
| D.E. Publicado em 04/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos termos do pedido, reconhecendo o labor rural, no período de 01/11/1970 a 31/12/1976, e o labor especial, no período de 20/09/1999 a 02/05/2007, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009612-93.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária ajuizada por DORIVAL TREVISAN, objetivando o reconhecimento e averbação de labor rural e especial.
A r. sentença de fls. 139/142, julgou procedente a ação, reconhecendo o tempo de serviço rural, para fins previdenciários, de novembro de 1970 a dezembro de 1976, como também a especialidade do interregno de 20/09/1999 até 28/03/2011 (data da sentença). Fixados honorários advocatícios de R$ 545,00, nos termos do art. 20, §4º do CPC. Sem reexame necessário.
Em suas razões recursais, o INSS requer a reforma total da sentença, alegando que os períodos rurais e aqueles considerados especiais não estão devidamente comprovados. Se vencido, pleiteia a aplicação do fator de conversão 1.20 (fls. 145/158).
Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões do autor, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 28/03/2011, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, § 2º do CPC/73:
No caso, o INSS foi condenado a reconhecer o labor rural, no período de novembro de 1970 a dezembro de 1976, e o labor especial, no período de 20/09/1999 a 28/03/2011.
Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
Ressalte-se que, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
Todavia, verifica-se que o magistrado a quo não se ateve aos termos do pedido ao reconhecer o labor especial de 20/09/1999 a 28/03/2011 - quando o pedido da parte autora restringe-se à data do ajuizamento da ação (02/05/2007) -, enfrentando questão que não integrou a pretensão efetivamente manifesta.
Logo, a sentença, neste aspecto, é ultra petita, eis que considerou como labor especial lapso temporal não pleiteado na inicial, extrapolando os limites do pedido; restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.
Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do pedido inicial, excluindo-se o reconhecimento do labor especial no interregno não indicado pela parte autora (03/05/2007 a 28/03/2011).
Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.
Passo à análise do labor rural.
Cumpre ressaltar que o art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
No entanto, não há necessidade de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Impende registrar que é pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando, se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
A propósito, referido entendimento sempre fora assentado pelo C. Supremo Tribunal Federal, tanto na vigência da Constituição Federal de 1967, como na atual Carta de 1988. Confira-se:
Do caso concreto.
Pretende o autor o reconhecimento do labor rural, no período de 11/1970 a 12/1976.
Para comprovar o labor rural, foram apresentados os seguintes documentos:
a) certificado de dispensa do serviço militar, em 1976, onde consta sua qualificação, "lavrador" (fl. 13) e
b) certificado de conclusão do curso primário, emitida pela "Escola Masculina do Bairro Mil Alqueires - Lucélia", em 12/12/1969 (fl. 14).
Além da documentação trazida como início de prova material hábil para comprovar o exercício de labor rural, foram ouvidas duas testemunhas, Joel Martins Pereira (fl. 78) e Orlando Valério (fl. 79).
A testemunha Joel Martins Pereira afirmou que "é lavrador desde os seis, sete anos de idade e começou a trabalhar na propriedade rural de seu avô e de seu pai. Atualmente, é proprietário de dois alqueires de terra. Conheceu o requerente desde criança em razão de morarem vizinhos de propriedade. Ao que sabe, o requerente saiu do sítio no ano de 1975 e mudou-se para Lucélia. O pai do requerente era porcenteiro do avô e além do pai do requerente, trabalhavam os irmãos do requerente. Na propriedade rural, por não ser muito grande, não tinha empregados. Ao que sabe, a propriedade tinha nove alqueires e fazia divisa com o Osvaldo Laranja, Abílio Atrão e seu Otávio Rocha."
O depoente Orlando Valério afirmou que "o depoente trabalhou de 1970 a 1976 e após esse período mudou-se para a cidade e continuou a trabalhar na colheita de café. O depoente trabalhava juntamente com o requerente e este permaneceu na propriedade rural no Bairro Mil Alqueires, trabalhando na colheita de café. O sítio tinha dez a doze alqueires. O depoente deixou a propriedade rural em razão de problemas de doença no café."
Assim, a prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia probatória dos documentos carreados aos autos; tornando possível o reconhecimento do labor rural, no período de 01/11/1970 a 31/12/1976, exceto para fins de carência.
Passo ao exame do labor especial.
Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial, e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp 493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº 3.048/1999).
Cumpre salientar que o Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Em outras palavras, até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de prova.
Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade desempenhada pelo trabalhador.
A propósito do tema:
Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal exigência na legislação anterior (STJ, AgRg no AREsp 295.495/AL, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/04/2013).
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Acerca da conversão do período de tempo especial, deve ela ser feita com a aplicação do fator 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, não importando a época em que desenvolvida a atividade, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Do caso concreto.
Pretende o autor, o reconhecimento do intervalo laborativo especial de 20/09/1999 a 02/05/2007 (data do ajuizamento da ação - fl. 02).
Com relação ao período de 20/09/1999 a 02/05/2007, laborado no "Auto Posto Alvorada de Dracena Ltda.", verifico que o autor exerceu a função de "frentista", nos termos do formulário de fls. 20/21, cópia do registro de empregado (fl. 22) e laudo pericial de fls. 88/99.
O laudo pericial descreve detalhadamente o local de trabalho e as funções do autor, afirmando que "foi vistoriado o local onde o requerente desenvolvia suas atividades de frentista, conforme documentos das páginas 20 e 22 deste processo. O estabelecimento refere-se a um posto de combustíveis, sendo que por meio desta atividade e função desempenhada pelo requerido, o enquadramento nas devidas Normas Regulamentadoras e possíveis adicionais".
Relata, ainda, o perito judicial que "assim, para as funções de frentista, desenvolvia suas funções dentro das áreas de risco, de acordo com a NR 16, sendo devido o referido adicional de 30%."
Não se olvida que o Anexo 2 da NR 16 (Decreto nº 3.214/78) estabelece que as operações em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos são perigosas. No entanto, a insalubridade é notadamente verificada em se tratando de operador de bomba (frentista), correspondendo à hipótese dos autos. Assim, resta caracterizada a especialidade no período de 20/09/1999 a 02/05/2007.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos termos do pedido, reconhecendo o labor rural, no período de 01/11/1970 a 31/12/1976, e o labor especial, no período de 20/09/1999 a 02/05/2007.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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