Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1990526 / SP
0023198-32.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
09/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/09/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ERRO MATERIAL NA SENTENÇA. CORREÇÃO DE OFÍCIO. REMESSA
NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA.
ATIVIDADE ESPECIAL. COMPROVAÇÃO PARCIAL. TEMPO INSUFICIENTE PARA A
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DO AUTOR
PARCIALMENTE PROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS
DESPROVIDAS.
1 - Correção, de ofício, de erro material lançado no dispositivo da sentença, que julgou
improcedente o pedido. De fato, de acordo com a fundamentação, foram reconhecidos como
especiais os períodos de 20/02/1976 a 06/02/1980, 18/08/1980 a 17/07/1981 e de 26/04/1982 a
24/02/1987. Sendo assim, a demanda deve ser considerada parcialmente procedente, com o
reconhecimento do labor especial nos mencionados períodos e sua respectiva averbação pelo
INSS.
2 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer períodos laborados sob condições especiais.
3 - Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e
sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo 475 do CPC/73 e da Súmula
490 do STJ.
4 - Cabe à parte autora desincumbir-se do ônus de provar o fato constitutivo do seu direito (art.
333, I, do CPC/73, art. 373, I, do CPC/2015). Ademais, não houve demonstração de que as
empresas se recusaram a fornecer a documentação necessária. Por este mesmo motivo não se
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
há falar em conversão do feito em diligência, com a expedição de ofícios às empregadoras,
nem de deferimento de prova pericial.
5 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
6 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
7 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
8 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
9 - Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese
da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a
harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial,
o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de
conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema.
10 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada
até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
11 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
13 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
14 - Em relação ao período de 02/06/1969 a 03/12/1969, laborado para "Companhia Energética
Santa Elisa", na função de "auxiliar de usina", conforme o Formulário de Informações sobre
Atividades Exercidas em Condições Especiais de fl. 97, o autor esteve exposto ao agente ruído.
Todavia, o laudo técnico mencionado pelo Formulário não foi apresentado pela parte autora, o
que impossibilita o reconhecimento da especialidade.
15 - Em relação ao período de 20/02/1976 a 06/02/1980, laborado para "Usiminas Mecânica
S/A", na função de "operador de puncionadeira", conforme o PPP de fls. 33/34, o autor esteve
submetido a ruído de 95,6 dB, superando-se o limite estabelecido pela legislação.
16 - Quanto aos períodos de 18/08/1980 a 17/07/1981 e de 26/04/1982 a 24/02/1987,
trabalhados para "Fiat Automóveis S.A.", na função de "operador de produção", de acordo com
os PPPs de fls. 35/38, o autor esteve submetido a ruído de 88 e 83 dB, níveis superiores ao
estabelecido pela legislação.
17 - No que concerne aos períodos de 03/02/1982 a 20/04/1982, 11/10/1988 a 14/11/1990,
15/01/1996 a 17/05/1996 e de 21/11/1997 a 18/02/1998, trabalhados, respectivamente, para
"Techint - Cia Tec. Internacional", "Emit - Estruturas Montagens e Instalações Técnicas Ltda.",
"Comvas Ind. Com. e Mont. Industrial Ltda." e "Temil Empresa de Serviços Temporários Ltda.",
nas funções de "ajudante montagem", "auxiliar de operação", "auxiliar de montagem" e de
"ajudante geral", a parte autora apresentou apenas sua CTPS (fls. 51, 60 e 62), não sendo
possível o reconhecimento da especialidade por enquadramento profissional, uma vez que tais
atividades não estão previstas na legislação aplicável à época.
18 - Em relação ao período de 11/06/1991 a 30/09/1992, laborado para "Tecnowatt Iluminação
Ltda.", na função de "ajudante de produção", o PPP de fls. 39/40 não informa a exposição a
qualquer agente agressivo. Dessa forma, não é possível reconhecer a especialidade desse
intervalo, uma vez que a função desempenhada pelo autor não é prevista na legislação,
inviabilizando o pleiteado enquadramento profissional.
19 - Quanto aos períodos de 01/01/1994 a 19/08/1994 e de 08/03/1995 a 19/06/1995,
trabalhados para "Astro montagens Industriais Ltda", na função de "ajudante geral" no setor de
"caldeiraria", de acordo com os Formulários de Informações sobre Atividades Exercidas em
Condições Especiais de fls. 43/44, a atividade do autor "consiste em auxiliar soldadores e
caldeireiros, trabalhando com lixadeiras para retirada de pequenas rebarbas em materiais,
limpeza de peças e ferramentos e busca de material em almoxarifado", estando exposto a
"ruído, alta temperatura, poeira metálica (pó de ferro)". Sendo assim, os períodos de 01/01/1994
a 19/08/1994 e de 08/03/1995 a 28/04/1995 podem ser considerados especiais por previsão no
item 2.5.3 do Decreto nº 53.831/64 e 2.5.1 do Anexo II do Decreto nº 83.080/79. Ressalte-se
que o agente químico "pó de ferro" não é previsto na legislação aplicável à época e que os
agentes ruído e calor não foram quantificados.
20 - Em relação aos períodos de 18/04/1997 a 13/11/1997 e de 09/04/1998 a 13/12/1998,
laborados para "Companhia Albertina Merc. e Indl.", na função de "op. estação tratamento
água", conforme o PPP de fls. 45/46, o autor esteve submetido a ruído de 85,96 dB, nível
inferior ao previsto pela legislação.
21 - Dessa forma, enquadram-se como especiais os períodos de 20/02/1976 a 06/02/1980,
18/08/1980 a 17/07/1981, 26/04/1982 a 24/02/1987, 01/01/1994 a 19/08/1994 e de 08/03/1995
a 28/04/1995.
22 - Conforme planilha em anexo, considerando-se a atividade especial reconhecida nesta
demanda com os demais períodos incontroversos (Resumo de Documentos para Cálculo de fls.
82/87), verifica-se que o autor contava com 32 anos, 09 meses e 07 dias de tempo de serviço,
por ocasião da data do requerimento administrativo (14/02/2011 - fl. 89), não fazendo jus,
portanto, à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, em razão do não
cumprimento do "pedágio".
23 - Sagrou-se vitoriosa a parte autora ao ver reconhecida parte do período especial vindicado.
Por outro lado, não foi concedida a aposentadoria por tempo de contribuição, restando
vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, os honorários advocatícios são compensados
entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixa-se de condenar
qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora
beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
24 - Correção de erro material, de ofício. Apelação do autor parcialmente provida. Remessa
necessária, tida por interposta, e apelação do INSS desprovidas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, corrigir erro
material no dispositivo da sentença, para considerar reconhecida a especialidade dos períodos
de 20/02/1976 a 06/02/1980, 18/08/1980 a 17/07/1981 e de 26/04/1982 a 24/02/1987, negar
provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, tida por interposta, e dar parcial
provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
