Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2040786 / SP
0000234-06.2013.4.03.6111
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
25/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/10/2020
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA ULTRA PETITA. REDUÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO.
ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL NÃO CORROBORADO PELA PROVA
TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO INVIÁVEL. ATIVIDADE ESPECIAL. TRATORISTA.
RECONHECIMENTO TOTAL. TEMPO INSUFICIENTE PARA APOSENTADORIA INTEGRAL
OU PROPORCIONAL. APELAÇÃO DO AUTOR E DO INSS DESPROVIDAS.REMESSA
NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - O INSS foi condenado a reconhecer período de labor especial do autor e conceder-lhe o
benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral. Assim, não havendo como se
apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário,
nos termos do inciso I do artigo 475 do CPC/73 e da Súmula 490 do STJ.
2 - Pretende o autor, em sua peça vestibular, o reconhecimento de seu labor exercido no campo
e sob condições especiais a fim de obter a aposentadoria por tempo de contribuição integral, a
partir da data do requerimento administrativo (13/06/2012).
3 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015.
4 - Verifica-se que o magistrado a quo não se ateve aos termos do pedido inaugural,
considerando período de labor não requerido pela autora, bem como fixando o termo inicial do
benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral na data em que ela completou os
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
35 anos de labor, vale dizer em 13/11/2013, o que não foi objeto de seu pedido exordial. Logo,
a sentença, neste aspecto, é ultra petita, extrapolando os limites do pedido, restando violado o
princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73 (atual art. 492 do CPC/2015).
5 - Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo,
agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório,
na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.
6 - Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do pedido inicial.
7 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
8 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
9 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
10 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
11 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
12 - Pretende o autor o reconhecimento de seu labor rural desempenhado sem registro em
CTPS de 30/06/1968 a 22/12/1978. Como prova do labor rural no período, o autor trouxe aos
autos a sua Certidão de Casamento, datada de 20/05/1978 e as Certidões de Nascimento de
suas filhas, com data de 16/05/1977 e 20/05/1978, nas quais ele foi qualificado como lavrador
(fls. 89, 92/93). Como se vê dos elementos de prova carreados autos, os documentos
mencionados constituem início razoável de prova material de sua alegada atividade campesina.
Todavia, a prova oral colhida, cujos depoimentos encontram-se às fls. 164/165 e 213/216, não
corroborou o labor rural da parte autora no período que pretende ver reconhecido, razão pela
qual inviável o reconhecimento do alegado labor campesino do autor.
13 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
14 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
15 - Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
16 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
17 - Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do
Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
18 - A r. sentença monocrática reconheceu o labor especial do autor nos períodos de
23/12/1978 a 05/06/1983 e de 19/11/1984 a 14/11/1990. Quanto aos referidos interregnos, os
formulários de fls. 83/85 dão conta de que o autor trabalhou como tratorista junto à Construtora
Ituana Ltda. A função de tratorista, por sua vez, é passível de reconhecimento do caráter
especial pelo mero enquadramento da categoria profissional, conforme pacífica jurisprudência
nos Tribunais, enquadrada no Código 2.4.4 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64 e no
Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79, por ser essa atividade equiparada a de
motorista.
19 - Assim, à vista do conjunto probatório acostado aos autos, possível o reconhecimento da
especialidade do labor desempenhado de 23/12/1978 a 05/06/1983 e de 19/11/1984 a
14/11/1990.
20 - Com o advento da emenda constitucional 20/98, extinguiu-se a aposentadoria proporcional
para os segurados que se filiaram ao RGPS a partir de então (16 de dezembro de 1998),
assegurada, no entanto, essa modalidade de benefício para aqueles já ingressos no sistema,
desde que preencham o tempo de contribuição, idade mínima e tempo adicional nela previstos.
21 - Oportuno registrar que o atendimento às denominadas "regras de transição" deve se dar de
forma cumulativa e a qualquer tempo, bastando ao segurado, para tanto, ser filiado ao sistema
por ocasião da alteração legislativa em comento.
22 - Somando os períodos especiais ora reconhecidos, aos incontroversos anotados em CTPS
(fls. 15/20; 27/28; 48/51 e 88/90), constantes do extrato do CNIS de fls. 29/31 e 133/135 e do
Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição de fls. 34/35, verifica-se que o
autor contava com 33 anos, 07 meses e 01 dia de tempo de atividade, insuficiente para a
concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, eis que não cumprindo o "pedágio"
necessário, nos termos do art. 9º, §1º, da Emenda Constitucional nº 20/98.
23 - Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários
advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a
gratuidade da justiça conferida à parte autora (fl. 29) e por ser o INSS delas isento.
24 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela
provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de
acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e
cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos
do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
25 - Apelações desprovidas. Remessa necessária, tida por interposta parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo
do INSS e da parte autora e dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta
para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido, bem como para
afastar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral,
reconhecendo a ocorrência de sucumbência recíproca, com a revogação da tutela
anteriormente concedida, observando-se o acima expendido quanto à devolução dos valores
recebidos a esse título, sendo que a Desembargadora Federal Inês Virgínia julgava extinto o
processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC/2015, no que tange ao
período rurícola alegado, não reconhecido, de 30/06/1968 a 22/12/1978, restando, nesse
aspecto, prejudicada a apelação do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
