Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003668-49.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/11/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA LEGAL. MATÉRIAS
INCONTROVERSAS. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE PARCIALMENTE DEFINITIVA OU
TEMPORÁRIA, A DEPENDER DA SUBMISSÃO A PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. IDADE
AVANÇADA. INVIABILIDADE DE PROCESSO REABILITATÓRIO. ANÁLISE DO CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO E HISTÓRICO LABORAL. SÚMULA 47 DA TNU. PRECEDENTE DO STJ.
INCAPACIDADE ABSOLUTA E PERMANENTE CONFIGURADA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PRETÉRITO. SÚMULA 567
DO STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO.
TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. CUSTAS PROCESSUAIS DEVIDAS.
MATO GROSSO DO SUL. LEI ESTADUAL Nº 3.779/2009. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA
CONCEDIDA. APELO DO INSS PREJUDICADO.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - Os requisitos qualidade de segurado e carência legal restaram incontroversos, na medida em
que o INSS não impugnou o capítulo da sentença que os reconheceu, nem esta foi submetida à
remessa necessária. O objeto recursal se restringe a saber se configurada ou não a incapacidade
da demandante, e, se configurada, qual a sua natureza: caso for constada ser temporária,
acertado o deferimento de auxílio-doença; caso definitiva, de rigor a concessão de aposentadoria
por invalidez.
9 - A profissional médica indicada pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 09 de
outubro de 2015 (ID 1459691, p. 134-142), quando a autora possuía 58 (cinquenta e oito) anos de
idade, consignou o seguinte: "A pericianda informa dor articular e nos movimentos de ombro
direito. O exame de ultrassom de ombro direito datado de 25/01/2012 mostra ruptura completa de
supra espinhal, confirmado pela ressonância magnética de 22/05/2015. O exame físico de ombro
direito evidencia limitação da rotação externa associado à abdução do braço. Existe limitação
para o carregamento de peso ou atividade que eleve o braço direito acima da linha média do
ombro, principalmente associado à manutenção de força, e rotação externa do ombro. Existe
possibilidade de tratamento cirúrgico, dependendo da avaliação do médico assistente. A
incapacidade é parcial. Caso seja possível o tratamento cirúrgico, a incapacidade é temporária
para tratamento. Na impossibilidade de cirurgia, estará consolidada incapacidade parcial e
definitiva, com impossibilidade de exercer atividade como faxineira doméstica (necessita maior
força e elevação de braço direito para limpeza pesada), mas podendo exercer atividade como
empregada doméstica compatíveis com a lesão e limitação, e outras atividades urbanas”.
10 - Ainda que o laudo tenha apontado pelo impedimento temporário/parcial definitivo da
requerente, se afigura pouco crível que, quem sempre trabalhou como empregada doméstica,
portadora de ruptura completa de músculo de mobilidade em ombro, e que conta, atualmente,
com mais de 60 (sessenta) anos de idade, vá conseguir retornar à sua atividade habitual, ou
mesmo, após reabilitação, capacitação e treinamento, recolocação profissional em outras
funções.
11 - Dessa forma, tem-se que a demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação
para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude do seu
contexto socioeconômico, histórico laboral e da patologia de que é portadora, o que enseja a
concessão de aposentadoria por invalidez.
12 - Análise do contexto social e econômico, com base na Súmula 47 da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data
de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010.
13 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do
auxílio-doença pretérito (NB: 603.596.977-5), a DIB da aposentadoria por invalidez deve ser
fixada no momento do cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do
requerimento (DER) até a sua cessação (21.10.2014 - ID 1459691, p. 23), a autora efetivamente
estava protegida pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
14 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
15 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
16 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.".
17 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
18 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
19 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
20 - No que tange às custas processuais, em se tratando de processo com tramitação perante a
Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul, deve ser observado o disposto na Lei Estadual n.º
3.779, de 11/11/2009, que em seu artigo 24, §1º, dispõe que a isenção do recolhimento da taxa
judiciária não se aplica ao INSS.
21 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Tutela
específica concedida. Apelo do INSS prejudicado.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003668-49.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA NEUZA RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANE PARREIRA RENDA DE OLIVEIRA CARDOSO -
SP119377-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003668-49.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA NEUZA RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANE PARREIRA RENDA DE OLIVEIRA CARDOSO -
SP119377-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e
por MARIA NEUZA RODRIGUES, em ação ajuizada pela última, objetivando o restabelecimento
de benefício de auxílio-doença e, caso preenchidas as condições legais, sua conversão em
aposentadoria por invalidez.
