
| D.E. Publicado em 31/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, anular a r. sentença de 1º grau, por se tratar de sentença citra petita e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente procedente a ação, para reconhecer o labor rural no intervalo de 19/01/1972 a 31/12/1984, e condenar o INSS no pagamento e implantação do benefício de "aposentadoria proporcional por tempo de contribuição", pelas regras permanentes da EC nº 20/98, desde a data da citação (26/10/2010), estabelecendo que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e para que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, sejam fixados de acordo com o mesmo Manual, fixando a verba honorária em 10% sobre as parcelas vencidas, contadas até a data de prolação da sentença, isentando, por fim, a autarquia das custas processuais, restando prejudicado o recurso de apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001260-29.2010.4.03.6116/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária ajuizada por MARIA JOSÉ DA SILVA, objetivando a concessão de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição", mediante o reconhecimento de labor rural sob regime de economia familiar.
A r. sentença (fls. 125/128, 129) julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo labor rural desempenhado de 19/01/1964 a 30/12/1985, condenando a autarquia à averbação, para todos os fins previdenciários, independente do recolhimento de contribuições, exceto para cômputo de carência ou contagem recíproca. Ao defensor dativo nomeado, arbitrados honorários no valor máximo da tabela vigente. Determinadas custas ex lege.
Em suas razões recursais (fls. 132/134), o INSS pleiteia a reforma da sentença, sob argumento de que as provas apresentadas no processo não seriam suficientes à demonstração das tarefas rurais descritas na petição inicial, sendo que o documento mais antigo acostado corresponderia ao ano de 1979, de modo que não se poderia admitir o lavor da parte autora de 19/01/1974 até 31/12/1978 e de 19/01/1981 a 31/12/1983. Ademais disso, a documentação trazida - em nome do genitor da autora - seria inaproveitável a partir do momento em que atingida, pela mesma, a maioridade civil.
Devidamente processado o recurso, com o oferecimento de contrarrazões pela parte autora (fls. 137/141), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da presente demanda dera-se em 15/07/2010 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 26/10/2010 (fl. 84vº) e a prolação da r. sentença aos 02/02/2012 (fl. 128), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
Segundo a exordial (fls. 02/09) e os memoriais finais que antecedem a r. sentença (fls. 115/121), pretende a parte autora a concessão de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição", mediante o reconhecimento de labor rural exercido sob o manto da economia familiar, a partir de janeiro/1972 e até dezembro/1985, no Sítio Boa Vista, localizado no Munícipio de Assis/SP.
Da nulidade da r. sentença.
Visível está dos autos que, conquanto a parte autora tenha pleiteado tanto a análise de tempo laborativo rural, quanto a concessão de benefício previdenciário, o d. Magistrado não se debruçara, efetivamente, sobre este último ponto - sequer havida menção, em sentença, acerca de referido pleito.
Desta forma, patente a condição da r. sentença como citra petita, eis que, deveras, não examinara por completo o pedido formulado na inicial, restando violado o princípio da congruência, insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil em vigor:
Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual aplicável, passa-se ao exame do mérito da demanda.
Observa-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.
Do labor rural.
O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, nos seguintes termos:
É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra, ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando, se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
A propósito, referido entendimento sempre fora assentado pelo C. Supremo Tribunal Federal, tanto na vigência da Constituição Federal de 1967, como na atual Carta de 1988. Confira-se:
Não é outro o entendimento desta Egrégia Turma, conforme julgados que portam as seguintes ementas:
Dito isto, considerada como começo do suposto labor rural da parte autora, deve prevalecer a data em que completara 12 anos de idade - a saber, 19/01/1972, eis que nascida em 19/01/1960 (fl. 13).
No intuito de comprovar as alegações postas na inicial - acerca da atividade rurícola desempenhada junto a familiares - a parte autora carreou aos autos cópias dos seguintes documentos (aqui, em ordem necessariamente cronológica, para melhor apreciação):
* escritura pública de divisão amigável de gleba rural localizada no Município de Assis/SP, datada de 15/10/1979 , figurando o Sr. Argemiro Ventura da Silva, genitor da autora, como agricultor (fls. 28/29);
* certidão de matrícula de imóvel rural situado no Município de Assis/SP, comprovada a aquisição pelo genitor da autora em outubro/1979 (fls. 23 e verso, e 30/31);
* carteira de filiação da parte autora junto a sindicato rural local (no Município de Assis/SP), em 24/01/1984 (fl. 16);
* documentação emitida pelo INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (fls. 24/25), em nome do pai da autora, referente à propriedade familiar Sítio Boa Vista classificada como pequena propriedade produtiva nos anos de 1993, 1994 e 1995;
* escritura pública de doação com reserva de usufruto, datada de 18/10/1996, de certa gleba rural situada no Município de Assis/SP, em que figuram a autora e seu genitor como, respectivamente, donatário e doador (este, inclusive, qualificado como agricultor) (fls. 19/20).
