Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001374-24.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
23/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/10/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA
LEGAL. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O TRABALHO HABITUAL. REABILITAÇÃO.
POSSIBILIDADE. LAUDO MÉDICO. ART. 479, CPC. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO
MOTIVADO. ART. 375, CPC. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. VALORAÇÃO DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO.
PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE.
SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO. TEMA REPETITIVO
Nº 1.013/STJ. DIB. DATA DA CITAÇÃO. SÚMULA 576, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS
DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA
ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com
fundamento em exame realizado em 31 de julho de 2013 (ID 485727), quando o demandante
possuía 29 (vinte e nove) anos, o diagnosticou como portador de “epilepsia”. Relatou que, “no
caso de avaliação para a atividade de campo (trabalhador rural), há restrições para o
desempenho da vida diária. Devendo evitar atividades de esforços e de risco de vida
(queimaduras e quedas)”, o que foi reafirmado em resposta ao quesito de nº 06 da autarquia,
atestando a existência incapacidade total para sua atividade costumeira de rurícola. Contudo,
destacou que este pode exercer outras atividades, devendo “escolher uma profissão que não
ponha em risco a sua integridade física (ou a de outrem) na eventualidade de uma crise, se não
controlada”. Por fim, fixou a DII em julho de 2012.
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Ainda que o expert tenha fixado o início da incapacidade em tal momento, verifica-se que
esta já estava presente em período anterior.
11 - Ao responder o quesito de nº 09 do INSS, o qual perguntava sobre o instante da DII, e em
quais dados o perito teria se baseado para assim a estabelecer, se limitou a responder:
“consideramos em julho de 2012”.
12 - Interessante notar, todavia, que o vistor oficial relatou terem lhe sido apresentados dois
eletroencefalogramas digitais com mapeamento cerebral, de 28.03.2011 e de 25.01.2012, os
quais, respectivamente, denotavam a presença de “anormalidade paroxística nas regiões
anteriores ora num ora noutro hemisfério cerebral” e “anormalidade paroxística anterior à
esquerda”, anormalidades estas que, por certo, causam o mal incapacitante.
13 - Se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375, CPC), que a epilepsia, e por conseguinte a
incapacidade, já não estavam configuradas ao tempo do primeiro exame, em março de 2011.
14 - Alie-se, como elemento de convicção, que informações extraídas do Cadastro Nacional de
Informações Sociais - CNIS, cujo extrato encontra-se anexo aos autos (ID 485722, p. 12), dão
conta que o autor exerceu atividade remunerada regular, com registro em CTPS, até meados de
2010, o que se coaduna com a hipótese de surgimento da incapacidade entre aquele ano e o ano
seguinte.
15 - Fixada a DII em março de 2011, se mostra inequívoco que o demandante cumpria os
requisitos carência e qualidade de segurado nesta época.
16 - Segundo o mesmo Cadastro, manteve vínculos de trabalho entre 12.05.2003 e 16.06.2003,
05.06.2007 a 26.06.2007, 01.11.2007 a 30.11.2007, 20.05.2008 a 31.06.2008, 02.02.2009 a
31.12.2009, 01.02.2010 a 28.02.2010 e, por fim, de 03.03.2010 a 13.03.2010. Portanto, teria
permanecido filiado ao RGPS, contabilizando-se a prorrogação legal de 12 (doze) meses da
manutenção da qualidade de segurado, até 15.05.2011 (art. 30, II, da Lei 8.212/91 c/c arts. 13, II,
e 14, do Dec. 3.048/99 em sua redação vigente à época).
17 - Nem se alegue que não foi implementada a carência de 12 (doze) contribuições
previdenciárias para fins de incapacidade (art. 25, I, da Lei 8.213/91). Com relação aos 3 (três)
últimos vínculos de trabalho do autor, vê-se que não perdeu a qualidade de segurado entre eles
justamente por causa da prorrogação legal supra, tendo, portanto, vertido ao menos 13 (treze)
recolhimentos em sequência.
18 - Em síntese, cumpridos os requisitos qualidade de segurado e carência, quando do início da
incapacidade para o trabalho habitual, sendo passível a reabilitação do requerente para outras
funções, de rigor a concessão de auxílio-doença (art. 59 da Lei 8.213/91).
