Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002803-43.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 02/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA PARCIAL DE INTERESSE RECURSAL. AUXÍLIO-DOENÇA.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E DEFINITIVA PARA O
TRABALHO. MATÉRIA INCONTROVERSA. SEGURADO ESPECIAL. RURÍCOLA. REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL SUFICIENTE. SÚMULA 149, STJ.
PROVA TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. QUALIDADE DE SEGURADO
DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
DEVIDA. DIB. DATA DO EXAME MÉDICO. SÚMULA 576, STJ. EXCEPCIONALIDADE.
VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. APELAÇÃO DO INSS CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA,
PARCIALMENTE PROVIDA. DIB MODIFICADA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE
APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA. SENTENÇA
REFORMADA EM PARTE.
1 - Não conhecido parte do apelo autárquico, no que toca ao pedido de redução da verba
honorária, eis que a r. sentença de 1º grau relegou o estabelecimento do seu montante à fase de
liquidação do julgado, restando evidente a ausência de interesse recursal no particular.
2 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
3 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
5 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
7 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
9 - A incapacidade total e definitiva para o trabalho restou incontroversa nos autos, na medida em
que o INSS não impugnou o capítulo da sentença que a reconheceu, nem o decisum foi
submetido à remessa necessária.
10 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova
exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
11 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que
se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por
prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da
7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem ser
contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido
produzidos de forma espontânea, no passado.
12 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de
que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele
retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que
tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
13 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
14 - A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido início de prova material.
15 - Realizada audiência de instrução e julgamento, em 29 de agosto de 2018, foram colhidos o
depoimento pessoal do requerente e de 2 (duas) testemunhas por ele arroladas, sendo que os
últimos ampliaram a eficácia probatória dos documentos indicativos do labor rural, exercido em
regime de economia familiar, pelo primeiro, de modo que é possível concluir que ele
desempenhou tal atividade durante toda a sua vida, e somente a interrompeu em decorrência do
mal de que é portador.
16 - Impende salientar que o imóvel, cuja posse lhe foi cedida por seu genitor, possui uma área
total, em hectares, de aproximadamente 1,2. Tendo em vista que o módulo fiscal do Município de
Apiaí/SP, localidade da gleba, é de 16 ha², conforme consulta ao site do INCRA, se mostra
inquestionável que o imóvel é inferior a 4 (quatro) módulos fiscais para os fins do disposto no art.
11, VII, “a)”, 1, da Lei 8.213/91.
17 - Cumpridos os requisitos carência e qualidade de segurado, quando do surgimento da
incapacidade total e definitiva para o trabalho, se mostra mesmo acertada a concessão de
aposentadoria por invalidez (art. 42 da Lei 8.213/91).
18 - Acerca da data de início do benefício (DIB), o entendimento consolidado do E. STJ é de que,
"ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da
aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida" (Súmula 576).
19 - É bem verdade que, em hipóteses excepcionais, o termo inicial do benefício pode ser fixado
com base na data do exame, nos casos, por exemplo, em que a data de início da incapacidade
(DII) é estabelecida após a DER e a citação autárquica, até porque, entender o contrário, seria
conceder o benefício ao arrepio da lei, isto é, antes da presença dos requisitos autorizadores para
a sua concessão, o que configuraria inclusive enriquecimento ilícito do postulante.
20 - No caso em apreço, o início da incapacidade (06/2016) se deu após a apresentação do
requerimento administrativo (23.10.2014) e a citação autárquica (28.10.2015), sendo de rigor a
fixação da DIB na data do exame pericial, isto é, em 20.03.2017.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Apelação do INSS conhecida em parte e, na parte conhecida, parcialmente provida. DIB
modificada. Alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora.
