Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000674-58.2020.4.03.6114
Relator(a)
Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
14/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. PRESENTES OS REQUISITOS À
OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO.
1. Após 28.04.1995, para o enquadramento do labor especial, o segurado passou a ter que
provar, por meio de formulário específico e/ou laudo técnico, a exposição a agentes nocivos, no
caso biológicos, previstos nos itens 1.3.2 do Decreto 53.831/64 e 3.0.1 do Anexo IV dos Decretos
2.172/1997 e 3.048/1999.
2. A previsão constante nos decretos de regência a respeito da exposição a agentes biológicos
dos profissionais da área de saúde não menciona o contato exclusivo com pacientes
infectocontagiosos, mas sim que em razão das suas atividades, tais profissionais mantêm contato
com pacientes com todos os tipos de doenças, dentre elas, as infectocontagiosas, permitindo
eventual contágio por agentes biológicos decorrentes de sangue, urina e fezes e objetos
contaminados e assim, passível de enquadramento especial.
3. A autora comprovou a exposição a agentes biológicos, no exercício da atividade de auxiliar de
enfermagem, de forma habitual e permanente, pois esteve em contato direto com pacientes e
objetos contaminados, possibilitando o enquadramento especial do intervalo nos termos dos itens
3.0.1 dos Anexos IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
4. O PPP foi baseado em laudo extemporâneo, no entanto, aludido fato não constituí óbice para
enquadramento especial no período delimitado no documento, uma vez que não existe previsão
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
na legislação da contemporaneidade do laudo, bem como a evolução tecnológica geralmente
favorece as atuais condições ambientais em relação àquelas que esteve exposto o trabalhador à
remota época da execução dos serviços.
5. Comprovados os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, com cálculo do benefício de acordo com o art. 29-C da Lei 8.213/91, com redação
introduzida pela Lei 13.183/15, desde a data da citação.
6. Juros de mora e correção monetária explicitados, de ofício.
7. Apelação do INSS não provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-58.2020.4.03.6114
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MONICA DE LOURDES JANUARIO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ANGELA MARIA TOBAL - SP273594-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-58.2020.4.03.6114
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MONICA DE LOURDES JANUARIO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ANGELA MARIA TOBAL - SP273594-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):
Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, que acolheu
parcialmente o pedido da autora, para condenar o ente autárquico a averbar como especial o
período de 02/05/2002 a 06/03/2019 e a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, desde a data da citação, 17.04.2020, acrescidas as parcelas devidas de correção
monetária e juros de mora, de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado
pela Resolução do CJF. Em face da sucumbência recíproca (art. 86 do CPC), condenou a
autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da
causa atualizado, sujeitando-se a execução ao disposto no art. 98, §3º, do CPC. Condenou o
ente autárquico ao pagamento de honorários advocatícios à parte autora, fixados em 10% (dez
por cento) do valor da causa atualizado (ID 154698302).
Em suas razões recursais, sustenta o ente autárquico a reversão do julgado, alegando que: (i) a
autora não comprovou a exposição habitual e permanente aos agentes biológicos, pois sua
atividade profissional não se dava em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças
infectocontagiosas ou manuseio de materiais contaminados, conforme prescreve o Decreto
3.048/99; (ii) a exposição aos agentes biológicos era eventual e intermitente; e (iii) o PPP
apresentado possui registros ambientais somente a partir de 25.07.2006 (ID 154698304).
Intimada, a autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
epv
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-58.2020.4.03.6114
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MONICA DE LOURDES JANUARIO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ANGELA MARIA TOBAL - SP273594-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS
A aposentadoria especial é o benefício previdenciário concedido ao trabalhador que exerce
suas atividades laborais exposto a agentes nocivos, que podem causar algum prejuízo à sua
saúde e integridade física ou mental ao longo do tempo.
A Lei nº 8.213, de 24/07/1991, a Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), em seu artigo
57, estabelece que: "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência
exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições
especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25
(vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".
A Lei 9.032, de 28/04/1995, deu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.213, de
24/07/1991, afastando a possibilidade de presunção de insalubridade, e tornando necessária a
comprovação da efetiva exposição a agentes prejudiciais à saúde ou integridade física do
segurado. Além disso, definiu que deve ser permanente, não ocasional nem intermitente, o
tempo trabalhado em condições especiais.
