
| D.E. Publicado em 13/06/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, acolher o conteúdo preliminar arguido pelo INSS, dando por interposta a remessa necessária, à qual se dá parcial provimento para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido e, em mérito, dar parcial provimento à apelação do INSS, para afastar da condenação o reconhecimento do tempo laborativo rural de 21/10/1967 a 17/09/1987, e negar provimento à apelação da parte autora, mantidos, assim, os demais termos da r. sentença de Primeiro Grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
| Data e Hora: | 05/06/2018 19:09:16 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016498-79.2010.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas, pelo autor JOSÉ FERREIRA DE FARIA e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento de períodos laborativos rural e especial.
A r. sentença proferida (fls. 67/69) julgou parcialmente procedente a ação, reconhecendo a atividade rural desempenhada pelo autor no interregno de 21/10/1967 (a partir de seus 14 anos de idade) até 07/07/1990, e o labor especial desenvolvido de 10/07/1990 a 31/08/1993, 01/09/1993 a 31/07/1994 e 01/08/1994 a 18/02/1997, a ser convertido - de especial para comum - sob fator de conversão equivalente a 1,4. Decretada, por fim, a sucumbência recíproca, cabendo às partes (autora e ré), além do montante honorário de seu respectivo patrono, as eventuais custas havidas no processo.
Os embargos de declaração opostos pela parte autora, sob alegação de suposta omissão no decisum (fls. 71/74), não foram conhecidos (fls. 76/77).
A parte autora apelou (fls. 80/91), defendendo o reconhecimento da atividade rural, pelo menos, a partir de seus 12 anos de idade, correspondente a 21/10/1965, insistindo, pois, no deferimento de aposentadoria - quer na modalidade integral, quer na proporcional - e na antecipação dos efeitos da tutela.
Inconformado, o INSS apelou (fls. 94/109); em linhas introdutórias, defendeu o reexame necessário de toda a matéria em seu desfavor; por mais, alegou que não sobreviera, nos autos, comprovação dos períodos laborativos - rural e especial - pretendidos: quanto àquele, diante da escassez de documentação hábil, aliada à inconsistência dos depoimentos testemunhais; quanto a este, porque não comprovada a sujeição efetiva a agentes agressivos, sendo certo que, também, não poderia haver conversão - de especial para comum - de período posterior a 28/05/1998. Em derradeiras linhas, aduziu a falta de número de contribuições equivalente à carência exigida por lei. Noutra hipótese, requereu a fixação da verba honorária em percentual de 5% sobre parcelas apuradas até a sentença, observando-se a letra da Súmula 111 do C. STJ.
Devidamente processados os recursos, com o oferecimento de contrarrazões pela parte autora (fls. 115/128), foram enviados os autos a esta Corte Regional.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da presente demanda dera-se em 26/08/2008 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 21/10/2008 (fl. 56) e a prolação da sentença em 24/06/2009 (fl. 69), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante reconhecimento de atividade rural na condição de "lavrador", supostamente prestada desde ano de 1960 (mais precisamente, desde 21/10/1960 - aos 07 anos de idade), até ano de 1987 (com exatidão, até 17/09/1987 - dia que antecede o primeiro contrato anotado em CTPS), além de reconhecimento de labor especial exercido entre 10/07/1990 e 18/02/1997.
De acordo com o artigo 475, § 2º, do CPC/73:
No caso, o INSS foi condenado a averbar tempo de serviço - rural e especial - da parte autora, considerando-se a sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
Acolhida, portanto, a arguição preliminar do INSS.
Ressalto, ainda, que, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
Todavia, verifico que o magistrado a quo não se ateve aos termos do pedido inaugural ao considerar como tempo rurícola o intervalo de 21/10/1967 até 07/07/1990 (quando o pedido do autor restringe-se ao ano de 1987, melhor dizendo, a 17/09/1987, como anteriormente explicitado), enfrentando tema que não integrou a pretensão efetivamente manifesta.
Logo, a sentença, neste aspecto, é ultra petita, eis que considerou atividade rural desempenhada em lapso temporal não pleiteado na inicial, extrapolando os limites do pedido, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73 (atual art. 492 do CPC/2015).
Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.
Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do pedido inicial, excluindo-se tempo de serviço no interregno não-indicado pelo autor como sendo de atividade campesina.
Prosseguindo-se, verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.
Primeiramente, à análise do labor rural.