A r. sentença julgou procedente o pedido deduzido, condenando o INSS no restabelecimento e no
pagamento dos atrasados de auxílio-doença, desde a data da sua cessação indevida, que se deu
em 20.10.2014 (ID 1459691, p. 23). Fixou correção monetária e juros de mora de acordo com a
Lei 11.960/09. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em
10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas em atraso, contabilizadas até a data da sua
prolação. Por fim, determinou a imediata reimplantação do benefício, deferindo o pedido de tutela
antecipada (ID 1459691, p. 161-166).
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a
demandante não demonstrou ser incapaz para o labor, já que, após a cessação do auxílio-doença
pretérito, que quer ver restabelecido com a presente demanda, retornou ao trabalho. Em sede
subsidiária, requer seja permitido o desconto dos valores correspondentes aos meses em que a
autora desenvolveu atividade laboral após a DIB fixado no decisum, a alteração dos critérios de
aplicação da correção monetária e, por fim, seja afastada sua condenação no pagamento de
custas processuais (ID 1459691, p. 178-190).
A requerente também interpôs recurso de apelação, na forma adesiva, na qual sustenta que se
encontra total e definitivamente incapaz para o labor, fazendo jus à aposentadoria por invalidez
(ID 1459691, p. 215-223). Apresentou, ainda, contrarrazões (ID 1459691, p. 208-214).
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional
Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003668-49.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA NEUZA RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANE PARREIRA RENDA DE OLIVEIRA CARDOSO -
SP119377-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime
não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou
agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a
partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença
e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
Os requisitos qualidade de segurado e carência legal restaram incontroversos, na medida em que
o INSS não impugnou o capítulo da sentença que os reconheceu, nem esta foi submetida à
remessa necessária. O objeto recursal se restringe a saber se configurada ou não a incapacidade
da demandante, e, se configurada, qual a sua natureza: caso for constada ser temporária,
acertado o deferimento de auxílio-doença; caso definitiva, de rigor a concessão de aposentadoria
por invalidez.
A profissional médica indicada pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 09 de outubro
de 2015 (ID 1459691, p. 134-142), quando a autora possuía 58 (cinquenta e oito) anos de idade,
consignou o seguinte:
" A pericianda informa dor articular e nos movimentos de ombro direito.
O exame de ultrassom de ombro direito datado de 25/01/2012 mostra ruptura completa de supra
espinhal, confirmado pela ressonância magnética de 22/05/2015.
O exame físico de ombro direito evidencia limitação da rotação externa associado à abdução do
braço. Existe limitação para o carregamento de peso ou atividade que eleve o braço direito acima
da linha média do ombro, principalmente associado à manutenção de força, e rotação externa do
ombro. Existe possibilidade de tratamento cirúrgico, dependendo da avaliação do médico
assistente. A incapacidade é parcial.
Caso seja possível o tratamento cirúrgico, a incapacidade é temporária para tratamento. Na
impossibilidade de cirurgia, estará consolidada incapacidade parcial e definitiva, com
impossibilidade de exercer atividade como faxineira doméstica (necessita maior força e elevação
de braço direito para limpeza pesada), mas podendo exercer atividade como empregada
doméstica compatíveis com a lesão e limitação, e outras atividades urbanas”.
Ainda que o laudo tenha apontado pelo impedimento temporário/parcial definitivo da requerente,
se me afigura pouco crível que, quem sempre trabalhou como empregada doméstica, portadora
de ruptura completa de músculo de mobilidade em ombro, e que conta, atualmente, com mais de
60 (sessenta) anos de idade, vá conseguir retornar à sua atividade habitual, ou mesmo, após
reabilitação, capacitação e treinamento, recolocação profissional em outras funções.
Nessa senda, cumpre transcrever o enunciado da Súmula 47, da TNU - Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais:
"Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições
pessoais e sociais do segurado para a concessão do de aposentadoria por invalidez".
Corroborado pela jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. REEXAME. PROVA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. 1. Segundo a jurisprudência deste Colegiado, é possível
a verificação do contexto socioeconômico do segurado com a finalidade de concessão da
aposentadoria por invalidez sem ofensa à norma do art. 42 da Lei de Benefícios. 2. A inversão do
decidido pelas instâncias ordinária demanda o revolvimento do contexto fático dos autos e desafia
a Súmula n. 7/STJ. Precedente da egrégia Terceira Seção. 3. Agravo regimental improvido. (STJ
- AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de
Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010)"
Dessa forma, tenho que a demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação para
o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude do seu contexto
socioeconômico, histórico laboral e da patologia de que é portadora, o que enseja a concessão de
aposentadoria por invalidez.
