
| D.E. Publicado em 11/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa necessária, tida por interposta, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido, e para reformar in totum a r. sentença, em vista da ausência de comprovação da atividade rural em regime de economia familiar, julgando improcedente a ação. Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais e no pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC, restando prejudicado o exame do recurso de apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000452-12.2009.4.03.6002/MS
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por JOÃO ANASTÁCIO em ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição", mediante reconhecimento de labor rural sob regime de economia familiar.
A r. sentença (fls. 132/134) julgou parcialmente procedente o pedido inicial, reconhecendo tempo rural em regime familiar exercido desde 1968 até 15/07/1978, condenando o INSS a expedir a respectiva certidão de tempo de serviço. Não houve condenação em custas processuais - em vista das disposições legais - nem tampouco em verba advocatícia, tendo sido reconhecida, neste ponto, a sucumbência recíproca entre as partes, autora e ré.
Irresignada, a parte autora apresentou recurso de apelação (fls. 137/143 e 144/152), defendendo o aproveitamento de vínculos empregatícios posteriores ao ajuizamento da demanda, para fins de cômputo do tempo laboral, culminando, assim, com a concessão da aposentadoria pretendida.
Devidamente processado o recurso, com a oferta de contrarrazões pelo INSS (fl. 154vº), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da presente demanda dera-se em 30/01/2009 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 27/03/2009 (fl. 70) e a prolação da r. sentença aos 22/03/2012 (fl. 134), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
A pretensão da parte autora, nestes autos, refere-se ao reconhecimento de tarefas pretéritas na zona rural - em regime de economia familiar e também em olaria - a partir de 11/07/1964 (aos 10 anos de idade) até 11/07/1978, com vistas ao deferimento de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição", desde a data do requerimento administrativo ingressado aos 05/01/2009 (sob NB 146.792.708-0, fl. 66). Afirma, em síntese, que o cômputo de todo seu ciclo laborativo - incluindo atividades rurais e urbanas - autoriza o deferimento da benesse.
Da remessa tida por interposta.
De acordo com o artigo 475 do CPC/73:
No caso, o INSS foi condenado a averbar tempo laborativo rural e emitir a correspondente certidão de tempo de serviço, de modo que se considera a sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
Da sentença ultra petita.
Ressalte-se que, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
Todavia, verifica-se que o magistrado a quo não se ativera aos termos do pedido inaugural, ao considerar como tempo rural o intervalo de 1968 a 15/07/1978 (quando o pedido do autor restringe-se até 11/07/1978, como anteriormente explicitado), enfrentando tema que não integrou a pretensão efetivamente manifesta.
Logo, a sentença, neste aspecto, é ultra petita, eis que considerou atividade desempenhada em lapso temporal não pleiteado na inicial, extrapolando os limites do pedido, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73 (atual art. 492 do CPC/2015).
Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.
Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do pedido inicial, excluindo-se tempo de serviço no interregno não-indicado pelo autor como sendo de atividade campesina.
No mais, verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.
Do labor rural.
O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, nos seguintes termos:
É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra, ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando, se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
A propósito, referido entendimento sempre fora assentado pelo C. Supremo Tribunal Federal, tanto na vigência da Constituição Federal de 1967, como na atual Carta de 1988. Confira-se:
Não é outro o entendimento desta Egrégia Turma, conforme julgados que portam as seguintes ementas:
Dito isto, considerada como começo da análise do suposto labor rural da parte autora, deve prevalecer a data em que completara 12 anos de idade - a saber, 11/07/1966, eis que nascida em 11/07/1954 (fls. 14/15).
Conforme descrito na exordial, o autor teria principiado seu ciclo laborativo ainda na puerícia, junto à parentela, em propriedade própria situada na zona rural, alternando-se entre atividades rurais em família e outras, numa olaria vizinha ao referido imóvel.
