
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002183-69.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: PAULO DAS DORES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: VIVIANE LUCIO CALANCA CORAZZA - SP165516-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002183-69.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: PAULO DAS DORES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: VIVIANE LUCIO CALANCA CORAZZA - SP165516-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que: (i) indeferiu a petição inicial e extinguiu parcialmente o processo, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de auxílio-acidente desde 17/4/2008, por falta de interesse de agir e (ii) quanto ao pedido de concessão de auxílio-acidente desde o requerimento administrativo (DER 19/12/2023), retificou, de ofício, o valor da causa e declinou da competência.
A parte autora alega, em síntese, possuir interesse processual, não sendo exigível o prévio requerimento administrativo de concessão de auxílio-acidente na medida em que, por ocasião da cessação do auxílio por incapacidade temporária ocorrida em 16/4/2008 (NB 31/514.405.696-9), a Autarquia Previdenciária tem o dever de avaliar a existência de possíveis sequelas consolidadas que possam gerar redução da capacidade laborativa.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002183-69.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: PAULO DAS DORES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: VIVIANE LUCIO CALANCA CORAZZA - SP165516-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
A questão da necessidade de prévio requerimento administrativo como condição para o regular exercício do direito de ação - objeto de muita discussão no passado - foi definitivamente dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 631.240/MG, em 3/9/2014 (ementa publicada em 10/11/2014), sob o regime de repercussão geral:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito , está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir."
Sem margem a dúvidas, o Supremo Tribunal Federal (STF): (i) considerou constitucional a exigência de requerimento administrativo prévio como condição da ação; (ii) fixou regras transitórias para as ações judiciais em trâmite até a data da conclusão do julgamento (3/9/2014), sem precedência de processo administrativo.
Ressalvou-se, contudo, a possibilidade de formulação direta do pedido perante o Poder Judiciário quando se cuidar de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, ou ainda quando notório e reiterado o entendimento do INSS em desfavor da pretensão do segurado.
No caso dos autos, a parte autora, em 22/2/2024 - posteriormente à data do julgamento do STF -, ajuizou esta ação visando à concessão de auxílio-acidente desde a cessação do auxílio por incapacidade temporária NB 31/514.405.696-9 ocorrida em 16/4/2008.
Não obstante os judiciosos fundamentos da sentença, a razão assiste ao autor.
Colhe-se dos autos que o autor percebeu o benefício de auxílio por incapacidade temporária no período de 23/6/2005 a 16/4/2008 (NB 31/514.405.696-9) e requer a concessão de auxílio-acidente desde a cessação do benefício.
À luz do artigo 86, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, "o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria".
Note-se, portanto, que a concessão do auxílio-acidente precedido de auxílio por incapacidade temporária decorre do próprio dispositivo legal, devendo à Autarquia Previdenciária, ao cessar o benefício temporário, avaliar se as sequelas consolidadas, e que não são incapacitantes, geraram ou não redução da capacidade laborativa.
Nesse passo, a configuração do interesse de agir não exige o prévio requerimento administrativo, na medida em que a Autarquia Previdenciária tem o poder-dever de verificar o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de auxílio-acidente por ocasião da cessação do auxílio por incapacidade temporária.
Em decorrência, não merece prosperar o argumento de falta de interesse de agir quanto à concessão de auxílio-acidente desde a cessação administrativa do aludido benefício temporário, na esteira dos seguintes precedentes:
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE INCAPACIDADE. AUXÍLIO-ACIDENTE. LEI 8.213/1991. DECRETO 3.048/1999. REQUISITOS LEGAIS PRESENTES.
- O benefício de auxílio-acidente está disciplinado no artigo 86 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, a denominada Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), e consiste em indenização paga ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho habitual. O Decreto n. 3.048, de 06/05/1999, que institui o Regulamento da LBPS, disciplinou o auxílio-acidente em seu artigo 104.
- A redução da capacidade para o trabalho pode ser de qualquer natureza, ainda que mínima confere ao segurado o direito ao benefício.
- O nexo de causalidade não exige a irreversibilidade da redução da incapacidade conforme foi sedimentado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 1.112.886/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, que cristalizou o Tema 156/STJ: "Será devido o auxílio-acidente quando demonstrado o nexo de causalidade entre a redução de natureza permanente da capacidade laborativa e a atividade profissional desenvolvida, sendo irrelevante a possibilidade de reversibilidade da doença”.
- À luz do que foi preconizado pelo Tema 862/STJ, cabe a concessão do auxílio-acidente desde o dia seguinte à data da cessação do benefício de auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observada a prescrição quinquenal da Súmula 85/STJ.
