Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2027373 / SP
0000044-48.2015.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/10/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. AUXÍLIO-DOENÇA.
ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADORES RURAIS. CORTE DE CANA. EXPOSIÇÃO A
AMIANTO. AGENTE NOCIVO CONSTANTE DA LINACH. CONJUNTO PROBATÓRIO
SUFICIENTE. ADMISSÃO. BENEFÍCIO INTEGRAL CONCEDIDO. TERMO INICIAL. DATA DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA
HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA
PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 26/05/2014, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso, a r. sentença reconheceu, em favor da
parte autora, tempo de serviço especial e concedeu-lhe o benefício de aposentadoria por tempo
de contribuição integral. Assim, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário,
nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - Não procede a alegação do INSS no tocante à impossibilidade de cômputo para fins de
carência do período em que a parte autora estava em gozo de benefício por incapacidade, uma
vez que intercalado com remunerações.
3 - O pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal especificamente na Lei de
Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se falar em
ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
5 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
6 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
7 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
8 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
9 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
10 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
11 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
13 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
14 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
15 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
16 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
17 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
18 - A r. sentença monocrática reconheceu a especialidade dos períodos de labor do autor de
07/01/1980 a 15/03/1980, 05/05/1980 a 13/12/1980, 10/05/1982 a 30/10/1982, 24/01/1983 a
19/03/1983, 18/07/1983 a 10/12/1983, 30/01/1984 a 03/03/1984, 07/05/1984 a 13/10/1984,
22/10/1984 a 24/11/1984, 07/01/1985 a 02/03/1985, 06/05/1985 a 07/12/1985, 20/01/1986 a
22/03/1986, 19/05/1986 a 08/11/1986, 04/05/1987 a 24/10/1987, 09/05/1988 a 08/10/1988,
01/11/1988 a 31/03/1989, 08/05/1989 a 28/10/1989, 20/11/1989 a 30/03/1990, 07/05/1990 a
31/10/1990, 19/11/1990 a 18/01/1991, 27/05/1991 a 11/10/1991, 20/11/1991 a 27/03/1992,
18/05/1992 a 31/10/1992, 09/11/1992 a 08/04/1993, 03/05/1993 a 30/10/1993, 08/11/1993 a
31/03/1994, 11/04/1994 a 29/04/1994, 16/05/1994 a 22/10/1994, 09/11/1994 a 10/02/1995,
18/03/1996 a 31/01/2002 e de 12/08/2002 a 29/02/2012.
19 - No tocante aos lapsos de 07/01/1980 a 15/03/1980, 05/05/1980 a 13/12/1980, 10/05/1982
a 30/10/1982, 24/01/1983 a 19/03/1983, 18/07/1983 a 10/12/1983, 30/01/1984 a 03/03/1984,
07/05/1984 a 13/10/1984, 22/10/1984 a 24/11/1984, 07/01/1985 a 02/03/1985, 06/05/1985 a
07/12/1985, 20/01/1986 a 22/03/1986, 19/05/1986 a 08/11/1986, 04/05/1987 a 24/10/1987,
09/05/1988 a 08/10/1988, 01/11/1988 a 31/03/1989, 08/05/1989 a 28/10/1989, 20/11/1989 a
30/03/1990, 07/05/1990 a 31/10/1990, 19/11/1990 a 18/01/1991, 27/05/1991 a 11/10/1991,
20/11/1991 a 27/03/1992, 18/05/1992 a 31/10/1992, 09/11/1992 a 08/04/1993, 03/05/1993 a
30/10/1993, 08/11/1993 a 31/03/1994, 11/04/1994 a 29/04/1994, o PPP de fls. 44/46 dá conta
de que o postulante exerceu a função de trabalhador rural, no corte de cana, junto à SEMPRE
Serviços e Empreitadas Rurais, o que permite a conversão por ele pretendida.
20 - Quanto aos lapsos de 16/05/1994 a 22/10/1994, 09/11/1994 a 10/02/1995, o PPP de fls.
47/48 informa que o autor laborou como trabalhador rural, no corte de cana, junto à Agro
Pecuária Santa S/A., sendo possível, portanto, o reconhecimento de sua especialidade.
