D.E. Publicado em 19/05/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a prejudicial de mérito, negar provimento ao recurso de apelação do INSS, e dar parcial provimento à remessa necessária, tão somente para fixar os juros de mora de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e para determinar que a correção monetária dos valores em atraso seja calculada segundo o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, mantendo, no mais, a r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
Data e Hora: | 11/05/2017 10:38:59 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0009018-89.2006.4.03.6119/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Tratam-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação previdenciária pelo rito ordinário, ajuizada por ANTONIO MAXIMO DA SILVA, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do trabalho especial, com consequente conversão em tempo comum, no período de 27/07/1976 a 30/04/1996.
A r. sentença de fls. 142/153 julgou procedente o pedido, condenando a autarquia a reconhecer como especial e converter em comum o período alegado na inicial, bem como na concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (05/05/2004), facultando ao autor a escolha do benefício mais vantajoso, uma vez ter sido reconhecido, além do direito à aposentadoria com proventos integrais, o direito adquirido à aposentadoria proporcional na data da EC nº 20/98. Honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor total da condenação. Concedida a tutela antecipada. Sentença submetida à remessa necessária.
Em razões recursais de fls. 158/168, o INSS pleiteia, como prejudicial de mérito, a ocorrência de "prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação" e, no mérito, a reforma da sentença, ao fundamento de não ter sido comprovada a exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais, uma vez que os documentos apresentados pelo autor contêm divergências que impedem o reconhecimento da especialidade do trabalho. Por fim, sustenta a necessidade de suspensão da decisão que antecipou os efeitos da tutela, "ante a possibilidade de se causar lesão grave e de difícil ou incerta reparação aos cofres públicos".
Contrarrazões da parte autora às fls. 175/178.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, quanto à prescrição quinquenal, não assiste razão à Autarquia. Isto porque o requerimento administrativo foi formulado em 05/05/2004 (fl. 90) e a demanda foi ajuizada em 11/12/2006.
Outrossim, cumpre salientar que nesta fase processual a análise do pedido de suspensão da antecipação da tutela será efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso de apelação e pela remessa necessária.
Trata-se de pedido de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com reconhecimento e cômputo de trabalho desempenhado sob condições especiais.
Quanto ao período laborado na empresa "MRS Logística S/A" entre 27/07/1976 e 30/04/1996, os formulários e laudos constantes de fls. 33/38 e 63/80, emitidos pela empresa, demonstram que o autor, no exercício das funções de Auxiliar de Agente Especial de Estação, Agente Especial de Estação e Agente de Estação "ficava exposto a nível de ruído de 91,00 dB (A) durante sua jornada de 8 horas diárias, de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente".
À míngua de elementos probantes em sentido contrário, devem prevalecer as informações apostas em tais documentos e, por consequência, serem rechaçadas as alegações do INSS no sentido de que a divergência na marcação do nível do ruído nos períodos de 27/07/1976 a 30/04/1996 (91,0dB) e 01/05/1996 a 31/12/2001(73,7dB) - sem que houvesse, em contrapartida, qualquer alteração no ambiente de trabalho e nas funções desempenhadas - tornaria imprestável a documentação apresentada para fins de reconhecimento da atividade especial.
A mera alegação do ente autárquico, sem a demonstração cabal de que os dados inseridos nos laudos não correspondem à realidade das condições de trabalho a que estava submetido o autor, não possui o condão de afastar a legitimidade dos documentos. Por outro lado, os esclarecimentos encaminhados pela própria empresa "MRS Logística S/A" (fls. 138/139) não deixam margem à interpretação duvidosa quanto ao ponto em discussão, uma vez que reafirmam que "o segurado realizava suas atividades de Auxiliar de Agente de Estação, Agente de Estação e Agente de Estação pleno nas estações ferroviárias localizadas nos pátios de manobras e ao realizar suas tarefas o mesmo fazia uso de um equipamento denominada aparelho seletivo e magneto, que era fonte do nível de ruído de 91dB(A)".
