
| D.E. Publicado em 09/11/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, a r. sentença de 1º grau, por ser citra petita e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido, apenas para reconhecer como tempo de atividade especial os períodos de 12/05/1978 a 03/07/1980 e 03/11/1986 a 12/10/1996, deixando de condenar as partes em honorários advocatícios, ante a sucumbência recíproca, restando prejudicada a análise da apelação da parte autora.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023787-68.2007.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por CELIO MANTEZI, em ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de trabalho especial, com consequente conversão em tempo comum, nos períodos de 12/05/1978 a 03/07/1980 e 03/11/1986 a 08/07/1998, além do período comum de 02/01/1972 a 01/01/1976.
A r. sentença de fls. 61/65 julgou improcedente o pedido, mediante a justificativa da impropriedade da prova exclusivamente testemunhal para o reconhecimento do período de 02/01/1972 a 01/01/1976 como tempo de serviço, dando por prejudicada a análise dos demais períodos.
A parte autora, às fls. 68/71, alega que pretendia a produção da prova testemunhal para a demonstração do vínculo empregatício ainda quando o autor era criança. Afirma que a legislação previdenciária não pode prevalecer em detrimento do princípio constitucional da ampla defesa. Requer a nulidade da sentença para que seja oportunizada a produção probatória.
Intimada a autarquia, deixou transcorrer in albis o prazo para contrarrazões (fl. 73).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de pedido de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com reconhecimento e cômputo de trabalho desempenhado sob condições comuns e especiais.
Ressalto, de início, que, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 460 do CPC/73, atual 492 do CPC/2015.
Todavia, verifico que o magistrado a quo dispôs aquém do postulado pela parte autora na inicial, uma vez que deixou de analisar o período de alegada especialidade do trabalho desenvolvido, de modo que violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015, sendo, portanto, a sentença citra petita.
O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil:
Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual aplicável, passo ao exame do mérito da demanda.
Quanto ao período laborado na "empresa Fábrica de Tecidos NS Mãe dos Homens SA" (12/05/1978 a 03/07/1980), a cópia da CTPS juntada à fl. 14 e o formulário de fl. 18 indicam que o requerente trabalhou na função de "serviços gerais", no setor de "fiação".
Durante o trabalho realizado na "empresa Neobor Indústria e Comércio Ltda." (03/11/1986 a 08/07/1998), o documento de fl. 20 e a cópia de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (fl. 14) demonstram que o requerente estava sujeito ao agente CALOR, acima de 28ºC, e exposto a pressão sonora acima de 80db, até 12/10/1996.
Cumpre salientar que em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
Ou seja, a Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
Sobre o tema, precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 440955, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 624; 6ª Turma, AgRg no REsp nº 508865, Rel. Min. Paulo Medina, j. 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 374.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Em outras palavras, até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de prova.
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
No período de 03/11/1986 a 12/10/1996, verifica-se que o formulário de fl. 20, ao constatar a atividade sonora superior a 80db, reporta-se diretamente a "LAUDO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL PARA FINS DE APOSENTADORIA", consignando que a "cópia original do laudo encontra-se protocolado no INSS, unidade de ADM, local em Itú/SP., protocolo nº 34500.000241/97-08." Desta feita, a especialidade está caracterizada para os períodos entre 03/11/1986 a 12/10/1996, eis que atestado ruído superior ao limite de tolerância legal (80db).
No que diz respeito ao labor prestado no período entre 12/05/1978 a 03/07/1980, junto à empresa "Fábrica de Tecido N. S. Mãe dos Homens S/A", com razão o autor ao pleitear o seu reconhecimento como tempo especial pelo mero enquadramento da categoria profissional (trabalhos efetuados com tecelagem/fiação) no rol das atividades inseridas nos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79.
