
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020797-89.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ROZELY DE SOUZA BRITO SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO CESAR NOGUEIRA - SP205976-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020797-89.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ROZELY DE SOUZA BRITO SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO CESAR NOGUEIRA - SP205976-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por ROSELY DE SOUZA BRITO SILVA, em ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de “aposentadoria por invalidez” ou “auxílio-doença”.
A r. sentença prolatada (ID 103041249 – pág. 72/73), ao argumento de que a parte autora mantivera-se em atividade laboral, julgou improcedente a ação, condenando-a no pagamento de honorários advocatícios estipulados em R$ 1.000,00, ressalvando-se os benefícios da assistência judiciária lhe conferidos (ID 103041249 – pág. 29).
Em razões recursais de apelação (ID 103041249 – pág. 77/83), a parte autora insiste na reforma da sentença, porque preenchidos os requisitos legais à concessão vindicada - qualidade de segurado previdenciário e incapacidade laborativa - sustentando que o fato de ter continuado a trabalhar e a contribuir com a previdência mesmo doente, é tão somente porque é pobre, precisou trabalhar mesmo sem ter saúde, e isto não está em desacordo com a lei. Em suma: estando incapaz para o labor, sua permanência em atividade ter-se-ia dado em virtude da necessidade.
Devidamente processado o recurso, com o oferecimento de contrarrazões (ID 103041249 – pág. 87), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020797-89.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ROZELY DE SOUZA BRITO SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO CESAR NOGUEIRA - SP205976-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da presente demanda dera-se em
14/03/2014
, com a posterior citação da autarquia em11/04/2014
(ID 103041249 – pág. 29) e a prolação da sentença em19/08/2015
(ID 103041249 – pág. 73), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de “aposentadoria por invalidez” será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de “auxílio-doença”, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
Ao passo que o “auxílio-doença” é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da
legis
).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de “auxílio-doença” e “aposentadoria por invalidez”.
Do caso concreto.
Verifica-se cópia de CTPS da autora (ID 103041249 – pág. 15/18), comprovando vinculação empregatícia desde 01/10/1982 até 31/12/1982, e a partir de 01/08/2012, sem constar rescisão.
Para além, comprovantes de recolhimentos previdenciários (ID 103041249 – pág. 19/22) e laudas extraídas do sistema informatizado CNIS (ID 103041249 – pág. 64/66), revelando contribuições vertidas, de competências fevereiro a dezembro/2011 e de janeiro/2012 a julho/2014.
Observou-se deferimento administrativo de benefício “auxílio-doença”, sob NB 600.811.996-0 (ID 103041249 – pág. 39), desde 17/02/2013 e até 10/05/2013.
Por sua vez, foram trazidos aos autos documentos médicos (ID 103041249 – pág. 23/27), sendo que, do resultado de perícia judicial realizada em 11/09/2014 (ID 103041249 – pág. 55/57), constatara-se que a demandante - contando com
42 anos de idade
à época (ID 103041249 – pág. 13) - padeceria deartrose e hérnia de disco
, caracterizadaincapacidade total e permanente
para sua atividade laborativa regular,doméstica
.
Em resposta aos quesitos formulados (ID 103041249 – pág. 08, 29 e 34), destacou-se a data de início da incapacidade como sendo em setembro/2007.
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,
a contrario sensu
do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
O julgado de Primeiro Grau afastara a concessão da benesse em razão da permanência da autora em atividade laborativa.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em conceder benefício previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se
estado de necessidade
e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou voltado a trabalhar, por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma vez que pode tê-lo feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se tratando de empregada doméstica, não obstante incapacitada para tal.
Todavia, o que ocorre no presente caso é que, ainda que diagnosticada a
incapacidade laborativa da parte autora
, o laudo judicial mencionara seu surgimento coincidindo com, repita-se,setembro/2007
.
E como observado nos autos, após o vínculo de emprego extinto no ano de 1982, a parte autora reingressara no RGPS, como contribuinte individual, no ano de 2011, notadamente já portadora dos males incapacitantes.
Clara, portanto, a
preexistência de doença
ao retorno da parte autora no regime previdenciário, ou seja, a moléstia teria surgido antes mesmo da reaquisição da qualidade de segurada.
A esse propósito, inicialmente é necessário frisar que a Seguridade Social brasileira está construída sobre os parâmetros jurídicos da solidariedade, de modo que a seguro social depende do cumprimento de um conjunto de requisitos distribuídos por toda sociedade e também para o Estado, especialmente por trabalhadores, sendo certo que as contribuições necessárias ao custeio desse conjunto de benefícios pecuniários devem ser recolhidas mesmo quando o trabalhador não está acometido de doenças incapacitantes.
Não havendo contribuições por parte dos trabalhadores (contribuintes obrigatórios ou facultativos) sob a lógica solidária que mantém o sistema de seguridade, e se esses trabalhadores só fazem discretas contribuições quando já estão acometidos de doenças incapacitantes, por certo o benefício previdenciário não é devido à luz da Lei nº 8.213/1991 e da própria lógica constitucional da Previdência.
Ante o exposto,
nego provimento
à apelação da parte autora
, mantendo hígida a r. sentença, ainda que por fundamento diverso.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE. INÍCIO DO IMPEDIMENTO EM ÉPOCA ANTERIOR À REFILIAÇÃO NO RGPS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA, AINDA QUE POR FUNDAMENTO DIVERSO.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da
legis
).4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
8 - Cópia de CTPS da autora comprovando vinculação empregatícia desde 01/10/1982 até 31/12/1982, e a partir de 01/08/2012, sem constar rescisão.
9 - Comprovantes de recolhimentos previdenciários e laudas extraídas do sistema informatizado CNIS, revelando contribuições vertidas, de competências fevereiro a dezembro/2011 e de janeiro/2012 a julho/2014.
10 - Trazidos aos autos documentos médicos, sendo que, do resultado de perícia judicial realizada em 11/09/2014, constatara-se que a demandante - contando com
42 anos de idade
à época - padeceria deartrose e hérnia de disco
, caracterizadaincapacidade total e permanente
para sua atividade laborativa regular,doméstica
. Em resposta aos quesitos formulados, destacou-se a data de início da incapacidade como sendo em setembro/2007.11 - O julgado de Primeiro Grau afastara a concessão da benesse em razão da permanência da autora em atividade laborativa.
12 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade.
13 - Ainda que diagnosticada a
incapacidade laborativa da parte autora
, o laudo judicial mencionara seu surgimento coincidindo com, repita-se,setembro/2007
.14 - Após o vínculo de emprego extinto no ano de 1982, a parte autora reingressara no RGPS, como contribuinte individual, no ano de 2011, notadamente já portadora dos males incapacitantes.
15 - Preexistência de doença ao retorno da parte autora no regime previdenciário, ou seja, a moléstia teria surgido antes mesmo da reaquisição da qualidade de segurada.
16 - Apelação da parte autora desprovida. Sentença mantida, por fundamentação diversa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, mantendo hígida a r. sentença, ainda que por fundamento diverso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