21 - A insalubridade do corte de cana-de-açúcar é inquestionável, eis que, conhecidamente, a
atividade envolve desgaste físico excessivo, sujeita a horas de exposição ao sol e a produtos
químicos, além do contato direto com os malefícios da fuligem, exigindo-se, inclusive, alta
produtividade dos trabalhadores e em lamentáveis condições antiergonômicas de trabalho.
Esse também é o entendimento desta Sétima Turma: APEL 0026846-88.2012.4.03.9999/SP, 7ª
Turma, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, v. u., julgado em 13/02/2017.
22 - No tocante aos interregnos de 18/03/1996 a 31/01/2002 e de 12/08/2002 a 29/02/2012, os
PPPs de fls. 49/50 e 51/52 demonstram que o autor laborou como carregador junto à INFIBRA
S/A. exposto a amianto no exercício de seu labor. Cumpre realçar que o art. 58, §§ 1º e 2º, da
Lei nº 8.213/91 sofreu alteração por meio da Lei nº 9.732/98, publicada em 14/12/1998,
exigindo-se, no bojo do laudo técnico, informação acerca da existência de tecnologia de
proteção - quer coletiva, quer individual - passível de atenuar a intensidade de agentes nocivos
a limites toleráveis, apartando a insalubridade da atividade desempenhada. Portanto, a partir de
15/12/1998, nos períodos em que está comprovada a utilização de equipamentos individuais de
proteção eficazes, em princípio, ficaria afastada a insalubridade.
23 - Mesmo nas hipóteses em que demonstrado o EPI eficaz, há situações em que, em caráter
excepcional, não se considera neutralizada a insalubridade. Situações como essa ocorrem
quando a substância identificada estiver relacionada no Grupo I da LINACH (Lista Nacional de
Agentes Cancerígenos para Humanos/Agentes confirmados como carcinogênicos para
humanos - prevista na PORTARIA INTERMINISTERIAL MTE/MS/MPS Nº 9, DE 07 DE
OUTUBRO DE 2014 - DOU 08/10/2014), como é o caso da poeira do amianto, motivo pelo qual
os interregnos de 18/03/1996 a 31/01/2002 e de 12/08/2002 a 29/02/2012 devem ser admitidos
como especiais.
24 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos, enquadrados como
especiais os períodos de 07/01/1980 a 15/03/1980, 05/05/1980 a 13/12/1980, 10/05/1982 a
30/10/1982, 24/01/1983 a 19/03/1983, 18/07/1983 a 10/12/1983, 30/01/1984 a 03/03/1984,
07/05/1984 a 13/10/1984, 22/10/1984 a 24/11/1984, 07/01/1985 a 02/03/1985, 06/05/1985 a
07/12/1985, 20/01/1986 a 22/03/1986, 19/05/1986 a 08/11/1986, 04/05/1987 a 24/10/1987,
09/05/1988 a 08/10/1988, 01/11/1988 a 31/03/1989, 08/05/1989 a 28/10/1989, 20/11/1989 a
30/03/1990, 07/05/1990 a 31/10/1990, 19/11/1990 a 18/01/1991, 27/05/1991 a 11/10/1991,
20/11/1991 a 27/03/1992, 18/05/1992 a 31/10/1992, 09/11/1992 a 08/04/1993, 03/05/1993 a
30/10/1993, 08/11/1993 a 31/03/1994, 11/04/1994 a 29/04/1994, 16/05/1994 a 22/10/1994,
09/11/1994 a 10/02/1995, 18/03/1996 a 31/01/2002 e de 12/08/2002 a 29/02/2012.
25 - Somando-se labor especial reconhecido nesta demanda aos períodos constantes da CTPS
de fls. 22/40, e Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição de fls. 82/89,
verifica-se que o autor contava com 36 anos, 08 meses e 06 dias de contribuição na data do
requerimento administrativo (23/08/2012 - fl. 16), o que lhe assegura o direito à aposentadoria
integral por tempo de contribuição.
26 - O requisito carência restou também completado.
27 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo
(23/08/2012 - fl. 16).
28 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
29 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
30 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
31 - Apelação do INSS e remessa necessária, tida por interposta parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao
apelo do INSS para reduzir a verba honorária à 10% das parcelas vencidas até a data da
prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça e à
remessa necessária, tida por interposta, em maior extensão, também para determinar que a
correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, que os juros
de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, mantendo quanto ao mais, a
sentença proferida em 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