Sentença reformada em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002803-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDIR DO CARMO SANTIAGO
Advogado do(a) APELADO: MARCOS JASOM DA SILVA PEREIRA - SP286251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002803-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDIR DO CARMO SANTIAGO
Advogado do(a) APELADO: MARCOS JASOM DA SILVA PEREIRA - SP286251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por VALDIR DO CARMO SANTIAGO, objetivando a concessão de auxílio-doença
ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de aposentadoria por invalidez, desde a data do início da incapacidade apontada
pelo expert, isto é, desde 03.06.2016 (ID 101940681, p. 83-84). Fixou correção monetária e
juros de mora de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal. Condenou o INSS, ainda, no pagamento dos honorários advocatícios, cujo
montante deverá ser arbitrado em sede de liquidação. Por fim, determinou a imediata
implantação do benefício, deferindo o pedido de tutela antecipada (ID 101940681, p. 111-117).
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que o autor
não preencheu os requisitos qualidade de segurado e carência, não fazendo jus nem a
aposentadoria por invalidez, nem a auxílio-doença. Subsidiariamente, requer a fixação da DIB
na data da juntada do laudo pericial aos autos, bem como a alteração dos critérios de aplicação
da correção monetária e dos juros de mora e, por fim, a redução dos honorários advocatícios
(ID 101940681, p. 127-136).
O demandante apresentou contrarrazões (ID 101940681, p. 141-144).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002803-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDIR DO CARMO SANTIAGO
Advogado do(a) APELADO: MARCOS JASOM DA SILVA PEREIRA - SP286251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Por primeiro, deixo de conhecer de parte do apelo autárquico, no que toca ao pedido de
redução da verba honorária, eis que a r. sentença de 1º grau relegou o estabelecimento do seu
montante à fase de liquidação do julgado, restando evidente a ausência de interesse recursal
no particular.
Passo à análise do mérito.
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no
Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão
ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar,
a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-
doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
A incapacidade total e definitiva para o trabalho restou incontroversa nos autos, na medida em
que o INSS não impugnou o capítulo da sentença que a reconheceu, nem o decisum foi
submetido à remessa necessária.
Passo, portanto, agora, a analisar apenas os requisitos carência e qualidade de segurado.
O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal.
Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
A exigência de documentos comprobatórios do labor para todos os anos do período que se
pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por
prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o
raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
"AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. REQUISITOS
NÃO DEMONSTRADOS. 1. (...). 3. Não se exige que a prova material se estenda por todo o
período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em
que foi constituído o documento(...)" (APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO nº
0008835-06.2015.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Paulo Domingues, j. 30/11/2015, e-DJF3 Judicial 1
DATA:07/12/2015 - grifos nossos).
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO.
CÔMPUTO DE TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO JULGADO. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...)
2) não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de carência
estabelecido pelo artigo 143 da Lei 8.213/1991, desde que a prova testemunhal amplie sua
eficácia probatória. (...)" (AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014 - grifos nossos).
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver
comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do
RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil,
assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural
exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos
como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal
idônea. Por analogia, se aplica também tal entendimento ao tempo de pesca artesanal.
Nessa senda, quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia
familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, nos
seguintes termos:
"Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(omissis)
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado
urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda
que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro
outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do
caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal
meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal
meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este
equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente,
trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§1º - Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos
membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento
socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e
colaboração, sem a utilização de empregados permanentes" (grifos nossos).
Para fazer prova da qualidade de segurado especial, na condição de pequeno produtor rural,
colacionou aos autos os seguintes documentos:
a) certidões de casamentos, ocorridos em 19.12.1987 e 21.12.2013, nas quais está qualificado
como “lavrador” (ID 101940681, p. 15 e 18);
b) certidões de nascimentos de seus filhos, datados de 01.01.1999 e 10.07.2002, nas quais
possui idêntica qualificação (ID 101940681, p. 16-17);
c) CTPS com vínculo de natureza rural anotado, de 02.05.1988 a 25.01.1991, junto à
COMERCIAL BARRAVENTO LTDA. (ID 101940681, p. 19-20);
d) declaração de exercício de atividade campesina, certificado pelo Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Apiaí/SP, relativa ao período entre 23.04.2012 e 20.08.2014 (ID
101940681, p. 22-23);
e) comprovante de contribuição para o referido Sindicato, relativa ao exercício de 2012 (ID
101940681, p. 24);
f) declaração de aptidão ao PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar, em seu nome, emitida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 23.04.2012, e
com validade até 23.04.2018 (ID 101940681, p. 25-26);
g) nota fiscal de compra de abóbora seca, emitida em 17.03.2015, na qual o demandante
encontra-se qualificado como “produtor” (ID 101940681, p. 27);
h) e, por fim, instrumento particular de comodato de terras, de área equivalente a 1,2 ha², de
17.12.2014, em que está qualificado como comodatário, (ID 101940681, p. 33)
Realizada audiência de instrução e julgamento, em 29 de agosto de 2018 (ID 101940681, p.