Porém, consoante entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores, a relação de
atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas constantes em regulamento é
meramente exemplificativa, sendo possível o reconhecimento da periculosidade do labor
executado mediante comprovação nos autos.
Com efeito, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.306.113/SC,
em sede de recurso repetitivo (art. 543-C, do CPC/73), firmou a tese 534 pacificando que "as
normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde
do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica
médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o
trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, §
3º, da Lei 8.213/1991)"..
Diante das várias alterações dos quadros de agentes nocivos nos regulamentos próprios, a
jurisprudência consolidou o entendimento no sentido da aplicação do princípio tempus regit
actum, reconhecendo-se como especiais os períodos trabalhados se, na época respectiva, a
legislação de regência os reputava como tal.
DA CONVERSÃO DO TEMPO DE TRABALHO
Atualmente, não há previsão legal para a conversão do tempo comum em especial. Esse direito
prevaleceu no ordenamento nacional, para fins de concessão de aposentadoria especial, até a
vigência da Lei nº 9.032, de 28/04/1995, que ao modificou a redação ao §3º do art. 57 da Lei nº
8.213, de 24/07/1991, suprimindo tal possibilidade. Desta feita, para os pedidos de
aposentadoria especial, formulados a partir de 28/04/1995, inexiste previsão legal para se
proceder à conversão.
A conversão entre tempos de trabalho especial em comum deve obedecer à legislação vigente
no momento do respectivo requerimento administrativo, conforme já cristalizado pelo Colendo
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n.1.310.034/PR, em sede de recurso
representativo de controvérsia (art. 543-C, do CPC/73), no qual se firmou a seguinte tese 546:
"A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de
serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do
serviço".
No que tange ao reconhecimento da atividade exercida como especial, cumpre destacar que o
tempo de serviço é disciplinado pela lei vigente à época na qual efetivamente exercido,
passando a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador como direito adquirido. Logo, uma vez
prestado o serviço sob a égide de norma jurídica que o ampara, adquire o segurado o direito à
contagem como tal, assim como à comprovação das condições de trabalho no modo então
estabelecido, não sendo aplicável retroativamente uma norma nova que estabeleça restrições
ao reconhecimento do tempo de serviço especial. Nessa esteira, é a dicção do § 1º do art. 70
do Decreto nº 3.048/1999, incluído pelo Decreto nº 4.827/2003: “§ 2º As regras de conversão de
tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste
artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período”.
Considerando-se os diversos diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, faz-se
necessário, de início, definir qual a legislação de regência aplicável ao caso concreto, é dizer,
qual a legislação vigente durante o exercício da atividade pela parte autora.
Desse modo, tem-se a seguinte evolução legislativa sobre o tema versado nos autos:
1) até 28/04/1995: no período laborado até referida data, quando estava em vigor a Lei nº
3.807/1960, denominada Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) e suas alterações e,
ulteriormente, a Lei nº 8.213, de 24/07/1991, em sua redação original (artigos 57 e 58), pode
haver o reconhecimento da especialidade do trabalho quando for comprovado o exercício de
atividade considerável como especial segundo as normas de regência, quais sejam, os decretos
regulamentadores e/ou legislação especial, ou ainda, quando demonstrado que o segurado
estava sujeito a agentes nocivos por qualquer meio probatório, salvo para ruído, calor e frio, por
ser necessária a aferição dos níveis mediante perícia técnica, realizada no curso da instrução
processual ou noticiada nos autos em formulário emitido pela empresa, para que seja possível
verificar a nocividade ou não de referidos agentes;
2) de 29/04/1995 até 05/03/1997: a partir de 29/04/1995, inclusive, foi extinto de forma definitiva
o enquadramento por categoria profissional, de maneira que, no lapso temporal decorrido entre
esta data e 05/03/1997, em que estavam vigentes as alterações inseridas pela Lei nº
9.032/1995 no art. 57 da Lei nº 8.213/1991, sendo preciso demonstrar a efetiva exposição, de
modo permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes considerados prejudiciais à
saúde ou à integridade física do trabalhador, mediante qualquer meio probatório, considerando-
se suficiente, para esta finalidade, a apresentação de formulário-padrão (DIRBEN-8030, DSS-
8030, DISES BE 5235, SB-40) preenchido pela empresa, independentemente de exigência de
fundamento em laudo técnico;
3) de 06/03/1997 a 28/05/1998: no interregno compreendido entre 06/03/1997, data de início da
vigência do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições inseridas no art. 58 da
LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), e 28/05/1998,
dia imediatamente anterior à entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.663/1998 (convertida
na Lei nº 9.711/1998), a qual vedou a conversão do tempo especial em comum, passou a ser
exigido, para reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição
do segurado a agentes agressivos mediante apresentação de formulário-padrão, elaborado com
base em laudo técnico, ou por perícia técnica;
4) após 28/05/1998: a E. Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou o
entendimento de que o trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais,
ainda que posteriores a maio de 1998, faz jus à conversão do tempo de serviço, de maneira
majorada, para fins de concessão de aposentadoria comum, conforme o precedente cristalizado
no julgamento do Recurso Especial nº 1.151.363/MG, sob a sistemática dos repetitivos.
