
| D.E. Publicado em 20/02/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar suscitada e dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, para reformar a r. sentença de 1º grau, afastando-se, in casu, a especialidade do labor urbano no que se refere ao período de 08/05/78 a 16/02/81, e, por consequente, condenar o INSS ao pagamento, em favor do autor, do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de serviço/contribuição, fixando-se, ainda, a fim de estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual; mantendo-se, no mais, a r. sentença de 1º grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0003437-37.2002.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária proposta por CARLOS BISPO DE JESUS, objetivando o reconhecimento de tempo de serviço rural e especial, bem como a consequente concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição/serviço.
A r. sentença de fls. 239/248 julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo o labor rural do autor no período compreendido entre 18/11/1968 e 17/06/1974, bem como os de trabalho especial, em decorrência dos agentes insalubres "calor" e "ruído", compreendidos, respectivamente, entre 08/05/78 e 16/02/81 e entre 12/03/81 e 19/08/97, condenando a autarquia na concessão da aposentadoria integral por tempo de serviço/contribuição. Fixou os honorários advocatícios em 8% (oito por cento) sobre o valor das prestações vencidas, devendo estas ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês. Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 267/279, pugna o INSS pela reforma do decisum, pela improcedência da ação, alegando, preliminarmente, nulidade da r. sentença a quo, sob o argumento de a mesma ser ultra petita. Quanto ao mérito, aduz a impossibilidade de enquadramento, como especiais, dos tempos requeridos na exordial, além da impossibilidade, in casu, do reconhecimento do período de labor rural pleiteado. Subsidiariamente, pede para que os honorários advocatícios sejam reduzidos, em caso de manutenção da sucumbência do INSS, para o patamar máximo de 5% (cinco por cento) do valor das parcelas vencidas até a data da sentença, bem como que os juros moratórios sejam fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês. Requer também o prequestionamento da matéria.
Contrarrazões às fls. 288/295.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Acerca da preliminar recursal aventada pelo INSS, desde já a afasto, tendo em vista que a sentença apreciou o mérito da demanda nos estritos limites da inicial. Com efeito, do compulsar dos autos, notadamente do pedido inicial, às fls. 15/17, verifica-se que o autor pleiteou o reconhecimento da especialidade dos períodos compreendidos entre 08/05/78 e 16/02/81 e de 12/03/81 a 19/08/97, devidamente apreciados pelo MM. Juízo a quo, em perfeita simetria com o demandado. Desta forma, não há que se falar, in casu, em sentença ultra petita. Afasto. Passo ao exame do mérito.
Quanto ao labor campesino, cumpre ressaltar que o art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
É pacifico, ademais, o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
As pretensas provas materiais juntadas aos autos, a respeito do labor no campo da parte autora:
a) Certificado de Dispensa de Incorporação, emitido pelo Ministério do Exército, de 02/05/1973, em que o autor consta qualificado como "trabalhador rural" (fl. 91); e
b) Título de Eleitor, em nome do autor, datado de 28/03/1974, em que também consta qualificado como "trabalhador rural" (fl. 92).
A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido início de prova material, devidamente corroborada por idônea e segura prova testemunhal colhida em audiência de instrução, realizada em 27 de maio de 2003.
A primeira testemunha arrolada pelo autor, João Carlos Moreira Lopes, compromissado e advertido, respondeu que: "conhece o autor e com ele trabalhou na Fazenda União-Boa Sorte, no município de Itacaré, sendo que o depoente na dita fazenda, laborou por quatro anos, dela saindo em 1972, nela permanecendo o autor, que o autor era trabalhador rural..." (fl. 216).
Ainda, Carlos Roberto Passos Ribeiro, segunda testemunha, afirmou que: "na década dos anos 60, de 1968 para cá o autor trabalhou na aludida fazenda, onde banderava cacau, pelo período de seis anos, mais ou menos; que no tempo em que o autor laborou na mencionada propriedade rural, contava de dezessete a dezoito anos..." (fls. 216/217).
Por derradeiro, Leomar Passos Ribeiro, último testigo, à fl. 217 dos autos, respondeu que: "conhece o autor, sendo que ele atualmente reside em São Paulo... ...que conhece a fazenda União-Boa Sorte, no município de Itacaré e nela o autor exerceu atividades rurais, como trabalhador, ajudando o pai a colher cacau..."
Assim sendo, de se manter a r. sentença de primeiro grau, quanto ao reconhecimento, para efeitos previdenciários, de período de labor campesino. Ou seja: de se computar, como tal, o período compreendido de 18/11/68 (quando o autor completou 14 anos de idade) até 17/06/74 (conforme pedido na inicial).
Passo, pois, à apreciação do trabalho exercido em condições especiais.
De se verificar por ora que em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
Ou seja, a Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
Sobre o tema, precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 440955, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 624; 6ª Turma, AgRg no REsp nº 508865, Rel. Min. Paulo Medina, j. 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 374.
Destarte, verifica-se que o período de 08/05/1978 a 16/02/1981 não pode, na hipótese em tela, ser reconhecido como de trabalho urbano especial, uma vez que não há laudo técnico pericial a constatar o agente insalubre "calor", cuja comprovação sempre se dera, obrigatoriamente, por meio de prova pericial. O formulário DSS-8030 (fl. 51), emitido pela empresa "Beckau S/A Comércio Industrial" não é, in casu, suficiente para tanto.
No que tange, entretanto, ao período controvertido de 12/03/1981 a 19/08/1997, instruiu-se estes autos com o formulário DSS-8030 (fl. 52) e respectivo laudo técnico pericial, de fl. 53, de modo que restou definitivamente comprovado ter o suplicante sido exposto, de modo habitual e permanente, a ruído de 90 decibéis no interregno em referência, quando laborou na empresa "Reckitt e Colman Industrial Ltda."
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Repita-se, por ora, entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por fim, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Assim sendo, também reputo enquadrado como especial o período compreendido entre 12/03/1981 e 19/08/1997, em razão de exposição, do autor, em caráter habitual e permanente, ao agente insalubre 'ruído", em níveis superiores àqueles permitidos pela legislação em vigor. Reformo a r. sentença de origem, entretanto, para afastar a especialidade, no caso, do período de 08/05/78 a 16/02/81, ante a ausência de laudo pericial a comprovar a presença do agente insalubre "calor".
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Conforme planilha anexa, somando-se o tempo de labor rural ora reconhecido (18/11/1968 a 17/06/1974) ao período especial, com a consequente conversão em comum, adicionados ainda aos períodos incontroversos, verifica-se que o autor alcançou 34 anos, 8 meses e 13 dias de serviço na data do requerimento administrativo (20/08/1997), termo anterior ao do advento da EC 20/98 (15/12/1998), o que lhe assegura o direito à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição. O requisito carência restou também completado.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo - 20/08/1997.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que resta perfeitamente atendido com o percentual de 8% (oito por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada e dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, para reformar a r. sentença de 1º grau, afastando, in casu, a especialidade do labor urbano no que se refere ao período de 08/05/78 a 16/02/81, e, por consequente, condenar o INSS ao pagamento, em favor do autor, do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de serviço/contribuição, fixando-se, ainda, a fim de estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual; mantendo-se, no mais, a r. sentença de 1º grau.
É como voto.
CARLOS DELGADO
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