109-110 e 118-121), foram colhidos o depoimento pessoal do requerente e de 2 (duas)
testemunhas por ele arroladas.
URIAS CONCEIÇÃO afirmou que o demandante trabalhava na roça, nas culturas de milho,
feijão, etc. Disse que ele trabalhava em terreno do seu genitor, e que seus filhos também
ajudavam na lide campesina, sem o auxílio de empregados. Segundo informa, trata-se de uma
pequena propriedade, menor que um alqueire. Por fim, relatou que o requerente havia deixado
de trabalhar há cerca de um ano e 7 (sete) meses, por causa dos seus problemas de saúde.
VANILDE CARLOS CORREA atestou que o autor laborava com lavoura, na propriedade de seu
pai. Assevera que a gleba rural não era muito grande. A família trabalhava na terra, sem
empregados e sem maquinário. Também afirma que o demandante havia parado de trabalhar
há cerca um ano e 7 (sete) meses, por causa dos seus problemas de saúde.
Note-se que os depoimentos testemunhais ampliam a eficácia probatória dos documentos
indicativos do labor rural, exercido em regime de economia familiar, de modo que é possível
concluir que o autor desempenhou tal atividade durante toda a sua vida, como confirmaram ter
o mesmo a interrompido, em decorrência do mal de que é portador.
Impende salientar que o imóvel, cuja posse lhe foi cedida por seu genitor, possui uma área total,
em hectares, de aproximadamente 1,2 (ID 101940681, p. 33). Tendo em vista que o módulo
fiscal do Município de Apiaí/SP, localidade da gleba, é de 16 ha², conforme consulta ao site do
INCRA, se mostra inquestionável que o imóvel é inferior a 4 (quatro) módulos fiscais para os
fins do disposto no art. 11, VII, “a)”, 1, da Lei 8.213/91.
Cumpridos, a meu julgar, os requisitos carência e qualidade de segurado, quando do
surgimento da incapacidade total e definitiva para o trabalho, se mostra mesmo acertada a
concessão de aposentadoria por invalidez (art. 42 da Lei 8.213/91).
Acerca da data de início do benefício (DIB), o entendimento consolidado do E. STJ é de que,
"ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da
aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida" (Súmula
576).
É bem verdade que, em hipóteses excepcionais, o termo inicial do benefício pode ser fixado
com base na data do exame, nos casos, por exemplo, em que a data de início da incapacidade
(DII) é estabelecida após a DER e a citação autárquica, até porque, entender o contrário, seria
conceder o benefício ao arrepio da lei, isto é, antes da presença dos requisitos autorizadores
para a sua concessão, o que configuraria inclusive enriquecimento ilícito do postulante.
No caso em apreço, o início da incapacidade (06/2016 - ID 101940681, p. 83-84) se deu após a
apresentação do requerimento administrativo (23.10.2014 - ID 101940681, p. 36) e a citação
autárquica (28.10.2015 - ID 101940681, p. 41), sendo de rigor a fixação da DIB na data do
exame pericial, isto é, em 20.03.2017.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto, conheço parcialmente da apelação do INSS e, na parte conhecida, dou-lhe
parcial provimento para fixar a DIB da aposentadoria por invalidez na data do exame pericial, de
20.03.2017, bem como para que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício
requisitório, sejam fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, e, por fim, de ofício,
determino que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com
o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos
índices de variação do IPCA-E.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA PARCIAL DE INTERESSE RECURSAL. AUXÍLIO-DOENÇA
. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E DEFINITIVA PARA O
TRABALHO. MATÉRIA INCONTROVERSA. SEGURADO ESPECIAL. RURÍCOLA. REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL SUFICIENTE. SÚMULA 149, STJ.
