Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2121726 / SP
0004590-44.2013.4.03.6111
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
21/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. INCAPACIDADE ABSOLUTA E PERMANENTE CONFIGURADA. LAUDO
PERICIAL. INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS
CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE
JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO.
VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO.
QUALIDADE DE SEGURADO NÃO DEMONSTRADA, QUANDO DO SURGIMENTO DA
INCAPACIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO
INCONTROVERSO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART.
34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº
8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA.
ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE
RISCO COMPROVADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR INFERIOR À METADE DO SALÁRIO
MÍNIMO. RENDIMENTOS INSUFICIENTES PARA COM OS GASTOS. NÚCLEO FAMILIAR
COMPOSTO POR 2 PESSOAS MAIORES DE 60 ANOS, UMA CRIANÇA E UMA
PORTADORA DE ESQUIZOFRENIA. AUTOR. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE
INSATISFATÓRIAS. PAREDES SEM PINTAR E OUTRAS COM BOLOR. MÍNIMO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DA APRESENTAÇÃO DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. APLICABILIDADE. APELAÇÃO DA
PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do
art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º
estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12
(doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo
registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - No que tange à incapacidade, a profissional médica indicada pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 29 de setembro de 2014 (fls. 188/191), diagnosticou o demandante como
portador de "esquizofrenia". Assim sintetizou o laudo: "Após avaliar cuidadosamente a estória
clínica, exame psíquico, atestados médicos e leitura cuidadosa dos autos, relato que, a meu ver
sob o ponto de vista médico psiquiátrico, o periciando Marcos Roberto Pereira apresenta (...)
Incapacidade Total e Permanente". Por fim, fixou a DII em 13/07/2001.
9 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
10 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente,
o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
11 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato
encontra-se acostado à fl. 157 dos autos, dão conta que o último vínculo empregatício do
demandante se encerrou em abril de 1996. Portanto, teria permanecido como filiado ao RGPS,
contabilizada a manutenção da qualidade de segurado por 12 (doze) meses, até 09/08/1997
(arts. 10 e 11 do Dec. 611/1992). Ressalta-se que ainda que aplicável as prorrogações dos §§1º
e 2º, do art. 15, da Lei 8.213/91, o autor teria sido segurado da Previdência tão somente até
09/08/1999.
12 - Em suma, o demandante não era mais segurado do RGPS, quando do início da
incapacidade (13/07/2001), não fazendo jus ao auxílio-doença e à aposentadoria por invalidez.
13 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
14 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
15 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do
art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
16 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
17 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
18 - Pleiteia o autor, também, a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo
alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por
sua família.
19 - O impedimento de longo prazo é inequívoco, diante do acima exposto, quando da análise
dos pedidos de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença.
20 - O auto de constatação, elaborado com base em visita na residência do demandante, em 12
de dezembro de 2013 (fls.129/138), informou que o núcleo familiar é formado por este, seus
genitores, irmã e sua sobrinha. Residem em imóvel próprio, constituído por 1 banheiro, 3
quartos, sala, copa, cozinha e área de serviço coberta, sendo o estado geral da casa regular,
tanto do ponto de vista externo quanto interno, segundo a oficiala de justiça avaliadora.
21 - A renda do núcleo familiar, na época do estudo, decorria do salário do genitor do
requerente, LUIZ PEREIRA, no importe de R$900,00, pensão alimentícia recebida pela
sobrinha, LAURA CRISTINA GOMES PEREIRA, no valor de R$200,00, e ainda pela bolsa
estágio percebida por sua irmã, ANA CAROLINA PEREIRA, no valor de R$418,00. Todavia,
deve-se desconsiderar este último valor, pois ANA CAROLINA era estagiária de ensino médio
na DEFENSORIA PÚBLICA e o mês do auto de constatação era seu último mês, vez que
estava para se formar. A renda, portanto, era, de fato, de R$1.100,00.
22 - As despesas, envolvendo gastos com água, energia elétrica, gás, IPTU, telefonia,
alimentação, medicamentos, financiamento e transporte, cingiam a aproximadamente
R$1.152,00.
23 - Nota-se, portanto, que a renda per capita era inferior a ½ metade do salário mínimo vigente
à época (R$339,00), parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, além de ser insuficiente, na
inteireza, para com seus gastos.
24 - Alie-se, como robusto elemento de convicção, a comprovar a vulnerabilidade alegada, o
fato de que a família é composta por cinco pessoas, das quais, uma é menor de 18 (dezoito)
anos, 2 (duas) maiores de 60 (sessenta) e outra portadora de "esquizofrenia" - autor. A despeito
dos outros filhos ajudarem com gêneros alimentícios, vê-se que o núcleo familiar em questão
passa por privações e a sua situação tende a piorar, diante do quadro relatado.
25 - As condições de habitabilidade são insatisfatórias. As fotografias, acostadas às fls.
132/137, dão conta que algumas paredes da residência não eram pintadas e outras estavam
com bolor.
26 - Como bem sintetizou o parquet, "a renda mensal per capita do núcleo familiar é de
R$225,00 (desconsiderou a sobrinha como integrante do núcleo familiar), quantia que, apesar
de ligeiramente superior a ¼ do salário mínimo, não pode ser utilizada como fundamento para
afastar o benefício, sobretudo em razão de sua reconhecida inconstitucionalidade pelo STF" (fl.
271-verso).
27 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, o autor, jus ao beneplácito assistencial.
28 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Tendo em vista a apresentação de requerimento
administrativo em 28/10/2013 (fl. 24), de rigor a fixação da DIB nesta data.
29 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
30 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
31 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o
tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único
do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
32 - Relativamente aos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula nº 111, STJ,
estes devem incidir somente sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença,
ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese
de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se mostra lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação. Imperiosa, assim,
a incidência da verba honorária até a data do julgado recorrido, em 1º grau de jurisdição, e
também, na ordem de 10% (dez por cento), eis que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal,
ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual supra.
33 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Tutela
específica concedida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora para reformar a r. sentença e, com isso, julgar procedente o pedido deduzido na
inicial, para condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de benefício
assistencial de prestação continuada, desde a data da apresentação do requerimento
administrativo, em 28/10/2013, sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção
monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos
índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo
com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem
de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença
de 1º grau de jurisdição, deferindo-se, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
