e especial, convertida em comum, aos períodos
incontroversos de fls. 101/103, verifica-se que a parte autora contava com 32 anos, 05 meses e
16 dias de tempo de serviço na data do requerimento administrativo (17/10/2011), fazendo jus,
portanto, ao benefício de aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, uma vez
cumpridos os requisitos referentes ao "pedágio" e idade mínima.
29 - O requisito carência restou também completado.
30 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo
(17/10/2011- fls. 101/103).
31 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
32 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
33 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
34 - Isenta a Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais.
35 - Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação da parte autora, para admitir como tempo de serviço comum o período de 23/03/1970
a 30/04/1971, reconhecer as especialidades de 01/09/1989 a 28/02/1991 e 01/08/1991 a
30/08/1993, e condenar o INSS na implantação da aposentadoria proporcional por tempo de
contribuição, a partir da data do requerimento administrativo (17/10/2011), sendo que sobre os
valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a
expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando-o, ainda, no
pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados no montante de 10 % sobre o valor das
parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Referência Legislativa
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-111 SUM-149***** TST SÚMULA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
LEG-FED ENU-12LEG-FED LEI-9032 ANO-1995LEG-FED DEC-611 ANO-1992 ART-292LEG-
FED LEI-6887 ANO-1980LEG-FED MPR-1523 ANO-1997
ATÉ A EDIÇÃO 13LEG-FED MPR-1596 ANO-1997
EDIÇÃO 14LEG-FED DEC-2172 ANO-1997***** LBPS-91 LEI DE BENEFÍCIOS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-52 ART-55 PAR-2 PAR-3 ART-57 PAR-4 PAR-5 ART-
58***** RPS-99 REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-3048 ANO-1999 ART-70LEG-FED LEI-9528 ANO-1997***** CPC-73 CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-20 PAR-4LEG-FED LEI-9711 ANO-1998 ART-28LEG-FED
DEC-53841 ANO-1964 ITE-2.4.4***** RBPS-79 REGULAMENTO DOS BENEFÍCIOS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-83080 ANO-1979 ITE-2.4.2LEG-FED LEI-11960 ANO-2009
Veja
STF RE 870.947/SEREPERCUSSÃO GERALTEMA 810.
