Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1953768 / SP
0008479-45.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/09/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL.
ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA. AGENTES QUÍMICOS. EPI EFICAZ. CAMINHÃO
TANQUE. TRANSPORTE DE INFLAMÁVEIS. PERICULOSIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO
SUFICIENTE. RECONHECIMENTO PARCIAL.TEMPO SUFICIENTE. BENEFÍCIO
CONCEDIDO. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - Pretende a parte autora a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural e especial.
2 - Do labor rural. O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo
de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo
admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C.
Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
5 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
6 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação
do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar
apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as
Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
7 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o
desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos
genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando,
se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em
que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
8 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os
auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante.
9 - O falecido autor requereu, em seu petitório inicial, o reconhecimento de seu labor rural de
10/01/1964 a 30/10/1975. A r. sentença de primeiro grau reconheceu o labor campesino do
autor, exercido sem registro em CTPS. A comprovar o referido trabalho nas lides rurais, o de
cujus juntou aos autos a sua Certidão de Casamento qualificando-o como lavrador em
01/10/1970 (fl. 30), bem como o seu Certificado de Dispensa de Incorporação de fl. 31 que
comprova que ele residia no Sítio Aguinha São Paulo em 18/09/1975.
10 - O início de prova material elencado foi corroborado por idônea e segura prova testemunhal
(fls. 233/235), colhida em audiência realizada em 08/08/2013.
11 - Desta feita, possível o reconhecimento do labor rural de 10/01/1964 a 30/10/1975.
12 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
13 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
14 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
15 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
16 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada
até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
17 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
18 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
19 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
20 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
21 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
22 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
23 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
24 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
25 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
26 - Pleiteou o falecido autor, em sua petição inicial, o reconhecimento do labor especial
desempenhado de 01/11/1975 a 08/02/1976, 09/02/1976 a 15/06/1976, 08/11/1976 a
13/01/1977, 17/06/1981 a 30/01/1988, 02/05/1988 a 13/04/1989, 17/04/1991 a 24/08/1993,
01/04/1994 a 22/12/1995, 01/12/1997 a 07/10/1999 e de 23/10/2000 a 21/02/2007. A sentença
de primeiro grau reconheceu o labor especial do autor.
27 - Em relação aos períodos de 01/11/1975 a 08/02/1976, 09/02/1976 a 15/06/1976,
08/11/1976 a 13/01/1977, os formulários de fls. 32/34 informam que o postulante exerceu a
função de motorista de carga junto à Prefeitura Municipoal de Areiópolis, Koike & Cia. Ltda. e
Octávio Koike & Cia Ltda., o que permite o enquadramento no Código 2.4.4 do Quadro Anexo
do Decreto 53.831/64 ("motorneiros e condutores de bondes"; "motorista e cobradores de
ônibus"; e "motoristas e ajudantes de caminhão") e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto
83.080/79 ("motorista de ônibus e de caminhões de cargas").
28 - Quanto ao lapso de 17/06/1981 a 30/01/1988, o laudo técnico pericial, elaborado em Juízo
de fls. 170/176, mais especificamente à fl. 173, relata que o autor exerceu as funções de
motorista de caminhão "...dirigindo Mercedes Bens 2219, Dodge Truck, com capacidade para
12 e 13 toneladas, efetuando o transporte de cana de açúcar, para diversas cidades e fazendas
de propriedade ou exploradas pelo empregador, para processamento no setor industrial;
transportava também máquinas e equipamentos diversos...", o que, igualmente, permite o
enquadramento no Código 2.4.4 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64 ("motorneiros e
condutores de bondes"; "motorista e cobradores de ônibus"; e "motoristas e ajudantes de
caminhão") e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79 ("motorista de ônibus e de
caminhões de cargas").
29 - No tocante à 02/05/1988 a 13/04/1989 e de 17/04/1991 a 24/08/1993, o formulário de fls.