É remansosa a jurisprudência no sentido de ser extensível à mulher a condição de rurícola nos casos em que os documentos apresentados, para fins de comprovação de atividade campesina exercida em regime de economia familiar, indiquem familiar próximo como trabalhador rural, afigurando-se possível, no caso, reconhecer que as alegações da autora baseiam-se em razoável início de prova material, a qual foi corroborada por idônea e segura prova testemunhal.
Além da documentação trazida como início de prova material hábil a comprovar o exercício rural, foram ouvidas três testemunhas, em audiência de instrução realizada (fls. 88/93 - aqui, em linhas breves): as testemunhas Srs. Aparecido Furlaneto, João de Pontes e Rubens Hernandes afirmaram, de forma uníssona, conhecerem a parte autora e seus familiares (pai, mãe e 13 irmãos), desde que nascida ...porquanto seriam vizinhos da propriedade em que morava a família ...na qual eram cultivadas horta e plantação de abacaxis ...tendo a autora principiado o labor na lavoura aos 12 anos de idade (ano de 1972) ...tendo permanecido até por volta dos 25 anos de idade (ano de 1985)".
A prova oral reforça o labor no campo, ampliando a eficácia probatória dos documentos carreados aos autos, sendo possível reconhecer-se o trabalho da parte autora desde 19/01/1972 (aos 12 anos) até 31/12/1984 (aqui, considerada a existência de "contribuições individuais" vertidas desde janeiro/1985 até março/1985, fl. 63), independentemente do recolhimento de respectivas contribuições, não podendo, entretanto, ser computado para fins de cômputo da carência, nos termos do art. 55, § 2º c/c art. 25, II, da Lei nº 8.213/91.
Da aposentadoria.
A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe:
Quanto aos requisitos etário e contributivo estabelecidos pela EC nº 20/98, em seu art. 9º, temos:
Dessa forma, com o advento da emenda constitucional em questão, extinguiu-se a aposentadoria proporcional para os segurados que se filiaram ao RGPS a partir de então (16 de dezembro de 1998), assegurada, no entanto, essa modalidade de benefício para aqueles já ingressos no sistema, desde que preencham o tempo de contribuição, idade mínima e tempo adicional nela previstos.
Oportuno registrar que o atendimento às denominadas "regras de transição" deve se dar de forma cumulativa e a qualquer tempo, bastando ao segurado, para tanto, ser filiado ao sistema por ocasião da alteração legislativa em comento.
A esse respeito, confira-se o escólio de Alexandre de Moraes, em sua festejada obra "Direito Constitucional", Ed. Atlas, 31ª ed., pg. 865/866:
Outro não é o entendimento da mais abalizada doutrina sobre o assunto:
Sacramentando a tese de que as exigências contempladas nas regras de transição podem ser cumpridas pelo segurado em momento posterior à edição da EC nº 20/98, destaco excerto, a contrario sensu, contido no voto proferido por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 837.731/SP, in verbis:
Vale lembrar que a intenção do legislador fora a de preservar tanto o direito adquirido dos segurados que tivessem condições para a jubilação, como a expectativa de direito daqueles já participantes do sistema. É o que revela a "Exposição de Motivos" que integrou a proposta enviada ao Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº 20/98, cujo trecho destaco:
Por fim, consigne-se que o próprio INSS disciplinou, internamente, a questão da cumulatividade, conforme orientação expressa no art. 223, II, da Instrução Normativa nº 45/2010.
Conforme planilha anexa, procedendo ao cômputo do labor rural reconhecido nesta demanda, acrescido dos períodos de trabalho considerados incontroversos - incluídos os recolhimentos efetuados como "contribuinte individual" (constantes das laudas de pesquisa ao sistema CNIS, fls. 61/64, 72/75, 112/114 e 129, e de tabelas confeccionadas pelo INSS, fls. 65/66), verifica-se que a parte autora, na data do ajuizamento da demanda (15/07/2010), contava com 29 anos, 09 meses e 16 dias de tempo laboral, tendo, portanto, direito adquirido ao benefício de aposentadoria proporcional por tempo de serviço/contribuição pelas regras permanentes posteriores à citada Emenda Constitucional, cumpridos, pois, o pedágio necessário e o requisito etário (48 anos, para o sexo feminino) - este último, atingido em 19/01/2008, eis que nascida em 19/01/1960 (fl. 13).
O requisito carência restou também comprovado, mediante elementos extraídos da pesquisa ao CNIS, já referida.
O marco inicial do benefício fica estabelecido na data da citação (26/10/2010), momento da resistência à pretensão da parte autora.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Isenta-se a Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais.
Ante o exposto, de ofício, anulo a r. sentença de 1º grau, por se tratar de sentença citra petita e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente a ação, para reconhecer o labor rural no intervalo de 19/01/1972 a 31/12/1984, e condenar o INSS no pagamento e implantação do benefício de "aposentadoria proporcional por tempo de contribuição", pelas regras permanentes da EC nº 20/98, desde a data da citação (26/10/2010), estabelecendo que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e para que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, sejam fixados de acordo com o mesmo Manual, fixando a verba honorária em 10% sobre as parcelas vencidas, contadas estas até a data de prolação da sentença, isentando, por fim, a autarquia das custas processuais, restando, por fim, prejudicado o recurso de apelação do INSS.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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