Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000638-35.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/11/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE DEFERIDO. SENTENÇA
EXTRA PETITA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA, ART. 492, CPC. NULIDADE.
POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DA CAUSA. ART. 1.013, §3º, II, CPC. AUXÍLIO-
DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA
DEMONSTRADAS. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA AS ATIVIDADES HABITUAIS.
REABILITAÇÃO. POSSIBILIDADE. LAUDO MÉDICO. INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO
SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA
À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O
PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO
MAGISTRADO. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO. DIB. DATA DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. SÚMULA 576, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
SENTENÇA ANULADA. ANÁLISE DO MÉRITO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. APELO DA
PARTE AUTORA PREJUDICADO.
1 - É vedado ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do
pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC.
2 - Da análise da inicial, verifica-se que a autora propôs a presente ação postulando a concessão
de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Ocorre que o magistrado de
primeiro grau julgou procedente o pedido para conceder o benefício de auxílio-acidente. Ou seja,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
trata-se de pedido diverso daquele que foi deduzido pela demandante.
3 - Desta forma, constata-se que a sentença é extra petita, eis que fundada em situação diversa
daquela alegada na inicial, restando violado o princípio da congruência insculpido no já
mencionado art. 492 do CPC. Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência
traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, eis que concede algo não pedido, e do
contraditório, na medida em que impede a parte contrária de se defender daquilo não postulado.
4 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições para
tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do CPC. As partes se manifestaram sobre os
benefícios efetivamente postulados e apresentaram as provas específicas, de forma que, diante
do conjunto probatório e do regular exercício das garantias constitucionais, a causa encontra-se
madura para julgamento.
5 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
6 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
7 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
8 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
9 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
10 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
11 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
12 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 11 de setembro de 2017, consignou o seguinte: “A periciada é portadora de
Dor Articular (CID10 M25) / Síndrome do Túnel do Carpo (CID10 G56) / processo inflamatório
crônico por compressão do nervo mediano ao nível do punho direito. Em razão do exposto e:
Considerando a idade da periciada (51 anos); Considerando o nível de escolaridade (ensino
médio incompleto); Considerando o diagnóstico (doença inflamatória crônica), prognóstico
(evolução clínica desfavorável), o tratamento realizado; Considerando a profissiografia
(cozinheira) e suas demandas laborativas que requerem postura forçada e movimentos repetitivos
de ciclos curtos com os membros superiores; Considerando a natureza e grau de deficiência ou
disfunção produzida pela doença/sequela/lesão; A periciada apresenta Incapacidade Laborativa
Parcial e Permanente. Incapaz para exercer a ocupação habitual declarada de cozinheira e
demais atividades laborativas que requeiram postura forçada e movimentos repetitivos de ciclos
curtos com os membros superiores. Capaz para exercer demais atividades ocupacionais tipo
copeira, arrumadeira, recepcionista, vendedora e similares. Data do início da incapacidade:
22/05/2014; considerando atestado de saúde ocupacional à fl. 7 do laudo. Data do início da
doença: 01/11/2013; considerando Laudo médico pericial/INSS à fl. 49 dos autos”.
13 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
14 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico
da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises
que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica
merece confiança e credibilidade.
15 - Portanto, a demandante se encontra incapacitada de maneira definitiva para suas atividades
profissionais pretéritas (“rurícola”, “empregada doméstica” e “cozinheira”), porém, apresenta
possibilidade de reabilitação para outras funções, fazendo jus à concessão de auxílio-doença, nos
exatos termos dos arts. 59 e 62 da Lei 8.213/91.
16 - O preenchimento dos requisitos carência e qualidade de segurado é incontroverso.
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato segue
anexo aos autos, dão conta que a requerente verteu recolhimentos para o RGPS, como
empregada doméstica, de 01.04.2004 a 31.10.2004 e de 01.05.2011 a 31.12.2011, e, por fim, de
01.01.2014 a 30.09.2014, já como segurada empregada.