Com efeito, a jurisprudência orienta-se no sentido da possibilidade de tal enquadramento, uma vez que o Parecer nº 85/78 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho teria conferido caráter de atividade especial a todos os trabalhos efetuados em tecelagens até 28/04/95. Confira-se:
Nesse sentido:
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Pretende, ainda, o autor, o reconhecimento de tempo de serviço comum, alegando que trabalhou como cobrador na empresa de ônibus "Auto Viação Camargo", de 02/01/1972 a 01/01/1976. Sem a apresentação de qualquer documento, intenta demonstrar suas alegações apenas por meio de prova testemunhal.
Como cediço, é expressa a redação do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, de que não se admite a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação de qualquer tempo de serviço para fins de obtenção dos benefícios previstos em referido diploma legal, dentre os quais se inclui a aposentadoria almejada.
No mesmo sentido é o posicionamento da jurisprudência pátria. Confira-se:
Se na própria atividade rural, que apresenta características próprias, merecedoras de maior flexibilização em razão das dificuldades de obtenção de provas, ainda assim, faz-se necessária a apresentação de lastro probatório mínimo em juízo, na atividade urbana, com maior rigor, natural seja a exigência inclusive mais robusta acerca dos elementos materiais para aludida comprovação.
Desta feita, diante da inexistência de qualquer documento probatório de seu labor como cobrador, o período de 02/01/1972 a 01/01/1976 não pode ser considerado como tempo de serviço comum.
Quanto aos requisitos etário e contributivo estabelecidos pela EC nº 20/98, em seu art. 9º, temos:
Dessa forma, com o advento da emenda constitucional em questão, extinguiu-se a aposentadoria proporcional para os segurados que se filiaram ao RGPS a partir de então (16 de dezembro de 1998), assegurada, no entanto, essa modalidade de benefício para aqueles já ingressos no sistema, desde que preencham o tempo de contribuição, idade mínima e tempo adicional nela previstos.
Oportuno registrar que o atendimento às denominadas "regras de transição" deve se dar de forma cumulativa e a qualquer tempo, bastando ao segurado, para tanto, ser filiado ao sistema por ocasião da alteração legislativa em comento.
A esse respeito, confira-se o escólio de Alexandre de Moraes, em sua festejada obra "Direito Constitucional", Ed. Atlas, 31ª ed., pg. 865/866:
Outro não é o entendimento da mais abalizada doutrina sobre o assunto:
Sacramentando a tese de que as exigências contempladas nas regras de transição podem ser cumpridas pelo segurado em momento posterior à edição da EC nº 20/98, destaco excerto, a contrario sensu, contido no voto proferido por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 837.731/SP, in verbis:
Vale lembrar que a intenção do legislador fora a de preservar tanto o direito adquirido dos segurados que tivessem condições para a jubilação, como a expectativa de direito daqueles já participantes do sistema. É o que revela a "Exposição de Motivos" que integrou a proposta enviada ao Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº 20/98, cujo trecho destaco:
Conforme planilha anexa, somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda (12/05/1978 a 03/07/1980 e 03/11/1986 a 12/10/1996), com a consequente conversão em comum, aos períodos incontroversos constantes do CNIS, que passa a integrar a presente decisão, verifica-se que, na data da sentença, em 31/10/2006, o autor, à época com 44 anos, contava com 29 anos e 9 meses de serviço, tempo e idade insuficientes para lhe assegurar o direito à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição.
Por fim, esclareço que se sagrou vencedor o autor ao ver reconhecida parte da especialidade do período vindicado. Por outro lado, não foi reconhecido o tempo comum pretendido, tampouco completou os requisitos para a obtenção da aposentadoria, assim, restando a autarquia vencedora nesses pontos. Desta feita, ante a sucumbência recíproca, deixo de condenar as partes em honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas por ser o autor beneficiário da justiça gratuita e o INSS delas isento.
Ante o exposto, anulo, de ofício, a r. sentença de 1º grau, por ser citra petita e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido, apenas para reconhecer como tempo de atividade especial os períodos de 12/05/1978 a 03/07/1980 e 03/11/1986 a 12/10/1996, restando prejudicada a análise da apelação da parte autora.
É como voto.
CARLOS DELGADO
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