Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2020688 / MS
0036339-21.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. CONCESSÃO NO CURSO DA DEMANDA. ATRASADOS. QUALIDADE DE
SEGURADO DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. INCAPACIDADE
TEMPORÁRIA AO TEMPO DA DER. LAUDO PERICIAL. INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO
SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO
ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE
INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. ATRASADOS DE AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDOS. DIB.
DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA 576 DO STJ. DCB. DATA DA
IMPLANTAÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA
INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO
DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
PRECEDENTES DESTA CORTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA.
1 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência
exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta
a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o
prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e
vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação
(§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
5 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, conforme art. 26, II, da Lei
nº 8.213/91, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social -
RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 do mesmo diploma
legislativo.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o
deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da
moléstia.
7 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por
24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos
termos do art. 15 e §1º da Lei.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 6 (seis)
contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência,
para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da
Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei 13.457, de 2017).
9 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 16 de abril de 2014 (fls. 102/115), consignou que o autor apresenta
"mobilidade prejudicada dos movimentos do ombro esquerdo e da coluna lombar". Assim
sintetizou o laudo: "O periciado alega não ter trabalhado desde 2007, porém consta em sua
carteira de trabalho registro até ano de 2012, sem qualquer intervalo em que tenha recebido
auxílio-doença. O periciado traz atestados do ano de 2007, e tais atestados demonstram
presença de incapacidade temporária, não havendo provas concretas de que havia definitiva
para o trabalho naquela época", sendo certo, no seu entender, que esta somente era
inequívoca em junho de 2012.
10 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
11 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente,
o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
12 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato
encontra-se acostado às fls. 51/52 dos autos, dão conta que o requerente manteve vínculo
empregatício junto à CONCÓRDIA MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO LTDA - EPP, de
08/07/2006 a 31/10/2009.
13 - Portanto, inegável que o autor era segurado da Previdência, e havia cumprido com a
carência, quando do início da incapacidade temporária (2007), fazendo jus aos atrasados de
auxílio-doença até a data da sua implantação na via administrativa, isto é, até 14/06/2012, nos
exatos termos do art. 59 da Lei 8.213/91.
14 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este
se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua
inexistência (Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a apresentação de requerimento
administrativo em 24/05/2007 (extrato do Sistema Plenus anexo), de rigor a fixação da DIB em
tal data, sendo certo que a DCB deverá ser de 13/06/2012, dia imediatamente anterior à sua
implantação na via administrativa.
15 - O fato de o demandante ter trabalhado, após o surgimento da incapacidade e até após a
fixação da DIB, não permite o desconto dos valores dos atrasados correspondentes ao período
laborado.
16 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a
ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não
consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade
temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade
remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na
necessidade de devolução das parcelas recebidas durante o período que o segurado auferiu
renda. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao
enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o
legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
17 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter
de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em conceder benefício
previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo
pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento
da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura
má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade
e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser
humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o
sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o
incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela
responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela
jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de
suportar o calvário processual.
18 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime. Neste sentido já decidiu esta Corte: AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel.
Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013; AR 0019784-
55.2011.4.03.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, 3ª Seção, j. 13/10/2011, e-
DJF3 Judicial 1 DATA:18/11/2013.
19 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
20 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
21 - Relativamente aos honorários advocatícios, de rigor a condenação do INSS no seu
pagamento, com exclusividade, pois, embora judicialmente tenha sido concedido o auxílio-
doença apenas de 2007 e 2012, é certo que, o ente autárquico ao deferir tais beneplácitos
administrativamente, no curso da demanda, demonstrou que deu causa a propositura desta,
além de reconhecer a pretensão autoral. Por outro lado, é inegável que as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a
verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que resta atendido
com o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
22 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora para condenar o INSS no pagamento dos atrasados de auxílio-doença,
contabilizados entre 24/05/2007 e 13/06/2012, sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de
acordo com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento de honorários advocatícios
na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
