
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025670-35.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO DE SALLES OLIVEIRA MALTA BELDA - SP308469-N
APELADO: MARIA JOANA GARCIA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO FLAVIO ROCHA DE OLIVEIRA - SP30183-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025670-35.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO DE SALLES OLIVEIRA MALTA BELDA - SP308469-N
APELADO: MARIA JOANA GARCIA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO FLAVIO ROCHA DE OLIVEIRA - SP30183-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por MARIA JOANA GARCIA, objetivando a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de aposentadoria por invalidez, desde a data do laudo pericial complementar, de 12.06.2015 (ID 103046864, p. 210-211). Fixou correção monetária nos termos do artigo 41, §7°, da Lei n° 8.213/91, Leis n°s 6.899/81, 8.542/92 e 8.880/84, e juros de mora consoante o disposto na Lei 11.960/09. Condenou o INSS, ainda, no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas em atraso, contabilizadas até a data da sua prolação (ID 103046864, p. 236-238).
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a demandante não preenche os requisitos para a concessão dos benefícios ora vindicados. Subsidiariamente, requer a alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora (ID 103046864, p. 243-252).
A autora apresentou contrarrazões (ID 103045812, p. 07-15).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Afastou-se parcialmente do efeito suspensivo do apelo autárquico, para, assim, facultar à demandante a execução provisória da obrigação de fazer no primeiro grau (ID 103045812, p. 24-25).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025670-35.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO DE SALLES OLIVEIRA MALTA BELDA - SP308469-N
APELADO: MARIA JOANA GARCIA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO FLAVIO ROCHA DE OLIVEIRA - SP30183-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo
a quo
, com base em exame efetuado em 19 de fevereiro de 2014 (ID 103046864, p. 142-143), quando a demandante possuía 51 (cinquenta e um) anos, a diagnosticou como portadora de patologias “degenerativas da coluna cervical e provavelmente da coluna lombo sacra também
”.Contudo, destacou que os “
exames aprestados
”, no momento da perícia, eram “imprecisos para um diagnóstico mais acurado
”, de modo solicitou outros documentos médicos para uma melhor análise do caso.Atendidas as providências requeridas pelo
expert
, este, em sede de perícia complementar (ID 103046864, p. 210-211), concluiu pela incapacidade total e permanente da autora, fixando o seu início em fevereiro de 2012.Configurada a incapacidade total e permanente, passo a analisar, agora, os requisitos carência e qualidade de segurado.
O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal.
Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
A exigência de documentos comprobatórios do labor para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
"AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. 1. (...). 3. Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o documento(...)" (APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO nº 0008835-06.2015.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Paulo Domingues, j. 30/11/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/12/2015 - grifos nossos).
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DE TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO JULGADO. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) 2) não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de carência estabelecido pelo artigo 143 da Lei 8.213/1991, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória. (...)" (AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014 - grifos nossos).
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do
RESP nº 1.348.633/SP
, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea. Por analogia, se aplica também tal entendimento ao tempo de pesca artesanal.Nessa senda, quanto ao reconhecimento da atividade r exercida em regime de economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, nos seguintes termos:
"Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(omissis)
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§1º - Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes" (grifos nossos).
In casu
, observo que a requerente não trouxe aos autos um único documento que comprovasse sua qualidade de segurada, como empregada rural/diarista, prestando serviços para terceiros, mas apenas como segurada especial em regime de economia familiar. Ocorre que os testemunhos corroboram apenas a primeira hipótese, como se verá a seguir.Para fazer prova da qualidade de segurada especial, colacionou aos autos certidão de óbito do seu genitor, EUGÊNIO GARCIA DE MELLO, de 03.05.1995, na qual este se encontra qualificado como “lavrador aposentado” (ID 103046864, p. 18).
Também acostou escritura de compra e venda de imóvel urbano, na qual consta como adquirente da propriedade sua genitora, IZAURA GATTI GARCIA (ID 103046864, p. 20-23). Por esse documento, nem a qualidade de segurada especial estaria demonstrada.
Por fim, certidão eleitoral, a qual informa ser sua residência localizada em sítio, também não se presta para comprovar o labor rural exercido para terceiros. Trata-se, como anotado na própria certidão, de dados cadastrais obtidos junto à Justiça Eleitoral, originários de declaração unilateral do postulante, e “sem valor probatório”. Aliás, no documento inexiste indicação da ocupação profissional da autora, apenas a rubrica “outros” no campo a ela correspondente (ID 103046864, p. 24).
Realizada audiência de instrução e julgamento, em 15 de outubro de 2015 (ID 101944218, p. 230-233), foram colhidos os depoimentos de 2 (duas) testemunhas por ela arroladas.
MARIA DE LOURDES TAGLIARI DA SILVA afirmou que conhece a autora há mais de 20 (vinte) anos, e há aproximadamente 4 (quatro) esta não trabalha mais, em razão de moléstias na sua coluna. Afirma que via a requerente trabalhando na roça, carpia seringueira, colhia algodão, na Lagoinha. Atesta que Gersino Neto da Silva era o gato, que levava a autora e a própria depoente para trabalharem no campo.
JOSÉ SÉRGIO BALSANELI assevera que conhece a demandante há uns 20 (vinte) anos. Parou de trabalhar 4 (quatro) anos antes da audiência, sendo que era rurícola, tocava café para Antônio Vieira, laborou para o “gato” Gersino, que a levava para trabalhar nas roças de feijão. Segundo o depoente, o último emprego da autora foi na fazenda Lagoinha, na cultura de seringueiras
Note-se que os depoimentos justamente atestam o contrário da prova documental produzida: enquanto aqueles denotam que a autora desempenhava atividade laboral para terceiros, como diarista, os documentos indicam que exercia atividade agropecuária, em regime de economia familiar de subsistência.