19 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
20 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
21 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.".
22 - No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só tem vez quando o
segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação
habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a constatação,
haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação profissional, nos
exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91. Nessa senda, uma vez concedido e dada sua
natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado,
ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou aposentadoria por invalidez, sendo
necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do segurado, o que se dá por meio da
realização de perícias periódicas por parte da autarquia, conforme previsão expressa contida no
art. 101 da Lei nº 8.213/91. Bem por isso, descabe cogitar-se da impossibilidade de cessação do
benefício, sem a realização de procedimento reabilitatório, caso a perícia administrativa constate
o restabelecimento da capacidade laboral para o trabalho habitual, uma vez que esse dever
decorre de imposição de Lei. Eventual alegação de agravamento do quadro de saúde e
concessão de nova benesse, por se tratar de situação fática diversa, deve ser objeto de novo
pedido administrativo ou judicial, sob pena de eternização desta lide.
23 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a ausência de requerimento administrativo, fixo a DIB na
data da citação.
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
27 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Tutela
específica concedida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001374-24.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: PAULO ROGERIO MORLA
Advogado do(a) APELANTE: DIVANEI ABRUCEZE GONCALVES - MS4263-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001374-24.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: PAULO ROGERIO MORLA
Advogado do(a) APELANTE: DIVANEI ABRUCEZE GONCALVES - MS4263-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por PAULO ROGERIO MORLA, em ação ajuizada em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de auxílio-
doença ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença julgou improcedente o pedido. Condenada a parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação
de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência
judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50,
reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC (ID 485726, p. 02-04).
Em razões recursais, o autor pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que preenche
os requisitos para a concessão dos benefícios ora vindicados (ID 485728, p. 07-16).
Sem contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001374-24.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: PAULO ROGERIO MORLA
Advogado do(a) APELANTE: DIVANEI ABRUCEZE GONCALVES - MS4263-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime
não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou
agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a
partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença
e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com fundamento
em exame realizado em 31 de julho de 2013 (ID 485727), quando o demandante possuía 29
(vinte e nove) anos, o diagnosticou como portador de “epilepsia”.
Relatou que, “no caso de avaliação para a atividade de campo (trabalhador rural), há restrições
para o desempenho da vida diária. Devendo evitar atividades de esforços e de risco de vida
(queimaduras e quedas)”, o que foi reafirmado em resposta ao quesito de nº 06 da autarquia,
atestando a existência incapacidade total para sua atividade costumeira de rurícola.
Contudo, destacou que este pode exercer outras atividades, devendo “escolher uma profissão
que não ponha em risco a sua integridade física (ou a de outrem) na eventualidade de uma crise,
se não controlada”.
Por fim, fixou a DII em julho de 2012.
Assevero que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Ainda que o expert tenha fixado o início da incapacidade em tal momento, verifico que esta já
estava presente em período anterior.
Com efeito, ao responder o quesito de nº 09 do INSS, o qual perguntava sobre o instante da DII,
e em quais dados o perito teria se baseado para assim a estabelecer, se limitou a responder:
“consideramos em julho de 2012”.
Interessante notar, todavia, que o vistor oficial relatou terem lhe sido apresentados dois
eletroencefalogramas digitais com mapeamento cerebral, de 28.03.2011 e de 25.01.2012, os
quais, respectivamente, denotavam a presença de “anormalidade paroxística nas regiões
anteriores ora num ora noutro hemisfério cerebral” e “anormalidade paroxística anterior à
esquerda”, anormalidades estas que, por certo, causam o mal incapacitante.
Se me afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375, CPC), que a epilepsia, e por conseguinte a
incapacidade, já não estavam configuradas ao tempo do primeiro exame, em março de 2011.
Alie-se, como elemento de convicção, que informações extraídas do Cadastro Nacional de
Informações Sociais - CNIS, cujo extrato encontra-se anexo aos autos (ID 485722, p. 12), dão
conta que o autor exerceu atividade remunerada regular, com registro em CTPS, até meados de
2010, o que se coaduna com a hipótese de surgimento da incapacidade entre aquele ano e o ano
seguinte.