Os elementos constantes dos autos militam favoravelmente à pretensão autoral e permitem concluir, na linha do quanto defendido pelo requerente, que o ruído de 91dB era efetivamente provocado pelo denominado "aparelho seletivo e magneto", o qual, por sua vez, foi posteriormente desativado, ocasionando a redução do nível de exposição para 73,7dB (fls. 118/119). Tal redução, entretanto, ocorreu somente após o período referido na inicial, no qual se pretende ver reconhecida a especialidade do trabalho.
Cumpre salientar que em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
Ou seja, a Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
Sobre o tema, precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 440955, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 624; 6ª Turma, AgRg no REsp nº 508865, Rel. Min. Paulo Medina, j. 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 374.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Em outras palavras, até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de prova.
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos, reputo enquadrado como especial o período indicado na inicial, qual seja, de 27/07/1976 a 30/04/1996.
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
A aposentadoria proporcional, por sua vez, foi extinta pela Emenda Constitucional 20/98, que, de forma expressa, assegurou no art. 3º o direito aos que já haviam implementado, até a data de sua publicação, em 16/12/98, o requisito temporal, ou seja, 30 (trinta) anos de trabalho no caso do homem e 25 (vinte e cinco) no caso da mulher, independentemente de qualquer outra exigência (direito adquirido).
A citada Emenda Constitucional também manteve a aposentadoria proporcional para os que já se encontravam filiados ao RGPS na data de sua publicação e não possuíam tempo suficiente para requerê-la, porém estabeleceu na regra de transição, verbis:
Conforme planilha anexa, somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda (27/07/1976 a 30/04/1996) aos períodos incontroversos constantes do CNIS, que passa a integrar a presente decisão, e reconhecidos administrativamente pelo INSS (fls. 85), verifica-se que, até 16/12/1998, data de publicação da Emenda Constitucional 20/98, o autor contava com 31 anos, 05 meses e 12 dias; por outro lado, na data do requerimento administrativo (05/05/2004 - fl. 90), alcançou 36 anos, 10 meses e 01 dia de contribuição.
Tem o autor, portanto, direito ao benefício de aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, com base na legislação pretérita à Emenda Constitucional nº 20/98 (direito adquirido, art. 3º da citada emenda constitucional), ou aposentadoria com proventos integrais, com base nas novas regras, sendo-lhe facultada a opção pelo benefício mais vantajoso.
Neste sentido, a opinião doutrinária de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior inserta nos "Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social", 14ª ed., Ed. Atlas, 2016, p. 216:
Corroborando o entendimento acerca da existência de direito adquirido às regras legais de cálculo, anteriores à Emenda Constitucional nº 20 e à Lei nº 9.876/99, temos os julgados da 7ª e da 9ª Turmas desta Corte:
O requisito carência restou também completado, consoante anotações em CTPS e extrato do CNIS, em anexo.
O termo inicial do benefício escolhido deve ser fixado na data do requerimento administrativo (05/05/2004 - fl. 90).
Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Faculto ao demandante a opção pela percepção do benefício que se lhe afigurar mais vantajoso, procedendo-se, de todo modo, a compensação dos valores pagos a título de antecipação de tutela, lembrando que os valores em atraso serão devidos somente em relação ao benefício optado.
Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Já a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009.
É inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restou perfeitamente atendido com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Isento a Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais, registrando ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita (fl. 46).
Ante o exposto, rejeito a prejudicial de mérito, nego provimento ao recurso de apelação do INSS, e dou parcial provimento à remessa necessária, tão somente para fixar os juros de mora de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e para determinar que a correção monetária dos valores em atraso seja calculada segundo o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, mantendo, no mais, a r. sentença. Faculto ao demandante a opção pela percepção do benefício que se lhe afigurar mais vantajoso, procedendo-se, de todo modo, a compensação dos valores pagos a título de antecipação de tutela, consignando que os valores em atraso serão devidos somente em relação ao benefício optado.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
Data e Hora: | 11/05/2017 10:39:02 |