- A data do início do benefício contempla três situações: i) na hipótese de precedência de concessão de auxílio-doença, a data de cessação deste benefício marca o início do gozo do auxílio-acidente; ii) caso não tenha verificado o gozo de auxílio-doença, a DIB será fixada na data do requerimento administrativo; iii) por fim, ausente o auxílio-doença ou o requerimento administrativo, o termo inicial do auxílio-acidente é a data da citação do INSS.
- Decorre do laudo técnico que a parte autora sofreu acidente do qual resultou sequelas.
- Considerando o termo final do benefício de auxílio-doença em 02/05/2015, correta a concessão do auxílio-acidente desde o dia seguinte à data da cessação (03/05/2015), observada a prescrição quinquenal.
- Preliminar rejeitada. Apelação desprovida.” (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003627-43.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 05/10/2022, DJEN DATA: 10/10/2022)
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. PRECEDIDO DE AUXÍLIO-DOENÇA. TERMO INICIAL. 1. O termo inicial do benefício de auxílio-acidente é o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, na forma do estabelecido no § 2º do artigo 86 da Lei nº 8.213/91, acima transcrito.
2. No caso específico de Auxílio-Acidente precedido de auxílio-doença, sequer é exigível o prévio requerimento administrativo, na medida em que o INSS, ao cessar o auxílio-doença, tem obrigação de avaliar se as sequelas consolidadas, e que não são incapacitantes, geraram ou não redução da capacidade laborativa.
3. Apelo provido."(TRF4, AC 5008488-84.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 09/06/2017)
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-ACIDENTE PRECEDIDO DE AUXÍLIO-DOENÇA. INTERESSE DE AGIR. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. REPERCUSSÃO GERAL (RE 631240). REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL COMPROVADA. CABIMENTO INDEPENDENTEMENTE DO GRAU DE REDUÇÃO. RESP 1109591 REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA DIFERIDOS PARA A EXECUÇÃO. VERBA HONORÁRIA. 1. Não se conhece de recurso que postula providência já atendida pela decisão recorrida, no caso, o reconhecimento a prescrição quinquenal. 2. Nos casos de concessão de auxílio-acidente em que o segurado já gozava de auxílio-doença (cessado sem a devida conversão em auxílio-acidente) é dispensado prévio requerimento administrativo, não havendo que se falar em falta de interesse de agir, pois configurada a pretensão resistida, na esteira do entendimento firmado pelo STF, em sede de Repercussão Geral, no RE 631240. 3. O art. 86 da Lei nº 8213/91 não condiciona o auxílio-acidente ao grau ou extensão da redução da aptidão laboral, bastando, para sua concessão, a existência de limitação da capacidade laboral oriunda de sequela de acidente de qualquer natureza. 4. Comprovada a redução definitiva da aptidão laboral, ainda que em grau mínimo (REsp 1109591), cabível a concessão de auxílio-acidente desde a suspensão do auxílio-doença. 5. Determinado o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/2015, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). 6. As normas que versam sobre correção monetária e juros possuem natureza eminentemente processual, e, portanto, as alterações legislativas referentes à forma de atualização
monetária e de aplicação de juros devem ser observadas de forma imediata a todas as ações em curso, incluindo aquelas que se encontram na fase de execução. 7. Visando não impedir o regular trâmite dos processos de conhecimento, firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público, a forma como será apurada a atualização do débito deve ser diferida (postergada) para a fase de execução, observada a norma legal em vigor. 8. Sentença reformada em parte, tão- somente para definir que os honorários advocatícios fixados em 10% devem incidir sobre as parcelas vencidas até a decisão concessória do benefício postulado, nos termos da Súmula 111 do STJ, e não sobre o montante da condenação." (TRF4 5000554-23.2014.404.7011, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 25/11/2016)
Afastado o indeferimento da inicial quanto ao pleito de recebimento do benefício em data anterior a 19/12/2023, via de consequência, a redução do valor dado à causa não se sustenta e a declaração de incompetência do juízo também perde seu fundamento.
Diante do exposto, dou provimento à apelação para anular a sentença e determinar a baixa dos autos ao Juízo de origem, para propiciar às partes produção de perícia médica e novo julgamento.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-ACIDENTE. REQUERIMENTO PRÉVIO. INTERESSE DE AGIR. NULIDADE DA SENTENÇA.
- A concessão do auxílio-acidente precedido de auxílio por incapacidade temporária decorre do próprio dispositivo legal, devendo à Autarquia Previdenciária, ao cessar o benefício temporário, avaliar se as sequelas consolidadas, e que não são incapacitantes, geraram ou não redução da capacidade laborativa.
- Nesse passo, a configuração do interesse de agir não exige o prévio requerimento administrativo, na medida em que a Autarquia Previdenciária tem o poder-dever de verificar o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de auxílio-acidente por ocasião da cessação do auxílio por incapacidade temporária.
- Sentença anulada. Apelação provida.