17 - Assim, ao tempo do início do impedimento (05/2014), para além da qualidade de segurado,
ela também havia implementado a carência de 4 (quatro) contribuições previdenciárias, exigidas à
época, para fins de concessão de benefício por incapacidade, em caso de reingresso no RGPS
(arts. 24, parágrafo único, e 25, I, da Lei 8.213/91, em sua redação originária).
18 - Nem se alegue, outrossim, que a incapacidade preexiste à sua nova filiação ocorrida em
01/2014.
19 - A uma, porque o vistor oficial expressamente assinalou que a incapacidade da autora surgiu
em maio de 2014 (DII). O fato de ter mencionado que a patologia se iniciou em 2013 (DID) não
afasta tal conclusão, ao contrário, indica que o quadro foi se agravando ao longo de tempo e que
quando surgiu o impedimento ela já era segurada da Previdência e tinha cumprido com a
carência legal, enquadrando-se na hipótese descrita no art. 59, §1º, da Lei 8.213/91. A duas,
porque não reingressou no RGPS como contribuinte individual ou segurada facultativa, como sói
acontecer nos casos de filiação oportunista, mas sim em virtude de vínculo empregatício anotado
em CTPS.
20 - No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só tem vez quando o
segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação
habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a constatação,
haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação profissional, nos
exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91. Nessa senda, uma vez concedido e dada sua
natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado,
ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou aposentadoria por invalidez, sendo
necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do segurado, o que se dá por meio da
realização de perícias periódicas por parte da autarquia, conforme previsão expressa contida no
art. 101 da Lei nº 8.213/91, observando-se, ainda, a sistemática da cobertura previdenciária
estimada (“COPES”), prevista no §9º do art. 60 do mesmo diploma legislativo. Descabe, ainda,
cogitar-se da impossibilidade de cessação do benefício, sem a realização de procedimento
reabilitatório, caso a perícia administrativa constate o restabelecimento da capacidade laboral
para o trabalho habitual, uma vez que esse dever decorre de imposição de Lei. Por fim, eventual
alegação de agravamento do quadro de saúde e concessão de nova benesse, por se tratar de
situação fática diversa, deve ser objeto de novo pedido administrativo ou judicial, sob pena de
eternização desta lide.
21 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em
26.06.2014, de rigor a fixação do auxílio-doença nesta data.
22 - Não fixada uma DCB prévia para a benesse, pois não se visualiza uma data de recuperação
certa para a demandante, sobretudo, porque é portadora de males degenerativos que se
caracterizam por períodos alternados de melhora e piora. Ademais, muito provavelmente deverá
ser encaminhada para reabilitação profissional, o que também é um fator de indeterminabilidade
acerca da sua recuperação. Tudo isso, é claro, desde que siga os procedimentos previstos nos já
mencionados arts. 60, §9º, 62 e 101, todos da Lei 8.213/91, inclusive a apresentação de
requerimentos administrativos sucessivos para prorrogação do auxílio-doença (períodos de 120
dias), sob pena de cessação da benesse.
23 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
24 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
25 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
26 - Apelação do INSS provida. Sentença anulada. Análise do mérito. Ação julgada procedente.
Apelo da parte autora prejudicado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000638-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ANGELA MARIA SANCHES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELANTE: PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A,
HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, GUILHERME FERREIRA DE BRITO - MS9982-A,
GLAUCIA DINIZ DE MORAES - MS16343-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANGELA MARIA SANCHES
Advogados do(a) APELADO: GUILHERME FERREIRA DE BRITO - MS9982-A, HENRIQUE DA
SILVA LIMA - MS9979-A, GLAUCIA DINIZ DE MORAES - MS16343-A, PAULO DE TARSO
AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000638-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ANGELA MARIA SANCHES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELANTE: PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A,
HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, GUILHERME FERREIRA DE BRITO - MS9982-A,
GLAUCIA DINIZ DE MORAES - MS16343-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANGELA MARIA SANCHES
Advogados do(a) APELADO: GUILHERME FERREIRA DE BRITO - MS9982-A, HENRIQUE DA
SILVA LIMA - MS9979-A, GLAUCIA DINIZ DE MORAES - MS16343-A, PAULO DE TARSO
AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas por ÂNGELA MARIA SANCHES e pelo INSTITUTO
NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada pela primeira, objetivando a
concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de auxílio-acidente, desde a data do início da incapacidade apontada pelo
expert, ou seja, desde 22.05.2014 (ID 34866321, p. 91). Fixou correção monetária segundo o
IPCA-E e juros de mora nos termos do Manual de Orientação de Procedimento para os
Cálculos na Justiça Federal. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de custas processuais e
honorários advocatícios, os últimos arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas em atraso, contabilizadas até a data da sua prolação (ID 34866321, p. 107-114).