36 demonstra que o autor desempenhou a função de administrador de campo e administrador
agrícola, as quais não encontram enquadramento nos decretos que regem a matéria, bem
como relatou como agentes nocivos apenas a chuva, o calor, o frio e a poeira, os quais
igualmente não foram contemplados por tais decretos.
30 - No que tange à 01/04/1994 a 22/12/1995, o formulário de fls. 37 informa que o requerente
exerceu a função de motorista de carga junto à Transroval Valente Transp. Rodoviários Ltda., o
que permite o enquadramento da atividade nos itens Código 2.4.4 do Quadro Anexo do Decreto
53.831/64 ("motorneiros e condutores de bondes"; "motorista e cobradores de ônibus"; e
"motoristas e ajudantes de caminhão") e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79
("motorista de ônibus e de caminhões de cargas"). Entretanto, o reconhecimento deve ser
limitado à 28/04/1995, quando passou a ser necessária a exposição do segurado à agentes
nocivos para caracterização do labor como especial. Por igual motivo, inviável o
reconhecimento do labor de motorista carreteiro exercido no interregno de 01/12/1997 a
07/10/1999. Há de ressaltar, ainda, que os agentes nocivos descritos no formulário de fl. 38 não
possuem enquadramento nos Decretos que regem a matéria.
31 - Quanto ao lapso de 23/10/2000 a 21/02/2007, o PPP de fl. 40, o laudo técnico pericial de
fls. 41/44 e o elaborado em Juízo de fls. 170/176 informam que o postulante trabalhou como
motorista carreteiro junto à Transportes Dalçoquio Ltda., conduzindo "...caminhão de semi-
reboque empregado no transporte de carga; operação de equipamentos de carga e descarga
do tanque do semi-reboque de transporte de produtos inflamáveis derivados de petróleo,
álcoois, oxidantes, tóxicos, corrosivos e substância perigosas diversas...", atividade considerada
perigosa, nos termos da Portaria nº 3.214/78, NR-16, Anexo 2, item 1, letra "i" e no artigo 193
da CLT com redação dada pela Lei 12.740/12, razão pela qual podem ser consideradas
especiais.
32 - À vista do conjunto probatório acostado aos autos, possível o reconhecimento da
especialidade do labor desempenhado pelo postulante nos períodos de 01/11/1975 a
08/02/1976, 09/02/1976 a 15/06/1976, 08/11/1976 a 13/01/1977, 17/06/1981 a 30/01/1988,
02/05/1988 a 13/04/1989, 17/04/1991 a 24/08/1993, 01/04/1994 a 28/04/1995 e de 23/10/2000
a 21/02/2007.
33 - Somando-se o labor rural e o especial ora reconhecido aos demais períodos incontroversos
constantes da CTPS de fl. 13/19, dos extratos do CNIS de fls. 217/219 e as contribuições
previdenciárias de fls. 20/28, verifica-se que a parte autora alcançou 43 anos, 04 meses e 25
dias de serviço quando da propositura da ação (29/03/2007), o que lhe assegura o direito à
aposentadoria integral por tempo de contribuição.
34 - O requisito carência foi cumprido.
35 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (29/03/2007), ante a
ausência de requerimento administrativo.
36 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
37 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
38 - Apelação do INSS e Remessa necessária parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do INSS para limitar o labor especial do autor aos lapsos de 01/11/1975 a 08/02/1976,
09/02/1976 a 15/06/1976, 08/11/1976 a 13/01/1977, 17/06/1981 a 30/01/1988, 02/05/1988 a
13/04/1989, 17/04/1991 a 24/08/1993, 01/04/1994 a 28/04/1995 e de 23/10/2000 a 21/02/2007,
fixar o termo inicial do benefício na data da citação, bem como determinar que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e à remessa necessária, em
maior extensão, também para determinar que a correção monetária dos valores em atraso
deverá ser calculada de acordo com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, pelos índices de variação do IPCA-E, mantida, no mais, a r.
sentença de primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