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do auxílio-doença pretérito
(NB: 603.596.977-5), a DIB da aposentadoria por invalidez deve ser fixada no momento do
cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua
cessação (21.10.2014 - ID 1459691, p. 23), a autora efetivamente estava protegida pelo Sistema
da Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
Passo à análise da questão envolvendo o trabalho da requerente no período em que reconhecida
a incapacidade laborativa, com o desdobramento no pagamento das parcelas em atraso.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer
suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim
como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de
tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que dão sustentação ao
raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do
segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em
relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em manter benefício
previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão
resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe
resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação
incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito
menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente
é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado
fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então,
para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele
que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima
pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade
de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até
porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA.
AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou voltado a trabalhar,
por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma vez que pode tê-lo
feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se tratando de empregada
doméstica, não obstante incapacitada para tal. 2. A autora, que deveria ter sido aposentada por
invalidez, porém continuou a contribuir após referido período, em função de indevida negativa do
benefício pelo INSS, não pode ser penalizada com o desconto dos salários-de-contribuição sobre
os quais verteu contribuições, pois, se buscou atividade remunerada, por falta de alternativa, para
o próprio sustento, em que pese a incapacidade laborativa, no período em que a autarquia opôs-
se ilegalmente ao seu direito, não cabe ao INSS tirar proveito de sua própria conduta. 3. No que
tange à correção monetária, devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a
partir da vigência da Lei 11.960/09. 4. Agravo parcialmente provido." (AC 0036499-
51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1
DATA:15/02/2013)".
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. MATÉRIA PRELIMINAR.
ESPERA PELA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO À ATIVIDADE
LABORATIVA. POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO CONJUNTA DE BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE E SALÁRIO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA.
VALORAÇÃO DE TODAS AS PROVAS ACOSTADOS AOS AUTOS SUBJACENTES. ERRO
FATO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A matéria preliminar confunde-se com o mérito e com ele será examinada.
II - Há que prevalecer o entendimento já adotado na 10ª Turma, no sentido de que comprovada a
incapacidade laborativa e não tendo sido concedida tutela para implantação do benefício, não se
justifica a exclusão do período em que o segurado, mesmo tendo direito ao benefício, teve que
trabalhar para garantir a sua subsistência, já que não é razoável que se exija que o segurado
tenha recursos para se manter até que o seu feito seja julgado.
III - Malgrado o ora réu tenha exercido atividade remunerada desde o termo inicial do benefício de
auxílio-doença fixado pela r. decisão rescindenda (05.02.2006) até agosto de 2011, conforme
extrato do CNIS acostado aos autos, cabe ponderar que este havia sido contemplado com
benefício de auxílio-doença nos períodos de 25.06.2004 a 04.07.2005, de 16.10.2005 a
30.11.2005 e de 25.01.2006 a 05.02.2006, havendo, ainda, documentos médicos apontando a
ocorrência da mesma enfermidade constatada pela perícia oficial (epicondilite lateral do cotovelo
direito) desde agosto de 2004. Assim sendo, é razoável inferir que o ora réu teve que buscar o
mercado de trabalho mesmo sem plenas condições físicas para tal.
IV - A r. decisão rescindenda apreciou o conjunto probatório em sua inteireza, segundo o princípio
da livre convicção motivada, tendo concluído pela existência de incapacidade parcial e temporária
do réu para o trabalho, a ensejar a concessão do benefício de auxílio-doença.
V - Não se admitiu um fato inexistente ou se considerou inexistente um fato efetivamente
ocorrido, pois foram consideradas as provas acostadas aos autos originários, com
pronunciamento judicial sobre o tema, mesmo porque não constava das peças que compuseram
os aludidos autos o extrato de CNIS indicando a manutenção de atividade laborativa após a
cessação do benefício de auxílio-doença concedido na esfera administrativa.
VI - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais) a serem suportados pelo
INSS.
VII - Preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente."
(AR nº 0019784-55.2011.4.03.0000, Rel. Des. Federal Sérgio Nascimento, 3ª Seção, e-DJF3
18/11/2013)”.
A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do
Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:
“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de
aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Arbitro os honorários advocatícios no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo
com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as
parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as
condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba
honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada moderadamente.
No que tange às custas processuais, em se tratando de processo com tramitação perante a
Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul, deve ser observado o disposto na Lei Estadual n.º
3.779, de 11/11/2009, que em seu artigo 24, §1º, dispõe que a isenção do recolhimento da taxa
judiciária não se aplica ao INSS.
Por derradeiro, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica nos moldes do art.
497 do Código de Processo Civil. Dessa forma, em atenção a expresso requerimento da parte
autora, visando assegurar o resultado concreto buscado na demanda e a eficiência da prestação
jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado, determino seja enviado e-mail ao INSS -
Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os documentos da parte autora, a fim de serem
adotadas as providências cabíveis ao cumprimento desta decisão, para a implantação do
benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias.