Em razões recursais, a autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que está
total e definitivamente incapacitada para o labor, fazendo jus à aposentadoria por invalidez (ID
34866321, p. 124-131).
O INSS também interpôs recurso de apelação, na qual pleiteia, preliminarmente, a anulação da
sentença, por ser extra petita, uma vez que não foi requerido o benefício concedido de auxílio-
acidente, mas sim auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. No mérito, sustenta que a
demandante não preenche os requisitos para a concessão de auxílio-acidente. Em sede
subsidiária, requer a fixação da DIB na data da juntada do laudo pericial aos autos, a alteração
dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora, bem como seja afastada
sua condenação no pagamento das custas (ID 34866321, p. 132-151).
Ambas as partes apresentaram contrarrazões (ID 34866321, p. 156-158 e 160-170).
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional
Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000638-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ANGELA MARIA SANCHES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELANTE: PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A,
HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, GUILHERME FERREIRA DE BRITO - MS9982-A,
GLAUCIA DINIZ DE MORAES - MS16343-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANGELA MARIA SANCHES
Advogados do(a) APELADO: GUILHERME FERREIRA DE BRITO - MS9982-A, HENRIQUE DA
SILVA LIMA - MS9979-A, GLAUCIA DINIZ DE MORAES - MS16343-A, PAULO DE TARSO
AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Por primeiro, saliento que é vedado ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra
petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC.
Da análise da inicial, verifico que a autora propôs a presente ação postulando a concessão de
benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Ocorre que o magistrado de primeiro grau julgou procedente o pedido para conceder o
benefício de auxílio-acidente.
Ou seja, trata-se de pedido diverso daquele que foi deduzido pela demandante.
Desta forma, reconheço que a sentença é extra petita, eis que fundada em situação diversa
daquela alegada na inicial, restando violado o princípio da congruência insculpido no já
mencionado art. 492 do CPC e, portanto, declaro a sua nulidade, acolhendo as razões
deduzidas pelo ente autárquico.
Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão
ao princípio da imparcialidade, eis que concede algo não pedido, e do contraditório, na medida
em que impede a parte contrária de se defender daquilo não postulado.
O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do CPC.
As partes se manifestaram sobre os benefícios efetivamente postulados e apresentaram as
provas específicas, de forma que, diante do conjunto probatório e do regular exercício das
garantias constitucionais, a causa encontra-se madura para julgamento.
Passo à análise do mérito.
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no
Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão
ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar,
a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-
doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 11 de setembro de 2017 (ID 34866321, p. 81-92), consignou o seguinte:
“A periciada é portadora de Dor Articular (CID10 M25) / Síndrome do Túnel do Carpo (CID10
G56) / processo inflamatório crônico por compressão do nervo mediano ao nível do punho
direito.
Em razão do exposto e:
Considerando a idade da periciada (51 anos);
Considerando o nível de escolaridade (ensino médio incompleto);
Considerando o diagnóstico (doença inflamatória crônica), prognóstico (evolução clínica
desfavorável), o tratamento realizado;
Considerando a profissiografia (cozinheira) e suas demandas laborativas que requerem postura
forçada e movimentos repetitivos de ciclos curtos com os membros superiores;
Considerando a natureza e grau de deficiência ou disfunção produzida pela
doença/sequela/lesão;
A periciada apresenta Incapacidade Laborativa Parcial e Permanente.
