Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2004680 / SP
0029300-70.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
07/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. AGRAVO RETIDO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. DUPLO GRAU
OBRIGATÓRIO. LABOR RURAL. 12 ANOS DE IDADE. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO
PROBATÓRIO EFICAZ. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. STJ. RECURSO
REPETITIVO. RESP 1352721/SP. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. COMPROVAÇÃO.
RURÍCOLA. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO. EC Nº 20/1998. FALTA DE
CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS - ETÁRIO E "PEDÁGIO". SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA.
APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Pretende a parte autora o reconhecimento de labor rural desempenhado ora com, ora sem
registro em CTPS, a partir de 11/09/1970 (aos 12 anos de idade) e até 01/09/1998, além do
reconhecimento da especialidade dos intervalos de 11/02/1987 a 01/03/1993 e 01/09/1994 a
23/05/2008, em prol da concessão de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição", cuja
postulação administrativa corresponde a 16/04/2008 (sob NB 143.478.523-5).
2 - Não se conhece do agravo retido oposto, vez que não reiterada sua apreciação, pelo INSS,
no bojo das contrarrazões recursais ofertadas, conforme preceitua o art. 523, § 1º, do Código
de Processo Civil/73.
3 - A r. sentença condenou o INSS a reconhecer e averbar tempo de serviço especial. Assim,
trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo
retro mencionado, e da Súmula 490 do STJ.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal.
5 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação
do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar
apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as
Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
6 - Cravando as vistas na data de nascimento consignada no documento pessoal da parte
autora - 11/09/1958 - depreende-se ser possível o exame do suposto labor rurícola a partir de
11/09/1970, porquanto já contava, à época, com 12 anos de idade.
7 - Considerando que a CTPS do autor indica contrato de emprego inaugural a partir de
06/12/1976 (empresa Sucocítrico Cutrale S/A), infere-se o tempo de labor prestado na
informalidade como sendo desde 11/09/1970 e até 05/12/1976 - sob análise.
8 - Foram carreados documentos, extraindo-se cópias de: 1) certificado de dispensa de
incorporação expedido em 20/06/1977, constando a profissão do autor como operário rural; 2)
certidão de casamento do autor, celebrado em 15/09/1983, consignada a profissão do cônjuge
varão como lavrador.
9 - Nenhuma das peças lhe favorecem (ao autor), na pretendida demonstração do mourejo
campestre, na medida em que não pertencem à periodização cujo exame ora se enfrenta.
10 - Embora subsistam contratos empregatícios de índole rural nas carteiras profissionais do
autor, tais anotações fazem prova tão somente do labor respectivamente anotado, considerado
de natureza incontroversa nos autos - a propósito, passível de cotejo com as laudas de
pesquisa ao sistema informatizado CNIS.
11 - Inviabilidade do reconhecimento de prestação de serviço rural-informal "entretempos" -
entre contratos anotados em CTPS - na medida em que a existência de tais contratos afastaria
a presunção de que o labor teria sido ininterrupto.
12 - Imperiosa a extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a
propositura de nova ação, caso o requerente venha a conseguir documentos que comprovem o
labor desenvolvido na qualidade de rurícola no período alegado.
13 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
14 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
15 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
16 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
17 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada
até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
18 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
19 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
20 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
21 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
22 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
23 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
24 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
25 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
26 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
27 - Da leitura minudente do laudo de perícia judicial ordenada, extrai-se a sujeição do autor a
ruídos de 91,5 dB(A) até 93,2 dB(A), desde 01/09/1994 até 23/05/2008, na qualidade de
trabalhador rural operando tratores sem cabine, nos moldes dos códigos 1.1.5 do Decreto nº
53.831/64, 1.1.6 do Decreto nº 83.080/79, 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97, e 2.0.1 do Decreto nº
3.048/99.
28 - No concernente aos demais lapsos referidos no resultado pericial, na condição de rurícola,
trabalhador rural, colhedor de frutas e corte de cana, não merecem o reconhecimento da
excepcionalidade do labor.
29 - A atividade exercida exclusivamente na lavoura é absolutamente incompatível com a ideia
de especialidade, eis que não exige, sequer, o recolhimento de contribuições para o seu
reconhecimento.
30 - Os fatores de risco mencionados - calor e radiação não-ionizante - não lhe socorrem (ao
autor) na especialidade buscada, porquanto somente calor decorrente de fonte artificial é que
justificaria a contagem especial para fins previdenciários, sendo que a previsão, como fator de
insalubridade, recairia apenas sobre radiações ionizantes, à luz do item 1.1.3 do Decreto nº
83.080/79.
31 - Somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda aos períodos de atividades
incontroversas, verifica-se que a parte autora contava com 33 anos, 07 meses e 20 dias de
tempo de serviço na data do requerimento (16/04/2008), entretanto, à época não havia
completado nem o requisito etário (53 anos, para o sexo masculino), nem tampouco o "pedágio"
exigido à "aposentadoria proporcional por tempo de contribuição", conforme disposição do art.
9º, §1º, da Emenda Constitucional nº 20/98.
32 - Sagrou-se vitorioso o autor ao ver reconhecida parte da especialidade vindicada. Por outro
lado, não foi concedida a aposentadoria, restando vencedora, nesse ponto, a autarquia. Desta
feita, dão-se os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência
recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixo de condenar qualquer delas no reembolso das custas e
despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas
isento.
33 - Agravo retido do INSS não conhecido.
34 - Remessa necessária parcialmente provida. Processo extinto sem julgamento do mérito, no
que se refere ao pedido rural. Apelação do autor parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo
retido do INSS, dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, julgando
extinto o processo, sem exame do mérito, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP,
julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973, no que tange ao reconhecimento do período rural
sem registro em CTPS, e dar parcial provimento ao apelo do autor, dando os honorários
advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca, mantidos os
demais termos da r. sentença de Primeira Jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
