Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1893334 / SP
0029797-21.2013.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
10/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. SENTENÇA CONDICIONAL.
NULIDADE. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO.
CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. TRABALHADORES NA AGROPECUÁRIA.
ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. ADMISSÃO PARCIAL. BENEFÍCIO INTEGRAL
CONCEDIDO. DATA DE INÍCIO. CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO DO INSS
PREJUDICADA. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015. Em sua decisão, o juiz a quo reconheceu tempo de serviço especial e determinou
ao INSS que promovesse a recontagem do período trabalhado pelo autor, a fim de verificar o
cumprimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria, portanto, condicionando a
concessão do benefício à análise do INSS. Desta forma, está-se diante de sentença
condicional, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual
art. 492 do CPC/2015.
2 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil. Considerando
que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos necessários ao seu
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados - com a citação válida
do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual aplicável, passa-se ao
exame do mérito da demanda.
3 - O pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal especificamente na Lei de
Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se falar em
ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
4 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
5 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
6 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
7 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
8 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
9 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
10 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
11 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
13 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
14 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
15 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
16 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
17 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
18 - Para comprovar que suas atividades foram exercidas em condições especiais, o autor
trouxe cópia de sua CTPS e Perfis Profissiográficos Previdenciários, com indicação dos
responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, atestando que estava
exposto a ruído: a) de 89dB, nos períodos de 01/02/1974 a 30/06/1977 e 06/05/1991 a
02/02/1994 (fls. 35/36), trabalhados na empresa "Usina Carolo SA - Açúcar e Álcool"; b) de
94,1dB, de 27/01/1986 a 03/11/1988 (fls. 38/39), no período trabalhado na empresa "Caldema
Equipamentos Industriais Ltda."; c) de 85,6dB a 87db, de 02/05/1989 a 05/12/1989 e
10/05/2004 a 23/12/2004 (fls. 39/41), nos períodos trabalhados na empresa "Agropecuária
Santa Catarina SA"; d) de 87dB a 91dB, nos períodos de 29/04/2002 a 11/12/2002 e
29/04/2003 a 15/09/2003 (fls. 48/49), laborados para "Ângelo José Bazan e Outros"; e) de
85,6dB, nos interregnos de 25/04/2005 a 19/12/2005, 24/04/2006 a 24/11/2006 e 03/05/2007 a
14/08/2007 (fls. 50/57), trabalhados na empresa "Agropecuária Santa Catarina SA".
19 - Quanto às atividades realizadas na "Agropecuária Santa Catarina SA" de 04/03/1982 a
15/12/1982 e 03/01/1983 a 30/09/1985, consoante informa a CTPS juntada à fl. 16, o autor
trabalhou registrado nos cargos de "serviços gerais de lavoura" e de "rurícola", sendo possível o
seu enquadramento no item 2.2.1 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64 ("trabalhadores na
agropecuária"), o que se evidencia pela própria denominação da empregadora.
20 - Quanto aos demais períodos vindicados, não foram trazidas a juízo as imprescindíveis
provas para a comprovação da insalubridade pretendida, cabendo frisar a possibilidade do
enquadramento profissional apenas até 28/04/1995.
21 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos, enquadrados como
especiais os períodos de 01/02/1974 a 30/06/1977, 04/03/1982 a 15/12/1982, 03/01/1983 a
30/09/1985, 27/01/1986 a 03/11/1988, 02/05/1989 a 05/12/1989, 06/05/1991 a 02/02/1994,
29/04/2002 a 11/12/2002, 29/04/2003 a 15/09/2003, 10/05/2004 a 23/12/2004, 25/04/2005 a
19/12/2005, 24/04/2006 a 24/11/2006 e 03/05/2007 a 14/08/2007.
22 - Somando-se o labor especial reconhecido nesta demanda aos períodos constantes na
cópia da CTPS apresentada em juízo, bem como aos interregnos incontroversos de fls.
136/140, verifica-se que o autor contava com 36 anos, 1 mês e 29 dias de contribuição na data
do ajuizamento (10/02/2011 - fl. 02), o que lhe assegura o direito à aposentadoria integral por
tempo de contribuição, não havendo que se falar em aplicação do requisito etário, nos termos
do art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal.
23 - O requisito carência restou também completado.
24 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (28/04/2011 - fl. 72),
momento em que consolidada a pretensão resistida.
25 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
26 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
27 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
28 - Sentença anulada. Pedido julgado parcialmente procedente. Apelação do INSS
prejudicada.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular a r. sentença de 1º
grau, por se tratar de sentença condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código
de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a especialidade
nos períodos de 01/02/1974 a 30/06/1977, 04/03/1982 a 15/12/1982, 03/01/1983 a 30/09/1985,
27/01/1986 a 03/11/1988, 02/05/1989 a 05/12/1989, 06/05/1991 a 02/02/1994, 29/04/2002 a
11/12/2002, 29/04/2003 a 15/09/2003, 10/05/2004 a 23/12/2004, 25/04/2005 a 19/12/2005,
24/04/2006 a 24/11/2006 e 03/05/2007 a 14/08/2007, e condenar o INSS na implantação da
aposentadoria por tempo integral de contribuição, a partir da data da citação (28/04/2011),
sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de
mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando-o,
ainda, no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados no montante de 10% sobre o valor
das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, restando prejudicada a apelação do
INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