Incapaz para exercer a ocupação habitual declarada de cozinheira e demais atividades
laborativas que requeiram postura forçada e movimentos repetitivos de ciclos curtos com os
membros superiores.
Capaz para exercer demais atividades ocupacionais tipo copeira, arrumadeira, recepcionista,
vendedora e similares.
Data do início da incapacidade: 22/05/2014; considerando atestado de saúde ocupacional à fl. 7
do laudo.
Data do início da doença: 01/11/2013; considerando Laudo médico pericial/INSS à fl. 49 dos
autos”.
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu
do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre
convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou
científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos
robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto.
Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas
partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se
vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração
do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000,
Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo
Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
Portanto, a demandante se encontra incapacitada de maneira definitiva para suas atividades
profissionais pretéritas (“rurícola”, “empregada doméstica” e “cozinheira”), porém, apresenta
possibilidade de reabilitação para outras funções, fazendo jus à concessão de auxílio-doença,
nos exatos termos dos arts. 59 e 62 da Lei 8.213/91.
O preenchimento dos requisitos carência e qualidade de segurado é incontroverso. Informações
extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato segue anexo aos
autos (ID 34866321, p. 45-48), dão conta que a requerente verteu recolhimentos para o RGPS,
como empregada doméstica, de 01.04.2004 a 31.10.2004 e de 01.05.2011 a 31.12.2011, e, por
fim, de 01.01.2014 a 30.09.2014, já como segurada empregada.
Assim, ao tempo do início do impedimento (05/2014), para além da qualidade de segurado, ela
também havia implementado a carência de 4 (quatro) contribuições previdenciárias, exigidas à
época, para fins de concessão de benefício por incapacidade, em caso de reingresso no RGPS
(arts. 24, parágrafo único, e 25, I, da Lei 8.213/91, em sua redação originária).
Nem se alegue, outrossim, que a incapacidade preexiste à sua nova filiação ocorrida em
01/2014.
A uma, porque o vistor oficial expressamente assinalou que a incapacidade da autora surgiu em
maio de 2014 (DII). O fato de ter mencionado que a patologia se iniciou em 2013 (DID) não
afasta tal conclusão, ao contrário, indica que o quadro foi se agravando ao longo de tempo e
que quando surgiu o impedimento ela já era segurada da Previdência e tinha cumprido com a
carência legal, enquadrando-se na hipótese descrita no art. 59, §1º, da Lei 8.213/91.
A duas, porque não reingressou no RGPS como contribuinte individual ou segurada facultativa,
como sói acontecer nos casos de filiação oportunista, mas sim em virtude de vínculo
empregatício anotado em CTPS (ID 34866321, p. 16-19).
No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só tem vez quando o
segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação
habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a
constatação, haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação
profissional, nos exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91.
Nessa senda, uma vez concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício
de auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de
reabilitação ou aposentadoria por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das
condições clínicas do segurado, o que se dá por meio da realização de perícias periódicas por
parte da autarquia, conforme previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº 8.213/91,
observando-se, ainda, a sistemática da cobertura previdenciária estimada (“COPES”), prevista
no §9º do art. 60 do mesmo diploma legislativo.
Descabe, ainda, cogitar-se da impossibilidade de cessação do benefício, sem a realização de
procedimento reabilitatório, caso a perícia administrativa constate o restabelecimento da
capacidade laboral para o trabalho habitual, uma vez que esse dever decorre de imposição de
Lei.
Por fim, eventual alegação de agravamento do quadro de saúde e concessão de nova benesse,
por se tratar de situação fática diversa, deve ser objeto de novo pedido administrativo ou
judicial, sob pena de eternização desta lide.
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
Tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em 26.06.2014 (ID 34866321, p.
34), de rigor a fixação do auxílio-doença nesta data.