O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, nos seguintes termos:
É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
O conjunto probatório material reunido nos autos contém as seguintes cópias:
a) certidão do casamento dos genitores do autor, celebrado em 27/06/1943 (fl. 21), indicando a profissão paterna de "lavrador";
b) certidão do nascimento do autor, aos 21/10/1953 (fl. 22), aludindo à profissão de seu genitor como "lavrador";
c) certidão de casamento do autor, realizado aos 12/07/1975 (fl. 23), consignada sua profissão de "lavrador";
d) certidão de nascimento da prole do autor, datada de 19/05/1977 (fl. 24), com alusão à sua atividade de "lavrador".
E se a prova material indiciária mostra-se proveitosa, por outro lado, a prova testemunhal (fls. 51/52) - considerada determinante para as sustentação e ampliação do conteúdo documental - revelara-se contraditória.
A primeira depoente, Sra. Maria Barbosa Leão, declarou "conhecer o autor desde 1970, pois este esperava no ponto de ônibus de "boias-frias" que ficava perto da casa da testemunha. Via o requerente no "ponto" quase todos os dias por volta das 5:30 ou 6:00 horas, quando saía para comprar pão ...Sabe que o requerente parou de ir ao "ponto", pois começou a trabalhar na empresa Cestari..."; e o testemunho do Sr. Sebastião de Oliveira deu-se no sentido de "...conhecer o requerente desde 1965, pois este trabalhava de pedreiro na cidade de Monte Alto ...inclusive tendo prestado serviços para a testemunha ...Sabe que o requerente parou de trabalhar de pedreiro quando começou a trabalhar na empresa Cestari...".
Cotejando-se o discurso de ambas as testemunhas, há, pois, nítida contradição encerrada: enquanto uma declara que via o autor no ponto de ônibus de boias-frias, a outra, diferentemente, diz tê-lo visto trabalhar de pedreiro.
E neste cenário, em que uma prova (testemunhal) não se coaduna com a outra (material), insuscetível o acolhimento do período laborativo rural aduzido na inicial.
À apreciação do labor especial.
Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial, e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp 493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº 3.048/1999).
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90 dB.
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
As cópias de CTPS (fls. 25/28) são tangenciadas por documento específico, que guarda no bojo informações acerca da atividade laborativa especial do autor, no intervalo ininterrupto de 10/07/1990 a 18/02/1997, ora na condição de fundidor, ora de fundidor II, ora de moldador/fundidor I: o PPP (fls. 29/30) fornecido pela empresa Cestari Industrial e Comercial S/A, revelando a exposição a agente agressivo ruído de 82 dB(A), possibilitando o acolhimento da especialidade à luz dos códigos 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 e 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79.
A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe:
A aposentadoria proporcional, por sua vez, foi extinta pela Emenda Constitucional 20/98, que, de forma expressa, assegurou no art. 3º o direito aos que já haviam implementado, até a data de sua publicação, em 16/12/98, o requisito temporal, ou seja, 30 (trinta) anos de trabalho no caso do homem e 25 (vinte e cinco) no caso da mulher, independentemente de qualquer outra exigência (direito adquirido).
A citada Emenda Constitucional também manteve a aposentadoria proporcional para os que já se encontravam filiados ao RGPS na data de sua publicação e não possuíam tempo suficiente para requerê-la, porém estabeleceu na regra de transição, verbis:
Conforme planilha anexa, procedendo-se ao cômputo do intervalo especial ora admitido, com os demais períodos tidos por incontroversos (constantes das CTPS já referidas, também conferíveis da pesquisa junto ao banco de dados CNIS, fls. 36/37, 63/64 e 110/111), constata-se que o autor cumprira 11 anos, 11 meses e 21 dias de serviço na data do ajuizamento da presente ação, tempo notadamente insuficiente à sua aposentação.
Por sua vez, o pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo especial correspondente a 10/07/1990 a 18/02/1997.
Mantida a sucumbência recíproca, deixando-se de condenar as partes em honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a gratuidade da justiça conferida ao autor (fl. 31) e por ser o INSS delas isento.
Ante o exposto, acolho o conteúdo preliminar arguido pelo INSS, dando por interposta a remessa necessária, à qual dou parcial provimento para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido e, em mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS, para afastar da condenação o reconhecimento do tempo laborativo rural de 21/10/1967 a 17/09/1987, e nego provimento à apelação da parte autora, mantidos, assim, os demais termos da r. sentença de Primeiro Grau.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
| Data e Hora: | 05/06/2018 19:09:12 |
