
| D.E. Publicado em 20/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do Código de Processo Civil/2015 (correspondente ao art. 267, VI, do Codex Processual anterior), e dar por prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
| Data e Hora: | 11/09/2018 17:04:12 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012870-74.2008.4.03.6112/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por APARECIDA HONÓRIO PAIVA DA SILVA, em ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de labor rural.
A r. sentença de fls. 81/85, julgou improcedente o pedido, sob fundamento de que não haveria início de prova material suficiente para comprovar o tempo de trabalho rural alegado na exordial.
Em razões recursais, a autora pleiteia a reforma da sentença, para fins de reconhecimento do período rural, com a consequente concessão do benefício vindicado (fls. 88/99).
Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, nos seguintes termos:
VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. (grifos nossos).
§1º - Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes." (grifos nossos)
É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando, se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
A propósito, referido entendimento sempre fora assentado pelo C. Supremo Tribunal Federal, tanto na vigência da Constituição Federal de 1967, como na atual Carta de 1988. Confira-se:
ACIDENTE DO TRABALHO. SEGURO OBRIGATORIO ESTABELECIDO NO ART. 165- XVI DA CONSTITUIÇÃO: ALCANCE. CONTRATO LABORAL COM AFRONTA A PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO DO MENOR DE DOZE ANOS. MENOR DE DOZE ANOS QUE PRESTAVA SERVIÇOS A UM EMPREGADOR, SOB A DEPENDÊNCIA DESTE, E MEDIANTE SALARIO. TENDO SOFRIDO O ACIDENTE DE TRABALHO FAZ JUS AO SEGURO PRÓPRIO. NÃO OBSTA AO BENEFÍCIO A REGRA DO ART. 165-X DA CARTA DA REPUBLICA, QUE FOI INSCRITA NA LISTA DAS GARANTIAS DOS TRABALHADORES EM PROVEITO DESTES, NÃO EM SEU DETRIMENTO. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS CONHECIDOS E PROVIDOS.
(RE nº 104.654/SP, Relator Ministro Francisco Rezek, 2ª Turma, DJ 25/04/1986) (grifos nossos).
Agravo de instrumento.
2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº. 8213. Possibilidade. Precedentes.
3. Alegação de violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte.
4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86.
5. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
(AI nº 529.694/RS, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ de 11/03/2005) (grifos nossos).
Não é outro o entendimento desta Egrégia Turma, conforme julgados que portam as seguintes ementas:
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. SENTENÇA ULTRA PETITA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE LABOR EXERCIDO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. TEMPO DE LABOR NA FAINA RURAL.
(...)
- Admite-se o cômputo do período laborado no campo pelo menor de idade (a partir dos 12 - doze - anos), uma vez que as regras insculpidas nos Ordenamentos Constitucionais, vedando o trabalho infantil, não podem prejudicá-lo.
- Dado parcial provimento tanto à remessa oficial (tida por interposta) como ao recurso de apelação da autarquia previdenciária e negado provimento ao recurso de apelação da parte autora."
(AC nº 2012.03.99.028461-0/SP, Rel. Des. Federal Fausto de Sanctis, DJe 16/03/2017).
"PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. POSSIBILIDADE. DISPENSA DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES.
(...)
4. É possível o reconhecimento do tempo de atividade rural prestado já aos 12 (doze) anos de idade, consoante precedentes dos Tribunais Superiores.
5. De acordo com os documentos anexados aos autos, corroborados pela prova testemunhal, a autora comprovou o exercício de atividade rural no período de 07/1975 a 07/1988, devendo ser procedida a contagem do referido tempo de serviço, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência, nos termos do artigo 55, §2º, da Lei 8.213/91.
6. Apelação provida."
(AC nº 2016.03.99.040416-4/SP, Rel. Des. Federal Toru Yamamoto, DJe 13/03/2017).
Do caso concreto.
Pretende a autora a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição e, no intuito de comprovar as alegações postas na inicial, acerca de sua atividade rurícola desempenhada junto a familiares no período de 01/07/1968 (aos 12 anos de idade) até 31/12/1976, carreou aos autos cópias dos seguintes documentos:
a) certidão de casamento de seus pais, realizado em 27/07/1946, com anotação da profissão de seu genitor como "lavrador" (fl. 12);
b) certidões de seu nascimento e de seus irmãos, datadas de 23/05/1952 e 12/02/1958, com anotação da profissão de seu genitor como "lavrador" (fls. 13 e 15);
c) fichas de matrícula da autora junto à "1ª Escola Mista do Bairro dos Costas", comprovando atividades escolares nos anos de 1962 a 1964 (fls. 16/21).
