
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007713-98.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO DOS SANTOS SOUSA - SP227621-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007713-98.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO DOS SANTOS SOUSA - SP227621-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora):
Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a concessão da aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de atividade laborado em condições especiais, sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se a autarquia previdenciária a reconhecer a atividade especial nos períodos de 01/05/1987 a 03/05/1989 e de 04/07/1989 a 17/04/2017 e a conceder o benefício de aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (17/04/2017), com correção monetária e juros de mora, além de honorários advocatícios, fixados conforme o art. 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil, no percentual legal mínimo (artigo 85, § 3º), consideradas as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ, devendo o percentual ser ajustado na fase da liquidação da sentença. Foi concedida a tutela antecipada.
A r. sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, pugnando pelo reexame necessário, bem como pela revogação da tutela antecipada. No mérito, pede a reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a ausência dos requisitos legais para a concessão do benefício. Subsidiariamente, pede a alteração da forma de incidência da correção monetária, bem como da verba honorária.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007713-98.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO DOS SANTOS SOUSA - SP227621-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora):
Inicialmente, recebo o recurso de apelação do INSS, haja vista que tempestivo, nos termos do artigo 1.010 do novo Código de Processo Civil.
Com fundamento no inciso I do § 3º do artigo 496 do atual Código de Processo Civil, já vigente à época da prolação da r. sentença, a remessa necessária não se aplica quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
Verifico que a sentença se apresentou ilíquida, uma vez que julgou procedente o pedido inicial para condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício e pagar diferenças, sem fixar o valor efetivamente devido. Esta determinação, na decisão de mérito, todavia, não impõe que se conheça da remessa necessária, uma vez que o proveito econômico daquela condenação não atingirá o valor de mil salários mínimos ou mais.
Observo que esta Corte vem firmando posicionamento no sentido de que, mesmo não sendo de valor certo, quando evidente que o proveito econômico da sentença não atingirá o limite de mil salários mínimos resta dispensada a remessa necessária, com recorrente não conhecimento de tal recurso de ofício (Apelação/Reexame Necessário nº 0003371-69.2014.4.03.6140 – Relator Des. Fed. Paulo Domingues; Apelação/Remessa Necessária nº 0003377-59.2015.4.03.6102/SP – Relator Des. Fed. Luiz Stefanini; Apelação/Reexame Necessário nº 5882226-31.2019.4.03.9999 – Relator Des. Fed. Newton de Lucca).
Assim sendo, incabível o reexame necessário.
Quanto ao pedido de revogação da tutela antecipada, formulado no recurso de apelação do INSS, trata-se de questão eminentemente de cunho instrumental, secundária, relativa à garantia do resultado prático e imediato do provimento jurisdicional que concedeu benefício. Em sendo assim, é pertinente examinar primeiro a questão principal, que é aquela relativa à concessão do benefício, para depois se enfrentar a questão secundária, relativa à tutela específica, não constituindo, assim, objeção processual.
Superadas tais questões, passo à análise do mérito.
No tocante ao reconhecimento da atividade especial, é firme a jurisprudência no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização do denominado trabalho em regime especial é a vigente no período em que a atividade a ser considerada foi efetivamente exercida.
Para a verificação do tempo de serviço em regime especial, no caso, deve ser levada em conta a disciplina estabelecida pelos Decretos nºs 83.080/79 e 53.831/64.
Salvo no tocante aos agentes físicos ruído e calor, a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser obrigatória a partir de 05/03/1997, data da publicação do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou a Lei nº 9.032/95 e a MP 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97.
Contudo, acompanhando posicionamento adotado nesta 10ª Turma, no sentido de que em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10/12/1997, entendo que a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser exigência legal a partir de 11/12/1997, nos termos da referida lei, que alterou a redação do § 1º do artigo 58 da Lei nº 8.213/91. Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp nº 422616/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 02/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 323; REsp nº 421045/SC, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 06/05/2004, DJ 28/06/2004, p. 382.
Todavia, não se exige que a profissão do segurado seja exatamente uma daquelas descritas nos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, sendo suficiente para reconhecimento da atividade especial que o trabalhador esteja sujeito, em sua atividade, aos agentes agressivos descritos em referido anexo, na esteira de entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica dos fragmentos de ementas a seguir transcritos:
"A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o rol de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas é exemplificativo, pelo que, a ausência do enquadramento da atividade desempenhada não inviabiliza a sua consideração para fins de concessão de aposentadoria."
(REsp nº 666479/PB, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 668);"Apenas para registro, ressalto que o rol de atividades arroladas nos Decretos n.os 53.831/64 e 83.080/79 é exemplificativo, não existindo impedimento em considerar que outras atividades sejam tidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que devidamente comprovadas por laudo pericial."
(REsp nº 651516/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. 07/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 291).