Em suma, diante da ausência de substrato material mínimo do trabalho rural para terceiros (Súmula 149 do STJ), e, por outro lado, de depoimentos que ampliem a eficácia probatório de documentos indicativos de exercício de atividade rural em regime de economia familiar, tenho que a demandante não comprovou a qualidade de segurada junto ao RGPS, restando inviabilizada a concessão de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença, nos exatos termos dos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/91.
Imperiosa a extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura de nova ação, caso a requerente venha a conseguir documentos que comprovem o labor desenvolvido na qualidade de rurícola, para terceiros, no período alegado.
Nesse sentido, transcrevo o entendimento consolidado do C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido".
(REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Condeno a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC, já que deu causa à extinção do processo sem resolução do mérito.
Observo, por fim, que foi concedida a tutela antecipada.
Tendo em vista que a eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória deferida neste feito, ora revogada: a) é matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC; b) que é tema cuja análise se encontra suspensa na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo (STJ, Tema afetado nº 692), nos termos do § 1º do art. 1.036 do CPC; e c) que a garantia constitucional da duração razoável do processo recomenda o curso regular do processo, até o derradeiro momento em que a ausência de definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo ao andamento do feito; determino que a controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ.
Ante o exposto,
de ofício,
julgo extinto o processo, sem exame do mérito
, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973, e condeno a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, com a revogação da tutela anteriormente concedida, restando, ao fim,prejudicada
a análise da apelação da INSS.Oficie-se ao INSS.
Encaminhe-se a mídia à Subsecretaria da Turma para descarte após a interposição de recurso excepcional ou a certificação do trânsito em julgado.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE CONFIGURADA. TRABALHO NA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA PARA TERCEIROS. NÃO COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. SÚMULA 149, STJ. DEPOIMENTOS QUE CONTRARIAM A PROVA DOCUMENTAL INDICATIVA DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE CAMPESINA, EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REVOGAÇÃO DA TUTELA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. JUÍZO DA EXECUÇÃO. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. APELO DO INSS PREJUDICADO.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da
legis
).4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
8 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo
a quo
, com base em exame efetuado em 19 de fevereiro de 2014 (ID 103046864, p. 142-143), quando a demandante possuía 51 (cinquenta e um) anos, a diagnosticou como portadora de patologias “degenerativas da coluna cervical e provavelmente da coluna lombo sacra também”. Contudo, destacou que os “exames aprestados”, no momento da perícia, eram “imprecisos para um diagnóstico mais acurado”, de modo solicitou outros documentos médicos para uma melhor análise do caso. Atendidas as providências requeridas peloexpert
, este, em sede de perícia complementar (ID 103046864, p. 210-211), concluiu pela incapacidade total e permanente da autora, fixando o seu início em fevereiro de 2012.9 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
10 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela.
11 - Observa-se, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado. Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do
RESP nº 1.348.633/SP
, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.12 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, alíneas “a” e “c”.
13 - A requerente não trouxe aos autos um único documento que comprovasse sua qualidade de segurada, como empregada rural/diarista, prestando serviços para terceiros, mas apenas como segurada especial em regime de economia familiar. Ocorre que os testemunhos corroboram apenas a primeira hipótese.
14 - Para fazer prova da qualidade de segurada especial, colacionou aos autos certidão de óbito do seu genitor, EUGÊNIO GARCIA DE MELLO, de 03.05.1995, na qual este se encontra qualificado como “lavrador aposentado” (ID 103046864, p. 18).
15 - Também acostou escritura de compra e venda de imóvel urbano, na qual consta como adquirente da propriedade sua genitora, IZAURA GATTI GARCIA (ID 103046864, p. 20-23). Por esse documento, nem a qualidade de segurada especial estaria demonstrada.
16 - Por fim, certidão eleitoral, a qual informa ser sua residência localizada em sítio, também não se presta para comprovar o labor rural exercido para terceiros. Trata-se, como anotado na própria certidão, de dados cadastrais obtidos junto à Justiça Eleitoral, originários de declaração unilateral do postulante, e “sem valor probatório”. Aliás, no documento inexiste indicação da ocupação profissional da autora, apenas a rubrica “outros” no campo a ela correspondente (ID 103046864, p. 24).
17 - Realizada audiência de instrução e julgamento, em 15 de outubro de 2015 (ID 101944218, p. 230-233), foram colhidos os depoimentos de 2 (duas) testemunhas por ela arroladas. Os depoimentos justamente atestam o contrário da prova documental produzida: enquanto aqueles denotam que a autora desempenhava atividade laboral para terceiros, como diarista, os documentos indicam que exercia atividade agropecuária, em regime de economia familiar de subsistência.
18 - Em suma, diante da ausência de substrato material mínimo do trabalho rural para terceiros (Súmula 149 do STJ), e, por outro lado, de depoimentos que ampliem a eficácia probatório de documentos indicativos de exercício de atividade rural em regime de economia familiar, tem-se que a demandante não comprovou a qualidade de segurada junto ao RGPS, restando inviabilizada a concessão de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença, nos exatos termos dos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/91.
19 - Imperiosa a extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura de nova ação, caso a requerente venha a conseguir documentos que comprovem o labor desenvolvido na qualidade de rurícola, para terceiros, no período alegado.
20 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
21 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
22 - Extinção do processo sem resolução do mérito. Revogação da tutela. Devolução de valores. Juízo da execução. Verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. Apelo do INSS prejudicado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, julgar extinto o processo, sem exame do mérito, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973, e condenar a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, com a revogação da tutela anteriormente concedida, restando, ao fim, prejudicada a análise da apelação da INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