Deixo de fixar uma DCB prévia para a benesse, pois não visualizo uma data de recuperação
certa para a demandante, sobretudo, porque é portadora de males degenerativos que se
caracterizam por períodos alternados de melhora e piora. Ademais, muito provavelmente
deverá ser encaminhada para reabilitação profissional, o que também é um fator de
indeterminabilidade acerca da sua recuperação. Tudo isso, é claro, desde que siga os
procedimentos previstos nos já mencionados arts. 60, §9º, 62 e 101, todos da Lei 8.213/91,
inclusive a apresentação de requerimentos administrativos sucessivos para prorrogação do
auxílio-doença (períodos de 120 dias), sob pena de cessação da benesse.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Arbitro os honorários advocatícios no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo
com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas
as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que,
sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
No que tange às custas processuais, em se tratando de processo com tramitação perante a
Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul, deve ser observado o disposto na Lei Estadual n.º
3.779, de 11/11/2009, que em seu artigo 24, §1º, dispõe que a isenção do recolhimento da taxa
judiciária não se aplica ao INSS.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS para anular a r. sentença de 1º grau de
jurisdição e, consoante o disposto nos art. 1.013, §3º, II, do CPC, adentro no mérito da
demanda, para julgá-la procedente o pedido, condenando o ente autárquico na concessão e no
pagamento dos atrasados de auxílio-doença, desde a data da apresentação de requerimento
administrativo, que se deu em 26.06.2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de
acordo com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios, estes na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, restando, ao fim,
prejudicada a apelação da parte autora..
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Com fundamento na
ocorrência de julgamentoextra petita, o Ilustre Relator votou no sentido de declarar nula a
sentença que concedeu o benefício de auxílio-acidente e, com fulcro no artigo 515, parágrafo
3º, do CPC/2015,conceder o auxílio-doença com reabilitação profissional.
E, a par do respeito e da admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele divirjo, no tocante à
ocorrência de julgamentoextra petita.
Embora o benefício de auxílio-acidente não tenha sido o requerido na inicial, a conversão é
possível, desde que atendidos os requisitos legais. Essa flexibilização na análise do pedido e na
concessão do benefício não se confunde com julgamento extra ou ultra petita, mas decorre,
sim, da constatação do preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício pelo
autor da ação.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
O STJ tem entendimento consolidado de que, em matéria previdenciária, deve-se flexibilizar a
análise do pedido contido na petição inicial, não entendendo como julgamento "extra" ou "ultra
petita" a concessão de benefício diverso do requerido na inicial, desde que o autor preencha os
requisitos legais do benefício deferido.
(AgRg no REsp nº 1.305.049/RJ, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe
08/05/2012)
Não há nulidade por julgamento "extra petita" na sentença que, constatando o preenchimento
dos requisitos legais para tanto, concede aposentadoria por invalidez ao segurado que havia
requerido o pagamento de auxílio-doença. Precedentes.
(REsp nº 293.659/SC, 5ª Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJ 19/03/2001, pág. 138)
Cuidando-se de matéria previdenciária, o pleito contido na peça inaugural deve ser analisado
com certa flexibilidade. "In casu", postulada na inicial a concessão de aposentadoria por
invalidez ou auxílio-doença, incensurável a decisão judicial que reconhece o preenchimento dos
requisitos e concede ao autor o benefício assistencial de prestação continuada.
(REsp nº 847.587/SP, 5ª Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJe 01/12/2008)
Assim, também, é o entendimento desta Colenda Turma:
É firme a orientação desta Corte, assim como do C. STJ sobre não constituir julgamento "extra"
ou "ultra petita" a decisão que, verificando a inobservância dos pressupostos para concessão
do benefício pleiteado na inicial, conceder benefício diverso por entender preenchidos seus
requisitos, levando em conta a relevância da questão social que envolve a matéria.
(AC nº 0008819-86.2014.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Toru
Yamamoto, DE 06/11/2017)
Destaco, ademais, que a Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015, no artigo 687 e
seguintes, prevê a possibilidade de se conceder, administrativamente, benefício diverso do
pedido, se preenchidos os requisitos legais para a sua obtenção. Aliás, dispõe que é dever do
INSS conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus.