Constam dos autos cópias de CTPS do autor (fls. 21/65), do procedimento administrativo de benefício (fls. 76/106), além dos seguintes documentos:
- certidão do casamento do autor, contraído em 20/01/1975, anotada a profissão do cônjuge varão como oleiro (fl. 19);
- título eleitoral expedido em 29/03/1976, anotada a profissão do autor como lavrador (fl. 17);
- certificado de dispensa de incorporação emitido em 15/04/1981, desprovido de anotação profissional para o autor (fl. 18).
Diga-se, quanto à declaração fornecida por sindicato rural local (fl. 20), sua imprestabilidade como prova, porque não atende aos ditames da lei de regência, que exige a homologação do INSS para fins de comprovação do labor campesino (Lei nº 8.213/91, art. 106, III).
O que ocorre, in casu, é que, se há nos autos elemento material que poderia ser considerado prova inconteste da vinculação rural do demandante (como lavrador) há, no entanto, contraprova acostada, consubstanciada em documento qualificando-o como oleiro, função de índole notadamente urbana.
Por sua vez, em audiência de instrução realizada (fls. 127/130), disseram as testemunhas (aqui, em linhas brevíssimas): o Sr. Paulo Calça afirmou conhecer o autor desde 1965 ...que ele (depoente) e o pai teriam um terreno, onde montaram um barracão e faziam tijolinhos ...o autor trabalhava, sem compromisso, na olaria ...que o autor trabalhava na lavoura, junto à família ...e também para qualquer pessoa que o contratasse como boia-fria ...que o autor era chamado pelo depoente para prestar serviço na olaria somente de vez em quando. E o Sr. Pedro Pereira da Silva declarou conhecer o autor desde que ele (autor) contava com 12 anos (ano de 1966) ...que o autor trabalhou na olaria desde os 13 anos (ano de 1967) ...que ele trabalhou na roça concomitantemente ao trabalho na olaria ...que a produção da olaria era artesanal, sendo que a produção era vendida pelo dono da olaria.
E neste cenário fático, não se pode ignorar que, assim como o encarte mencionado anteriormente - narrado como contraprova - a prova testemunhal ceifa o valor probante documental, na medida em que fica evidenciado no processo, para o período vindicado, tanto labor urbano (oleiro) quanto labor agrícola (lavrador).
Sendo assim, impossível reconhecer-se a condição de segurado especial, sob manto da economia familiar, lembrando-se aqui, que a atividade em regime de economia familiar pressupõe rudimentar economia rural de subsistência, uma pequena roça onde residem todos os membros de uma mesma família de roceiros, campesinos e, nessa terra, moram e dela retiram seu sustento.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe:
A aposentadoria proporcional, por sua vez, foi extinta pela Emenda Constitucional 20/98, que, de forma expressa, assegurou no art. 3º o direito aos que já haviam implementado, até a data de sua publicação, em 16/12/98, o requisito temporal, ou seja, 30 (trinta) anos de trabalho no caso do homem e 25 (vinte e cinco) no caso da mulher, independentemente de qualquer outra exigência (direito adquirido).
A citada Emenda Constitucional também manteve a aposentadoria proporcional para os que já se encontravam filiados ao RGPS na data de sua publicação e não possuíam tempo suficiente para requerê-la, porém estabeleceu na regra de transição, verbis:
Conforme planilha anexa, somando-se todos os períodos ditos incontroversos (visíveis do resultado de pesquisa ao CNIS fls. 144/152, cotejáveis com as tabelas confeccionadas pelo INSS fls. 96/101), constata-se que o autor contava com 26 anos, 04 meses e 07 dias de labor, na data da postulação administrativa, em 05/01/2009, tempo notadamente insuficiente à concessão da aposentadoria anelada.
Em suma: restam improcedentes ambos os pedidos guardados na peça vestibular, tornando, pois, imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, condeno a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 29), a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Ante o exposto, dou provimento à remessa necessária, tida por interposta, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido, e para reformar in totum a r. sentença, em vista da ausência de comprovação da atividade rural em regime de economia familiar, julgando improcedente a ação. Condeno a parte autora no ressarcimento das despesas processuais e no pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC. Assim, resta prejudicado o exame do recurso de apelação da parte autora.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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