Com efeito, com os olhos postos na datação das provas coligidas (supra alinhadas), bem se observa que nenhuma guarda relação com o período pretendido, para reconhecimento - repita-se, entre anos de 1968 e 1976. Em síntese: não há oferta de prova contemporânea aos fatos ora examinados.
E não é despiciendo dizer que, conquanto as testemunhas ouvidas em audiência tenham asseverado a fixação rural da autora, a ausência de elemento indiciário material resulta no insulamento da prova oral.
Os depoimentos testemunhais, ei-los: a primeira testemunha da autora, Antônio Costa (fl. 69), afirmou que "entre os anos de 1966 a 1976, o pai da autora trabalhou em suas terras na qualidade de porcenteiro, pagando 30% da produção ao depoente. Naquela época, eles plantavam algodão e amendoim para a venda de arroz e feijão para subsistência, em aproximadamente 3 alqueires, sendo que o restante da propriedade era pasto. A família da autora morava e trabalhava na propriedade, sem ajuda de empregados, nem mesmo de vizinhos em época de colheita, pelo que o depoente pode visualizar. A família da autora consistia em seus pais, um irmão e uma irmã. As testemunhas Inês e Rozalina são vizinhas de sua propriedade, possuindo seus respectivos sítios, e jamais trabalharam para a depoente. O pai da autora, no período acima, cuidava exclusivamente de sua porcentagem na propriedade do depoente, esclarecendo o depoente que nenhum dos familiares da autora, entre 1966 a 1976, desenvolvia outro trabalho que não o rural e naquela propriedade.". A depoente Inez Rampazzio Rampazzo (fl. 70) disse que "até os 20 anos, no ano de 1972, morou no sítio de seu avô, localizado no bairro da Glória, vizinho ao km 20, em Alfredo Marcondes, distante cerca de 1 quilômetro do sítio de Antônio Costa. Esclarece que após vir para a cidade, no ano de 1972, perdeu contato com o Sr. Antônio Costa e a propriedade dele. Entretanto, afirma que momentos antes de sua vinda para a cidade, tem conhecimento que o senhor Antonio Costa possuía um empregado naquela propriedade, que era o pai da autora, o qual trabalhava juntamente com a esposa dele e seus 3 filhos nas lavouras de amendoim, milho, arroz e feijão. Pelo que tem conhecimento, Benedito Paiva, pai da autora, não contratava empregados para ajudar na colheita. Nega que tenha trabalhado para o pai da autora, e nega que qualquer dos familiares da autora tenha trabalhado na propriedade do avô da depoente, esclarecendo que seu avô contratava diaristas rurais, mas não da família da depoente. ". A testemunha Rosalina da Silva Santos Carobina (fl. 71) afirma que "a depoente é diarista há 5 anos, esclarecendo que até o ano de 1977, quando contava com 23 anos, morava no sítio de seu pai, localizado próximo ao km 20, distante cerca de 3 quilômetros do sítio do senhor Antônio Costa. Este senhor plantava algodão, milho, feijão e amendoim, uma parte com a ajuda de diaristas, uma parte arrendada ao pai da autora, senhor Benedito Paica. O pai da autora trabalhava apenas com a ajuda de familiares, entre eles a autora, sem ajuda de empregados. A depoente nega que tenha trabalhado para o pai da autora, e nega que os familiares da autora tenham trabalhado na propriedade de seu pai. Pelo que tem conhecimento, os familiares da autora, naquela época, trabalhavam apenas no meio rural, no sítio do senhor Antônio Costa. Quando a depoente veio para a cidade, no ano de 1977, aproximadamente um ano antes a família da autora havia saído daquele sítio e também vindo para a cidade, esclarecendo que a família da autora ali permaneceu por vários anos, pois desde que a depoente era criança o senhor Benedito Paiva já laborava no sítio de Antônio Costa."
Em suma: ante a inexistência de prova documental aproveitável, a comprovar que a parte autora laborara no campo, impossível o reconhecimento do interstício de 01/07/1968 até 31/12/1976.
Em razão do entendimento fixado pela Corte Especial do C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP nº 1.352.721/SP, na forma do artigo 543-C do CPC/1973, e diante da ausência de conjunto probatório eficaz, deverá o feito ser extinto, sem resolução de mérito, por carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, de sorte a possibilitar à parte autora a repropositura de seu pedido - junto à via administrativa ou mesmo judicial - caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Ante o exposto, de ofício julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do Código de Processo Civil/2015 (correspondente ao art. 267, VI, do Codex Processual anterior), e dou por prejudicada a apelação da parte autora.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
| Data e Hora: | 11/09/2018 17:04:09 |