Ora, se o regulamento prevê que o INSS deve conceder ao segurado benefício diverso do
requerido se este lhe for mais vantajoso, não há porque adotar outro entendimento no âmbito
judicial.
No caso, contudo, o benefício mais adequado é o auxílio-doença, que foi concedido pelo
Relator.
Ante o exposto, acompanho o voto do Ilustre Relator, com ressalva de entendimento.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE DEFERIDO. SENTENÇA
EXTRA PETITA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA, ART. 492, CPC. NULIDADE.
POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DA CAUSA. ART. 1.013, §3º, II, CPC.
AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO E
CARÊNCIA DEMONSTRADAS. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA AS ATIVIDADES
HABITUAIS. REABILITAÇÃO. POSSIBILIDADE. LAUDO MÉDICO. INTERPRETAÇÃO A
CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA
NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS
QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO. DIB. DATA DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA 576, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS
DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. ANÁLISE DO MÉRITO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
APELO DA PARTE AUTORA PREJUDICADO.
1 - É vedado ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do
pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC.
2 - Da análise da inicial, verifica-se que a autora propôs a presente ação postulando a
concessão de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Ocorre que o
magistrado de primeiro grau julgou procedente o pedido para conceder o benefício de auxílio-
acidente. Ou seja, trata-se de pedido diverso daquele que foi deduzido pela demandante.
3 - Desta forma, constata-se que a sentença é extra petita, eis que fundada em situação diversa
daquela alegada na inicial, restando violado o princípio da congruência insculpido no já
mencionado art. 492 do CPC. Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da
congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, eis que concede algo
não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de se defender
daquilo não postulado.
4 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do CPC. As partes se manifestaram sobre os
benefícios efetivamente postulados e apresentaram as provas específicas, de forma que, diante
do conjunto probatório e do regular exercício das garantias constitucionais, a causa encontra-se
madura para julgamento.
5 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
6 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
7 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
8 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
9 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
10 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e
quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120
(cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua
vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
11 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
12 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base
em exame realizado em 11 de setembro de 2017, consignou o seguinte: “A periciada é
portadora de Dor Articular (CID10 M25) / Síndrome do Túnel do Carpo (CID10 G56) / processo
inflamatório crônico por compressão do nervo mediano ao nível do punho direito. Em razão do
exposto e: Considerando a idade da periciada (51 anos); Considerando o nível de escolaridade
(ensino médio incompleto); Considerando o diagnóstico (doença inflamatória crônica),
prognóstico (evolução clínica desfavorável), o tratamento realizado; Considerando a
profissiografia (cozinheira) e suas demandas laborativas que requerem postura forçada e
movimentos repetitivos de ciclos curtos com os membros superiores; Considerando a natureza
e grau de deficiência ou disfunção produzida pela doença/sequela/lesão; A periciada apresenta
Incapacidade Laborativa Parcial e Permanente. Incapaz para exercer a ocupação habitual
declarada de cozinheira e demais atividades laborativas que requeiram postura forçada e
movimentos repetitivos de ciclos curtos com os membros superiores. Capaz para exercer
demais atividades ocupacionais tipo copeira, arrumadeira, recepcionista, vendedora e similares.
Data do início da incapacidade: 22/05/2014; considerando atestado de saúde ocupacional à fl. 7
do laudo. Data do início da doença: 01/11/2013; considerando Laudo médico pericial/INSS à fl.
49 dos autos”.
13 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
14 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente,
o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
15 - Portanto, a demandante se encontra incapacitada de maneira definitiva para suas
atividades profissionais pretéritas (“rurícola”, “empregada doméstica” e “cozinheira”), porém,
apresenta possibilidade de reabilitação para outras funções, fazendo jus à concessão de
auxílio-doença, nos exatos termos dos arts. 59 e 62 da Lei 8.213/91.
16 - O preenchimento dos requisitos carência e qualidade de segurado é incontroverso.