PROVA TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. QUALIDADE DE SEGURADO
DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA DO EXAME MÉDICO. SÚMULA 576, STJ.
EXCEPCIONALIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS CONHECIDA EM PARTE E, NA
PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDA. DIB MODIFICADA. ALTERAÇÃO DOS
CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA.
SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1 - Não conhecido parte do apelo autárquico, no que toca ao pedido de redução da verba
honorária, eis que a r. sentença de 1º grau relegou o estabelecimento do seu montante à fase
de liquidação do julgado, restando evidente a ausência de interesse recursal no particular.
2 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
3 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
5 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
7 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do
art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º
estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12
(doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo
registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
9 - A incapacidade total e definitiva para o trabalho restou incontroversa nos autos, na medida
em que o INSS não impugnou o capítulo da sentença que a reconheceu, nem o decisum foi
submetido à remessa necessária.
10 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
11 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
12 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
13 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
14 - A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido início de prova material.
15 - Realizada audiência de instrução e julgamento, em 29 de agosto de 2018, foram colhidos o
depoimento pessoal do requerente e de 2 (duas) testemunhas por ele arroladas, sendo que os
últimos ampliaram a eficácia probatória dos documentos indicativos do labor rural, exercido em
regime de economia familiar, pelo primeiro, de modo que é possível concluir que ele
desempenhou tal atividade durante toda a sua vida, e somente a interrompeu em decorrência
do mal de que é portador.
16 - Impende salientar que o imóvel, cuja posse lhe foi cedida por seu genitor, possui uma área
total, em hectares, de aproximadamente 1,2. Tendo em vista que o módulo fiscal do Município
de Apiaí/SP, localidade da gleba, é de 16 ha², conforme consulta ao site do INCRA, se mostra
inquestionável que o imóvel é inferior a 4 (quatro) módulos fiscais para os fins do disposto no
art. 11, VII, “a)”, 1, da Lei 8.213/91.
17 - Cumpridos os requisitos carência e qualidade de segurado, quando do surgimento da
incapacidade total e definitiva para o trabalho, se mostra mesmo acertada a concessão de
aposentadoria por invalidez (art. 42 da Lei 8.213/91).
18 - Acerca da data de início do benefício (DIB), o entendimento consolidado do E. STJ é de
que, "ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da
aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida" (Súmula
576).
19 - É bem verdade que, em hipóteses excepcionais, o termo inicial do benefício pode ser
fixado com base na data do exame, nos casos, por exemplo, em que a data de início da
incapacidade (DII) é estabelecida após a DER e a citação autárquica, até porque, entender o
contrário, seria conceder o benefício ao arrepio da lei, isto é, antes da presença dos requisitos
autorizadores para a sua concessão, o que configuraria inclusive enriquecimento ilícito do
postulante.
20 - No caso em apreço, o início da incapacidade (06/2016) se deu após a apresentação do
requerimento administrativo (23.10.2014) e a citação autárquica (28.10.2015), sendo de rigor a
fixação da DIB na data do exame pericial, isto é, em 20.03.2017.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Apelação do INSS conhecida em parte e, na parte conhecida, parcialmente provida. DIB
modificada. Alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora.
Sentença reformada em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer parcialmente da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar-
lhe parcial provimento para fixar a DIB da aposentadoria por invalidez na data do exame
pericial, de 20.03.2017, bem como para que os juros de mora, incidentes até a expedição do
ofício requisitório, sejam fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para
os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, e, por fim, de ofício,
determinar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo
com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
