
| D.E. Publicado em 07/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973, extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV, do mesmo diploma legislativo (art. 485, IV, do CPC/2015), diante da não comprovação do trabalho rural, e, por conseguinte, julgar prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0047314-10.2011.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença, de fls. 75/79, julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, ante a não comprovação da qualidade de segurado. Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Em razões recursais de fls. 82/89, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que preenche os requisitos legais para a concessão dos benefícios ora vindicados.
Sem contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
Independe de carência a concessão dos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei, a saber:
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo supra prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal lapso de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.
Por fim, saliente-se que havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12 (doze) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame pericial de fls. 45/47, diagnosticou o autor como portador de "retardo mental leve com menção de ausência ou de comprometimento mínimo de comportamento" e "transtorno delirante orgânico tipo esquizofrênico".
Relatou que "as patologias psiquiátricas geram uma incapacidade parcial e permanente para o trabalho. Não há dependência de terceiros para as atividades da vida diária".
Acrescentou também que, "considerando que o autor nunca ingressou no mercado formal de trabalho, é pouco provável que o faça agora aos 51 anos de idade".
Por fim, fixou a data do início da incapacidade na data da perícia, em julho de 2010.
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
No entanto, a despeito da incapacidade constatada, verifico que o autor não detinha a qualidade de segurado junto à Previdência Social quando do seu início.
O autor não acostou sua Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS aos autos. Por sua vez, informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, que ora seguem anexas, dão conta que o demandante nunca manteve vínculo previdenciário registrado em seu nome.
Realizada audiência de instrução e julgamento, em 27/01/2011 (fls. 58/61), foi colhido o depoimento das testemunhas pelo demandante arroladas, as quais forneceram informações sobre o suposto desempenho de atividade laboral, não sendo possível inferir de seus depoimentos a filiação daquele, na qualidade de rurícola, junto ao RGPS nos períodos por elas indicados.
A testemunha NELSON PRESTES DE OLIVEIRA disse que "conhece o autor há uns vinte anos. O autor sempre trabalhou exclusivamente na roça em propriedade da família. A área do imóvel é de um alqueire. Ele morava no sítio. Mudou do sítio há doze anos. Nunca tiveram empregados. Somente a família trabalhava no local. O autor sempre aparentou ser doente, mas há dois anos a sua doença se agravou. O autor plantava milho e feijão. Constantemente via o requerente trabalhando na lavoura. Ele parou de trabalhar há aproximadamente dois anos, em razão de problemas de saúde. O autor nunca exerceu atividade urbana" (fl. 60).
MANOEL ALVES DA ROCHA afirmou que "conhece o autor há doze anos. O autor sempre trabalhou exclusivamente na roça em propriedade da família. A área do imóvel é de quatro hectares. Ele morava no sítio. Mudou do sítio em 2002. Nunca tiveram empregados. Somente a família trabalhava no local. O autor sempre aparentou ser doente e a doença está se agravando. O autor plantava hortaliças, milho e feijão. Constantemente via o requerente trabalhando na lavoura. Ele parou de trabalhar há aproximadamente dois anos, em razão de problemas de saúde. O autor nunca exerceu atividade urbana. Questionada pelo patrono do INSS, complementou que "Na verdade, pararam de trabalhar no sítio em 2002 quando mudaram para a cidade. Após isso a família planta hortaliças no quintal para consumo próprio" (fl. 61).
Do exposto, apesar de algumas inconsistências dos testemunhos, conclui-se que o autor deixou o campo para residir em área urbana, entre os anos de 1999 e 2002, não mais laborando a partir de então, sendo certo que o expert fixou a data do início da incapacidade em 2010, ou seja, de há muito o autor já não era mais segurado da Previdência Social, isso se efetivamente o foi algum dia.
Acresça-se que ambas as testemunhas atestaram que a situação do autor se agravou 2 (dois) anos antes da perícia. Assim, ainda que se considere essa data, janeiro de 2009, como termo inicial da incapacidade, também nela o autor já não era mais filiado ao RGPS.
Apesar da desnecessidade de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período em que se pretende reconhecer em juízo, o substrato material deve ser minimamente razoável e harmônico com os depoimentos colhidos em audiência, sob pena de aceitação da comprovação do período laborado exclusivamente por prova testemunhal, em clara afronta ao disposto na Lei (Súmula 149 do STJ).
In casu, o autor não só deixou de juntar provas materiais mínimas do seu labor rural, como os depoimentos das testemunhas trouxeram dados que corroboraram o fato de o mesmo não ser mais segurado da Previdência quando do surgimento da incapacidade e em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício na via judicial.
Como bem destacou o MM. Juiz a quo, "o trabalhador rural, como segurado especial e obrigatório do regime previdenciário, tem direito de perceber aposentadoria por invalidez, no valor de um salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, com relação aos meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, mesmo de forma descontínua, durante período igual ao da carência do benefício (artigo 143, I, da Lei 8.213). (...) Vale dizer, portanto, que bastava o autor comprovar um ano do exercício efetivo de atividade rural, antes da ação, ainda que de forma descontínua para que os requisitos fossem preenchidos. Contudo, no caso concreto, não há início de prova material da atividade rural exercida pelo autor (...)" (fl. 78).
Ou seja, o autor também não comprovou o trabalho rural em período imediatamente anterior, seja ao requerimento administrativo (caso tenha sido efetivamente apresentado), seja à propositura da ação (05/01/2010 - fl. 02), não fazendo jus, também por este ângulo, aos benefícios por incapacidade.
Mesmo compadecido da situação, tenho de destacar que ao Poder Judiciário compete a aplicação da solução legal prevista, sob pena de subversão do sistema e indevida incursão na seara legislativa. Afastada a qualidade de segurado, indevido o benefício previdenciário, o que não significa, entretanto, que não exista outra forma de se buscar no ordenamento jurídico amparo estatal, como por exemplo a via do benefício assistencial de prestação continuada (LOAS), que prescinde do recolhimento de contribuições.
Em suma, o autor não comprovou o trabalho rural, quando do surgimento da incapacidade, bem como no momento do requerimento dos benefícios na via administrativa e judicial, restando inviabilizada a concessão de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença.
Entretanto, diante da não demonstração do trabalho desenvolvido na lide campesina, imperiosa a extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura de nova ação, caso o requerente venha a conseguir documentos que comprovem o labor desenvolvido na qualidade de rurícola.
Nesse sentido, transcrevo o entendimento consolidado do C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973:
Ante o exposto, de ofício, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973, extingo o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV, do mesmo diploma legislativo (art. 485, IV, do CPC/2015), diante da não comprovação do trabalho rural, e, por conseguinte, julgo prejudicada a apelação da parte autora.
Mantenho a condenação da parte autora no pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa a extinção do processo sem resolução do mérito.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 28/11/2017 11:57:06 |