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato segue
anexo aos autos, dão conta que a requerente verteu recolhimentos para o RGPS, como
empregada doméstica, de 01.04.2004 a 31.10.2004 e de 01.05.2011 a 31.12.2011, e, por fim,
de 01.01.2014 a 30.09.2014, já como segurada empregada.
17 - Assim, ao tempo do início do impedimento (05/2014), para além da qualidade de segurado,
ela também havia implementado a carência de 4 (quatro) contribuições previdenciárias, exigidas
à época, para fins de concessão de benefício por incapacidade, em caso de reingresso no
RGPS (arts. 24, parágrafo único, e 25, I, da Lei 8.213/91, em sua redação originária).
18 - Nem se alegue, outrossim, que a incapacidade preexiste à sua nova filiação ocorrida em
01/2014.
19 - A uma, porque o vistor oficial expressamente assinalou que a incapacidade da autora
surgiu em maio de 2014 (DII). O fato de ter mencionado que a patologia se iniciou em 2013
(DID) não afasta tal conclusão, ao contrário, indica que o quadro foi se agravando ao longo de
tempo e que quando surgiu o impedimento ela já era segurada da Previdência e tinha cumprido
com a carência legal, enquadrando-se na hipótese descrita no art. 59, §1º, da Lei 8.213/91. A
duas, porque não reingressou no RGPS como contribuinte individual ou segurada facultativa,
como sói acontecer nos casos de filiação oportunista, mas sim em virtude de vínculo
empregatício anotado em CTPS.
20 - No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só tem vez quando o
segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação
habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a
constatação, haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação
profissional, nos exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91. Nessa senda, uma vez
concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-doença pode
ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou aposentadoria
por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do segurado, o
que se dá por meio da realização de perícias periódicas por parte da autarquia, conforme
previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº 8.213/91, observando-se, ainda, a sistemática
da cobertura previdenciária estimada (“COPES”), prevista no §9º do art. 60 do mesmo diploma
legislativo. Descabe, ainda, cogitar-se da impossibilidade de cessação do benefício, sem a
realização de procedimento reabilitatório, caso a perícia administrativa constate o
restabelecimento da capacidade laboral para o trabalho habitual, uma vez que esse dever
decorre de imposição de Lei. Por fim, eventual alegação de agravamento do quadro de saúde e
concessão de nova benesse, por se tratar de situação fática diversa, deve ser objeto de novo
pedido administrativo ou judicial, sob pena de eternização desta lide.
21 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este
se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua
inexistência (Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a apresentação de requerimento
administrativo em 26.06.2014, de rigor a fixação do auxílio-doença nesta data.
22 - Não fixada uma DCB prévia para a benesse, pois não se visualiza uma data de
recuperação certa para a demandante, sobretudo, porque é portadora de males degenerativos
que se caracterizam por períodos alternados de melhora e piora. Ademais, muito provavelmente
deverá ser encaminhada para reabilitação profissional, o que também é um fator de
indeterminabilidade acerca da sua recuperação. Tudo isso, é claro, desde que siga os
procedimentos previstos nos já mencionados arts. 60, §9º, 62 e 101, todos da Lei 8.213/91,
inclusive a apresentação de requerimentos administrativos sucessivos para prorrogação do
auxílio-doença (períodos de 120 dias), sob pena de cessação da benesse.
23 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
24 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
25 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
26 - Apelação do INSS provida. Sentença anulada. Análise do mérito. Ação julgada procedente.
Apelo da parte autora prejudicado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS para anular a r. sentença de 1º grau
de jurisdição e, consoante o disposto nos art. 1.013, §3º, II, do CPC, adentrar no mérito da
demanda, para julgá-la procedente o pedido, condenando o ente autárquico na concessão e no
pagamento dos atrasados de auxílio-doença, desde a data da apresentação de requerimento
administrativo, que se deu em 26.06.2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de
acordo com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios, estes na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, restando, ao fim,
prejudicada a apelação da parte autora, SENDO QUE A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
ACOMPANHOU O RELATOR COM RESSALVA DE ENTENDIMENTO, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