Ressalte-se que, para efeito de concessão do benefício, poderá ser considerado o tempo de
serviço especial prestado em qualquer época, o qual será convertido em tempo de atividade
comum, à luz do disposto no artigo 70, § 2º, do Decreto n.º 3.048/1999, o atual Regulamento da
Previdência Social: "As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em
tempo de atividade comum constantes deste art., aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período".
Inexiste, pois, limitação à conversão em comento quanto ao período laborado, havendo a E.
Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº
1.151.363/MG, em sede de recurso repetitivo, (Rel. Ministro JORGE MUSSI, j. 23/03/2011, DJe
05/04/2011) firmado as teses 422 e 423 nos seguintes termos.
Tese 422: Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em
atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663,
parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto
que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991.
Tese 423: A adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de
contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao
valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um
mero cálculo matemático e não de regra previdenciária".
Saliente-se que em razão do novo regramento, restam superadas a limitação temporal,
estabelecida no artigo 28 da Lei nº 9.711/1998, bem como qualquer alegação no tocante à
impossibilidade de enquadramento e conversão dos períodos anteriores à vigência da Lei nº
6.887/1980.
Para efetuar o enquadramento das categorias profissionais até 28/04/1995, data em que foi
extinto o reconhecimento da especialidade da atividade por presunção legal, é preciso
considerar os Decretos nº 53.831/1964 (Quadro Anexo – segunda parte), nº 72.771/1973
(Quadro II do Anexo) e nº 83.080/1979 (Anexo II).
Por outro lado, para o enquadramento dos agentes nocivos, há que se considerar os Decretos
nºs 53.831/1964 (Quadro Anexo – primeira parte) e 83.080/1979 (Anexo I) até 05/03/1997; o
Decreto nº 2.172/1997 (Anexo IV) no lapso temporal compreendido entre 06/03/1997 e
06/05/1999 e o Decreto nº 3.048/1999 (Anexo IV) a partir de 07/05/1999.
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE EXERCIDA EM CONDIÇÕES
ESPECIAIS. TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE.
DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES.
1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que o direito ao
cômputo diferenciado do tempo de serviço prestado em condições especiais, por força das
normas vigentes à época da referida atividade, incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado,
sendo lícita a sua conversão em tempo de serviço comum, não podendo sofrer qualquer
restrição imposta pela legislação posterior, em respeito ao princípio do direito adquirido.
2. Até 05/03/1997, data da publicação do Decreto 2.172, que regulamentou a Lei 9.032/95 e a
MP 1.523/96 (convertida na Lei 9.528/97), a comprovação do tempo de serviço laborado em
condições especiais, em virtude da exposição de agentes nocivos à saúde e à integridade física
dos segurados, dava-se pelo simples enquadramento da atividade exercida no rol dos Decretos
53.831/64 e 83.080/79 e, posteriormente, do Decreto 611/92. A partir da referida data, passou a
ser necessária a demonstração, mediante laudo técnico, da efetiva exposição do trabalhador a
tais agentes nocivos, isso até 28/05/1998, quando restou vedada a conversão do tempo de
serviço especial em comum pela Lei 9.711/98.