No presente caso, a parte autora demonstrou haver laborado em atividade especial nos períodos de 01/05/1987 a 03/05/1989 e de 04/07/1989 a 17/04/2017. É o que comprovam os Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPPs, elaborados nos termos dos arts. 176 a 178, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 11 de outubro de 2007 (DOU - 11/10/2007) e art. 68, § 2º, do Decreto nº 3.048/99 (ID 61076907 – págs. 20/21), trazendo a conclusão de que a parte autora desenvolveu sua atividade profissional, como tratador de cavalos, com exposição a agentes biológicos. Referidos agentes agressivos encontram classificação nos códigos 1.1.3 e 1.3.1 do Decreto nº 53.831/64 e códigos 1.3.1 e 1.3.2 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, em razão da habitual e permanente exposição aos agentes ali descritos.
Ressalte-se que a atividade que envolve agentes biológicos em trabalhos e operações em contato permanente com carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose), é considerada insalubre em grau máximo, bem assim os trabalhos e operações em contato permanente com pacientes, animais ou com material infecto-contagiante em hospitais, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados ao atendimento e tratamento de animais, estábulos e cavalariças, é insalubre em grau médio (Anexo 13, NR 15, Portaria 3214/78).
O artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732, de 11/12/1998, dispõe que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será efetuada nos termos da legislação trabalhista.
O art. 194 da CLT aduz que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente. Portanto, retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários.
Por sua vez, o art. 195 da CLT estabelece: A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo do Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o ARE 664.335/SC, em 04/12/2014, publicado no DJe de 12/02/2015, da relatoria do Ministro LUIZ FUX, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, fixou o entendimento de que "
o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. (...) Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete."
Com relação ao fornecimento de equipamento de proteção individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente e retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários. E, no caso dos autos, o uso de equipamento de proteção individual, por si só, não descaracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que não restou comprovada a eliminação da insalubridade do ambiente de trabalho do segurado. As informações trazidas no PPP não são suficientes para aferir se o uso do equipamento de proteção individual eliminou/neutralizou ou somente reduziu os efeitos do agente insalubre no ambiente de trabalho.
Assim, na data do requerimento administrativo, a parte autora alcançou mais de 25 (vinte e cinco) anos de tempo de serviço especial, sendo, portanto, devida a aposentadoria especial, conforme o artigo 57 da Lei nº 8.213/91.
Atente-se que quanto à possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde, o Colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do R.Ext. 791961, em sessão Plenária do dia 08/06/2020, assim decidiu:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli (Presidente e Relator), apreciando o tema 709 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão".
Conforme extrato do CNIS juntado aos autos, revelou-se que a parte autora continuou empregada no Clube Hípico de Santo Amaro (ID 61076916 - Pág. 1), posteriormente à data do requerimento administrativo da aposentadoria especial.
Dessa forma, se ao optar pelo benefício que entender ser mais vantajoso e tal opção recair no benefício concedido nesta demanda, a parte autora deverá cessar o exercício da atividade especial.
Assim, caberá ao INSS, após a implantação do benefício de aposentadoria especial, com termo inicial e efeitos financeiros fixados a partir da data de requerimento administrativo, adotar as medidas administrativas pertinentes para, caso se verifique a continuidade do labor ou retorno do segurado à atividade especial, cessar o benefício previdenciário, nos termos do art. 46 e art. 57, §8º, da Lei n. 8.213/1991, observado o decidido pelo E. STF no tema 709 da repercussão geral.
Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do Novo Código de Processo Civil/2015, e da Súmula 111 do STJ.
A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final do RE 870.947/SE em Repercussão Geral.
No que tange à determinação de implantação do benefício, os seus efeitos devem ser mantidos. Tendo sido, em sede recursal, reconhecido o direito da parte autora de receber o benefício, não haveria qualquer senso, sendo até mesmo contrário aos princípios da razoabilidade e da efetividade do processo, cassar-se a medida e determinar a devolução de valores para que a parte autora, em seguida, obtenha-os de volta mediante precatório. Por tais razões, mantenho os efeitos da tutela específica de que trata o mencionado artigo 497 do novo Código de Processo Civil.
Diante do exposto,
DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS
, para esclarecer as condições relativas à implantação do benefício e à continuidade do trabalho em condições especiais, bem como para especificar a forma de incidência da verba honorária, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE URBANA ESPECIAL. LAUDO TÉCNICO OU PPP. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONTINUIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. É firme a jurisprudência no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização do denominado trabalho em regime especial é a vigente no período em que a atividade a ser considerada foi efetivamente exercida.
2. Salvo no tocante aos agentes físicos ruído e calor, é inexigível laudo técnico das condições ambientais de trabalho para a comprovação de atividade especial até o advento da Lei nº 9.528/97, ou seja, até 10/12/97. Precedentes do STJ.
3. Comprovada a atividade insalubre por meio de laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP por mais de 25 (vinte e cinco) anos, é devida a aposentadoria especial.
4. Caberá ao INSS, após a implantação do benefício de aposentadoria especial, com termo inicial e efeitos financeiros fixados a partir da data de requerimento administrativo, adotar as medidas administrativas pertinentes para, caso se verifique a continuidade do labor ou retorno do segurado à atividade especial, cessar o benefício previdenciário, nos termos do art. 46 e art. 57, §8º, da Lei n. 8.213/1991, observado o decidido pelo E. STF no tema 709 da repercussão geral.
5. Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do Novo Código de Processo Civil/2015, e da Súmula 111 do STJ.
6. Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