Ante o exposto, dou provimento à apelação adesiva da parte autora para julgar procedente o
pedido e, com isso, condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de
aposentadoria por invalidez, desde a data da cessação de auxílio-doença pretérito, ocorrida em
21.10.2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação
da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e
juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, além de
condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) sobre o
valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, com a
antecipação dos efeitos da tutela; restando, por fim, prejudicado o apelo autárquico.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA LEGAL. MATÉRIAS
INCONTROVERSAS. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE PARCIALMENTE DEFINITIVA OU
TEMPORÁRIA, A DEPENDER DA SUBMISSÃO A PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. IDADE
AVANÇADA. INVIABILIDADE DE PROCESSO REABILITATÓRIO. ANÁLISE DO CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO E HISTÓRICO LABORAL. SÚMULA 47 DA TNU. PRECEDENTE DO STJ.
INCAPACIDADE ABSOLUTA E PERMANENTE CONFIGURADA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PRETÉRITO. SÚMULA 567
DO STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO.
TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. CUSTAS PROCESSUAIS DEVIDAS.
MATO GROSSO DO SUL. LEI ESTADUAL Nº 3.779/2009. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA
CONCEDIDA. APELO DO INSS PREJUDICADO.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - Os requisitos qualidade de segurado e carência legal restaram incontroversos, na medida em
que o INSS não impugnou o capítulo da sentença que os reconheceu, nem esta foi submetida à
remessa necessária. O objeto recursal se restringe a saber se configurada ou não a incapacidade
da demandante, e, se configurada, qual a sua natureza: caso for constada ser temporária,
acertado o deferimento de auxílio-doença; caso definitiva, de rigor a concessão de aposentadoria
por invalidez.
9 - A profissional médica indicada pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 09 de
outubro de 2015 (ID 1459691, p. 134-142), quando a autora possuía 58 (cinquenta e oito) anos de
idade, consignou o seguinte: "A pericianda informa dor articular e nos movimentos de ombro
direito. O exame de ultrassom de ombro direito datado de 25/01/2012 mostra ruptura completa de
supra espinhal, confirmado pela ressonância magnética de 22/05/2015. O exame físico de ombro
direito evidencia limitação da rotação externa associado à abdução do braço. Existe limitação
para o carregamento de peso ou atividade que eleve o braço direito acima da linha média do
ombro, principalmente associado à manutenção de força, e rotação externa do ombro. Existe
possibilidade de tratamento cirúrgico, dependendo da avaliação do médico assistente. A
incapacidade é parcial. Caso seja possível o tratamento cirúrgico, a incapacidade é temporária
para tratamento. Na impossibilidade de cirurgia, estará consolidada incapacidade parcial e
definitiva, com impossibilidade de exercer atividade como faxineira doméstica (necessita maior
força e elevação de braço direito para limpeza pesada), mas podendo exercer atividade como
empregada doméstica compatíveis com a lesão e limitação, e outras atividades urbanas”.
10 - Ainda que o laudo tenha apontado pelo impedimento temporário/parcial definitivo da
requerente, se afigura pouco crível que, quem sempre trabalhou como empregada doméstica,
portadora de ruptura completa de músculo de mobilidade em ombro, e que conta, atualmente,
com mais de 60 (sessenta) anos de idade, vá conseguir retornar à sua atividade habitual, ou
mesmo, após reabilitação, capacitação e treinamento, recolocação profissional em outras
funções.
11 - Dessa forma, tem-se que a demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação
para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude do seu
contexto socioeconômico, histórico laboral e da patologia de que é portadora, o que enseja a
concessão de aposentadoria por invalidez.
12 - Análise do contexto social e econômico, com base na Súmula 47 da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data
de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010.
13 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do
auxílio-doença pretérito (NB: 603.596.977-5), a DIB da aposentadoria por invalidez deve ser
fixada no momento do cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do
requerimento (DER) até a sua cessação (21.10.2014 - ID 1459691, p. 23), a autora efetivamente
estava protegida pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
14 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
15 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
16 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.".
17 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
18 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
19 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
20 - No que tange às custas processuais, em se tratando de processo com tramitação perante a
Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul, deve ser observado o disposto na Lei Estadual n.º
3.779, de 11/11/2009, que em seu artigo 24, §1º, dispõe que a isenção do recolhimento da taxa
judiciária não se aplica ao INSS.
21 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Tutela
específica concedida. Apelo do INSS prejudicado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação adesiva da parte autora para julgar procedente o
pedido e, com isso, condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de
aposentadoria por invalidez, desde a data da cessação de auxílio-doença pretérito, ocorrida em
21.10.2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação
da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e
juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, além de
condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) sobre o
valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, com a
antecipação dos efeitos da tutela; restando, por fim, prejudicado o apelo autárquico, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