3. A parte autora, por ter exercido atividade em condições especiais (exposição a agentes
nocivos à saúde ou integridade física), comprovada nos termos da legislação vigente à época
da prestação do serviço, possui direito adquirido à conversão do tempo especial em comum,
para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
4. Recurso especial conhecido, mas improvido.
(REsp 551.917/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,
julgado em 21/08/2008, DJe 15/09/2008)
Ademais, além dessas hipóteses de enquadramento de períodos especiais, sempre é possível,
no caso concreto, a verificação da especialidade da atividade mediante perícia técnica,
consoante a súmula nº 198 do extinto E. Tribunal Federal de Recursos. Nesse sentido, é o
entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, conforme o seguinte precedente:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE
TEMPO DE SERVIÇO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. ATIVIDADE NÃO
ENQUADRADA.AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL. INCABIMENTO.
1. No regime anterior à Lei nº 8.213/91, para a comprovação do tempo de serviço especial que
prejudique a saúde ou a integridade física, era suficiente que a atividade exercida pelo
segurado estivesse enquadrada em qualquer das atividades arroladas nos Decretos nºs
53.831/64 e 83.080/79.
2. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o rol de atividades
consideradas insalubres, perigosas ou penosas é exemplificativo, pelo que, a ausência do
enquadramento da atividade desempenhada não inviabiliza a sua consideração para fins de
concessão de aposentadoria.
3. É que o fato das atividades enquadradas serem consideradas especiais por presunção legal,
não impede, por óbvio, que outras atividades, não enquadradas, sejam reconhecidas como
insalubres, perigosas ou penosas por meio de comprovação pericial.
4. "Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial
constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não
inscrita em Regulamento." (Súmula do extinto TFR, Enunciado nº 198).
5. Incabível o reconhecimento do exercício de atividade não enquadrada como especial, se o
trabalhador não comprova que efetivamente a exerceu sob condições especiais.
6. Agravo regimental improvido.”
(AgRg no REsp 842.325/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado
em 21/09/2006, DJ 05/02/2007, p. 429) (grifei)
Oportuno salientar que os Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 vigeram simultaneamente,
não tendo ocorrido revogação daquele diploma por este, de modo que, havendo divergência
entre as referidas normas, prevalecerá a que for mais favorável ao segurado.
Portanto, em resumo, conversão de tempo de atividade sob condições especiais será possível
ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava
exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física. O agente nocivo deve, em regra,
assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que
se reconheça como nociva a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento,
desde que comprovada a sua efetiva prejudicialidade. O labor deve ser exercido de forma
habitual e permanente, com exposição do segurado ao agente nocivo indissociável da produção
do bem ou da prestação do serviço. As condições de trabalho podem ser provadas pelos
instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral ou outros meios de prova.
DA ATIVIDADE DE AUXILIAR DE ENFERMAGEM E DOS AGENTES BIOLÓGICOS
As atividades de auxiliar de enfermagem se equiparam às de enfermeiros, razão pela qual são
consideradas insalubres por enquadramento, apenas em razão da profissão exercida, até
28.04.1995, nos itens 2.1.3 dos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979, uma vez que o contato
com doentes e materiais infectocontagiantes é inerente às atividades desenvolvidas pelos
referidos profissionais.
As atividades profissionais que se submetam ao contato com doentes ou materiais
infectocontagiantes são previstas como especiais em razão dos agentes biológicos a que estão
expostos (vírus, bactérias, protozoários, parasitas, fungos, germes e outros microrganismos),
nos termos dos itens 1.3.2 do Anexo do Decreto 53.831/64 e item 3.0.1 do Anexo IV dos
Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
Segundo o Anexo 14, da NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego são insalubres as
atividades desempenhadas em serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de
vacinação e outros estabelecimentos que se destinem aos cuidados da saúde humana ou
animal, quando se há contato direto com pacientes ou objetos que estes façam uso.
Também estabelece aludido Anexo que a exposição do trabalhador a agentes biológicos tem
sua intensidade medida por análise qualitativa, bastando apenas o contato físico para
caracterização da especialidade do trabalho, uma vez que não estabelece limites de tolerância
ou quaisquer especificações no que tange à concentração dos agentes.
