Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2015165 / SP
0034323-94.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/10/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. PRELIMINAR DE NULIDADE
DA SENTENÇA AFASTADA. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. MARCENEIRO.
AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. RECONHECIMENTO PARCIAL.
BENEFÍCIO CONCEDIDO. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. DATA DA CITAÇÃO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS, DA PARTE AUTORA E
REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 28/05/2014, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso, a r. sentença reconheceu, em favor da
parte autora, tempo de serviço rural e especial, e concedeu-lhe a aposentadoria por tempo de
contribuição. Assim, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos
do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - Afastada a preliminar de nulidade da r. sentença, eis que restou claro que a admissão da
especialidade ocorreu nos períodos em que o autor desempenhou a atividade de marceneiro,
desde outubro de 1985 "até os dias de hoje", inclusive restando expresso na decisão o fator de
conversão de tempo especial em comum de 1,4.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
7 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
8 - Como prova da atividade campesina, o autor trouxe cópia de certidão de seu casamento,
contraído em 17/07/1979, na qual consta que, á época, era lavrador (fl. 52), o que se demonstra
suficiente à configuração do exigido início de prova material, corroborada por prova
testemunhal.
9 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, é histórica a vedação do trabalho
infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os
menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições
anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
10 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o
desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos
genitores. Corroborando esse entendimento, se encontrava a realidade brasileira das duas
décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64%
na década de 1950 e 55% na década de 1960).
11 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente
os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor pudesse o menor exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante.
12 - A prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória dos documentos
carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino no período de
12/11/1970 (quando completou 12 anos de idade) a 31/12/1982.
13 - O pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal especificamente na Lei de
Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se falar em
ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
14 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
15 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
16 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
17 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
18 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
19 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
20 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
21 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
22 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
23 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
24 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
25 - Durante as atividades realizadas na empresa "Brisaflex Indústria e Comércio de Móveis
Ltda." de 01/02/2006 a 08/03/2013, o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 152/154, com
indicação dos responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, demonstra
que o autor estava exposto a ruído de 90dB, portanto, intensidade superior ao limite de
tolerância legal à época da prestação dos serviços.
26 - Quanto ao interregno laborado pelo autor na empregadora "Destack Indústria e Comércio
de Móveis Ltda." de 01/07/2004 a 21/07/2005, o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls.
27/29, com indicação dos responsáveis pelos registros ambientais, demonstra que o autor, ao
exercer a profissão de marceneiro, estava exposto a fatores de risco físico, "acidente" e
químico, sem, no entanto, precisar quais eram os agentes agressivos, o que impede qualquer
reconhecimento de especialidade.
27 - Cabe verificar, inclusive, que no próprio documento de fl. 28 foi registrada a informação de
uso de equipamento de proteção individual/coletivo eficaz em aludido período, impondo por
mais esse motivo, em razão da neutralização da agressividade alegada, a sua consideração
como tempo comum. Acresça-se, ainda, que não há qualquer intensidade medida de ruído,
hipótese em que o uso de EPI não descaracterizaria o prejuízo à saúde do trabalhador.
28 - Com relação aos demais períodos laborados como marceneiro, registrados na CTPS do
requerente, não há prova nos autos do exercício de atividade insalubre, desta feita,
impossibilitando identificar o efetivo desenvolvimento de atividade considerada como especial
pelo requerente, uma vez que não há como enquadrar tal atividade no rol dos Decretos que
regem a matéria.
29 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrado como especial o período de
01/02/2006 a 08/03/2013.
30 - Somando-se o labor especial reconhecido nesta demanda, convertido em tempo comum ao
período incontroverso constante na CTPS e no CNIS trazidos a juízo, verifica-se que o autor
contava com 37 anos, 5 meses e 19 dias de contribuição na data do ajuizamento (26/08/2013 -
fls. 02), o que lhe assegura o direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição, não
havendo que se falar em aplicação do requisito etário, nos termos do art. 201, § 7º, inciso I, da
Constituição Federal.
31 - O requisito carência restou também completado.
32 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação, momento em que resta
consolidada a pretensão resistida (21/06/2013 - fl. 40-verso).
33 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
34 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
35 - Tendo o autor decaído de parte mínima do pedido, os honorários advocatícios serão
integralmente arcados pelo INSS. É inegável que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por
imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do
CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido com o
percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
36 - Preliminar rejeitada. Apelações do INSS e da parte autora e remessa necessária
parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar a preliminar
arguida no recurso de apelação do INSS, e no mérito, dar-lhe parcial provimento, para restringir
o trabalho especial admitido para o período de 01/02/2006 a 26/08/2013 e reduzir a condenação
no pagamento dos honorários advocatícios para o montante de 10% sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, bem como à remessa necessária, esta última em
maior extensão, para também determinar que a correção monetária dos valores em atraso
deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a
expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, e dar parcial
provimento à apelação da parte autora, para reconhecer o labor rural de 12/11/1970 a
31/12/1971, mantida, no mais, a r. sentença prolatada em 1º grau de jurisdição, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