Nesse ponto, entende-se por critério qualitativo a exposição iminente aos riscos biológicos ao
longo do desenvolvimento do trabalho, não se exigindo a exposição durante toda a jornada, até
mesmo porque o artigo 65 do Decreto 4.882/2003 estabeleceu:“Considera-se trabalho
permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem
intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço”. (Redação
dada pelo Decreto nº 4.882, de 2003)”
Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF. TEMPO ESPECIAL.
EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. AMBIENTE HOSPITALAR. CONCEITOS DE
HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA QUE COMPORTAM INTERPRETAÇÃO. PREVALÊNCIA
DO CRITÉRIO QUALITATIVO. RISCO IMINENTE. AVALIAÇÃO DA REAL EFETIVIDADE E DA
DEVIDA UTILIZAÇÃO DO EPI. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. CONVERSÃO DE
TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO VIGENTE
QUANDO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO BENEFÍCIO PRETENDIDO. MATÉRIA JÁ
DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa ao art. 535
do CPC se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão
se fez omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula 284 do STF.
2. A circunstância de o contato com os agentes biológicos não perdurar durante toda a jornada
de trabalho não significa que não tenha havido exposição a agentes nocivos de forma habitual e
permanente, na medida que a natureza do trabalho desenvolvido pela autora, no ambiente
laboral hospitalar, permite concluir por sua constante vulnerabilidade. Questão que se resolve
pelo parâmetro qualitativo, e não quantitativo.
3. Na hipótese, a instância ordinária manifestou-se no sentido de que, sendo evidente a
exposição a agentes de natureza infecto-contagiosa, não há como atestar a real efetividade do
Equipamento de Proteção Individual - EPI. Rever esse entendimento, tal como colocada a
questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-
probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice da
Súmula 7/STJ.
4. No julgamento do REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, processado nos
termos do arts. 543-C do CPC, o STJ firmou entendimento no sentido de que, para fazer jus à
conversão de tempo de serviço comum em especial, é necessário que o segurado tenha
reunido os requisitos para o benefício pretendido antes da vigência da Lei n. 9.032/95,
independentemente do regime jurídico reinante à época em que prestado o serviço.
5. Recurso especial do INSS parcialmente provido, para se afastar a pretendida conversão de
tempo de serviço comum em especial.
(REsp. nº 1.468.401/RS, Primeira Turma, Relator Ministro. SÉRGIO KUKINA, DJe 27.03.2017)
(destaquei)
DO CASO DOS AUTOS
Na r. sentença, o ente autárquico foi condenado a reconhecer como especial o período de
02/05/2002 a 06/03/2019 e a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
desde a data da citação, 17.04.2020.
Em suas razões recursais, sustenta o ente autárquico a reversão do julgado, alegando que: (i) a
autora não comprovou a exposição habitual e permanente aos agentes biológicos, pois sua
atividade profissional não se dava em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças
infectocontagiosas ou manuseio de materiais contaminados, conforme prescreve o Decreto
3.048/99; (ii) a exposição aos agentes biológicos era eventual e intermitente; e (iii) o PPP
apresentado possui registros ambientais somente a partir de 25.07.2006.
Vejamos.
A princípio, destaco que a previsão constante nos decretos de regência a respeito da exposição
a agentes biológicos dos profissionais da área de saúde não menciona o contato exclusivo com
pacientes infectocontagiosos, mas sim que em razão das suas atividades, tais profissionais
mantêm contato com pacientes com todos os tipos de doenças, dentre elas, as
infectocontagiosas, permitindo eventual contágio por agentes biológicos decorrentes de sangue,
urina e fezes e objetos contaminados e por este fato, possível o enquadramento especial da
atividade.
No período de02/05/2002 a 06/03/2019, a autora exerceu a atividade de auxiliar de enfermagem
da Associação Paulista para o Desenvolvimento de Medicina, na Unidade Básica de Saúde da
Vila Clara, ao que lhe competia colaborar com as pesquisas de desenvolvimento médico e
participação de programas educativos e preventivos junto à comunidade, bem como coletar
materiais biológicos, aplicar vacina, realizar curativos, expondo-a de forma habitual e
permanente a agentes biológicos, permitindo o enquadramento especial do intervalo nos termos
dos itens 3.0.1 dos Anexos IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99 (PPP - ID 154698282, p. 9/10).
O PPP foi baseado em laudo extemporâneo, com medições a partir de 25.07.2006, no entanto,
aludido fato não constituí óbice para enquadramento especial no período delimitado no
documento, uma vez que não existe previsão na legislação da contemporaneidade do laudo,
bem como a evolução tecnológica geralmente favorece as atuais condições ambientais em
relação àquelas que esteve exposto o trabalhador à remota época da execução dos serviços.
Desta forma, imperioso o reconhecimento do período analisado como sendo especial e
manutenção da r. sentença.
DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
Postoisto, somado o período especial ora reconhecido aos já homologados pelo ente
autárquico, descontados períodos concomitantes, perfaz a autora, na data da citação,
17.04.2020, 31 anos e 15 dias de tempo de contribuição e 59 anos de idade, reunindo 90
pontos, fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição, com o cálculo nos termos do
art. 29-C da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 13.183/15, nos termos da r. sentença, a
qual ora ratifico.
DO TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO
Não houve insurgência quanto ao termo inicial do benefício.
Consectários legais
Aplica-se aos débitos previdenciários a súmula 148 do C.STJ:"Os débitos relativos a benefício
previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei nº 6.899/81, devem ser
corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal”. (Terceira Seção, j.
07/12/1995)
Da mesma forma, incide a súmula 8 deste E. Tribunal: “Em se tratando de matéria
previdenciária, incide a correção monetária a partir do vencimento de cada prestação do
benefício, procedendo-se à atualização em consonância com os índices legalmente
estabelecidos, tendo em vista o período compreendido entre o mês em que deveria ter sido
pago, e o mês do referido pagamento".
a) Juros de mora
A incidência de juros de mora deve observar a norma do artigo 240 do CPC de 2015,
correspondente ao artigo 219 do CPC de 1973, de modo que são devidos a partir da citação, à
ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02; após, à razão
de 1% ao mês, por força do art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), de acordo com a remuneração das cadernetas de
poupança, conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947
(Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
b) Correção monetária
A incidência de correção monetária deve observar a Lei n. 6.899, de 08/04/1981 e a legislação
superveniente, na forma preconizada pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, consoante os
precedentes do C. STF no julgamento do RE n. 870.947 (Tema 810), bem como do C. STJ no
julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
c) Honorários advocatícios
Não houve insurgência quanto a verba de sucumbência, pelo que deve ser mantida como fixada
na r. sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação autárquica, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. PRESENTES OS REQUISITOS À
OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO.
1. Após 28.04.1995, para o enquadramento do labor especial, o segurado passou a ter que
provar, por meio de formulário específico e/ou laudo técnico, a exposição a agentes nocivos, no
caso biológicos, previstos nos itens 1.3.2 do Decreto 53.831/64 e 3.0.1 do Anexo IV dos
Decretos 2.172/1997 e 3.048/1999.
2. A previsão constante nos decretos de regência a respeito da exposição a agentes biológicos
dos profissionais da área de saúde não menciona o contato exclusivo com pacientes
infectocontagiosos, mas sim que em razão das suas atividades, tais profissionais mantêm
contato com pacientes com todos os tipos de doenças, dentre elas, as infectocontagiosas,
permitindo eventual contágio por agentes biológicos decorrentes de sangue, urina e fezes e
objetos contaminados e assim, passível de enquadramento especial.
3. A autora comprovou a exposição a agentes biológicos, no exercício da atividade de auxiliar
de enfermagem, de forma habitual e permanente, pois esteve em contato direto com pacientes
e objetos contaminados, possibilitando o enquadramento especial do intervalo nos termos dos
itens 3.0.1 dos Anexos IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
4. O PPP foi baseado em laudo extemporâneo, no entanto, aludido fato não constituí óbice para
enquadramento especial no período delimitado no documento, uma vez que não existe previsão
na legislação da contemporaneidade do laudo, bem como a evolução tecnológica geralmente
favorece as atuais condições ambientais em relação àquelas que esteve exposto o trabalhador
à remota época da execução dos serviços.
5. Comprovados os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, com cálculo do benefício de acordo com o art. 29-C da Lei 8.213/91, com redação
introduzida pela Lei 13.183/15, desde a data da citação.
6. Juros de mora e correção monetária explicitados, de ofício.
7. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