Fixada a DII em março de 2011, se mostra inequívoco que o demandante cumpria os requisitos
carência e qualidade de segurado nesta época.
Segundo o mesmo Cadastro, manteve vínculos de trabalho entre 12.05.2003 e 16.06.2003,
05.06.2007 a 26.06.2007, 01.11.2007 a 30.11.2007, 20.05.2008 a 31.06.2008, 02.02.2009 a
31.12.2009, 01.02.2010 a 28.02.2010 e, por fim, de 03.03.2010 a 13.03.2010. Portanto, teria
permanecido filiado ao RGPS, contabilizando-se a prorrogação legal de 12 (doze) meses da
manutenção da qualidade de segurado, até 15.05.2011 (art. 30, II, da Lei 8.212/91 c/c arts. 13, II,
e 14, do Dec. 3.048/99 em sua redação vigente à época).
Nem se alegue que não foi implementada a carência de 12 (doze) contribuições previdenciárias
para fins de incapacidade (art. 25, I, da Lei 8.213/91). Com relação aos 3 (três) últimos vínculos
de trabalho do autor, vê-se que não perdeu a qualidade de segurado entre eles justamente por
causa da prorrogação legal supra, tendo, portanto, vertido ao menos 13 (treze) recolhimentos em
sequência.
Em síntese, cumpridos os requisitos qualidade de segurado e carência, quando do início da
incapacidade para o trabalho habitual, sendo passível a reabilitação do requerente para outras
funções, de rigor a concessão de auxílio-doença (art. 59 da Lei 8.213/91).
Passo à questão envolvendo o trabalho no período em que reconhecida a incapacidade
laborativa, conforme relato de uma das testemunhas ouvidas em audiência de instrução e
julgamento de 03 de março de 2015, a qual disse que o autor estava trabalhando naquele
momento em propriedade rural familiar (ID 485725, p. 01-02).
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer
suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim
como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de
tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que dão sustentação ao
raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do
segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em
relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em conceder benefício
previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão
resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe
resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação
incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito
menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente
é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado
fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então,
para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele
que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima
pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade
de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até
porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA.
AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou voltado a trabalhar,
por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma vez que pode tê-lo
feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se tratando de empregada
doméstica, não obstante incapacitada para tal. 2. A autora, que deveria ter sido aposentada por
invalidez, porém continuou a contribuir após referido período, em função de indevida negativa do
benefício pelo INSS, não pode ser penalizada com o desconto dos salários-de-contribuição sobre
os quais verteu contribuições, pois, se buscou atividade remunerada, por falta de alternativa, para
o próprio sustento, em que pese a incapacidade laborativa, no período em que a autarquia opôs-
se ilegalmente ao seu direito, não cabe ao INSS tirar proveito de sua própria conduta. 3. No que
tange à correção monetária, devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a
partir da vigência da Lei 11.960/09. 4. Agravo parcialmente provido." (AC 0036499-
51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1
DATA:15/02/2013)".
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. MATÉRIA PRELIMINAR.
ESPERA PELA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO À ATIVIDADE
LABORATIVA. POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO CONJUNTA DE BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE E SALÁRIO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA.
VALORAÇÃO DE TODAS AS PROVAS ACOSTADOS AOS AUTOS SUBJACENTES. ERRO
FATO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A matéria preliminar confunde-se com o mérito e com ele será examinada.
II - Há que prevalecer o entendimento já adotado na 10ª Turma, no sentido de que comprovada a
incapacidade laborativa e não tendo sido concedida tutela para implantação do benefício, não se
justifica a exclusão do período em que o segurado, mesmo tendo direito ao benefício, teve que
trabalhar para garantir a sua subsistência, já que não é razoável que se exija que o segurado
tenha recursos para se manter até que o seu feito seja julgado.
III - Malgrado o ora réu tenha exercido atividade remunerada desde o termo inicial do benefício de
auxílio-doença fixado pela r. decisão rescindenda (05.02.2006) até agosto de 2011, conforme
extrato do CNIS acostado aos autos, cabe ponderar que este havia sido contemplado com
benefício de auxílio-doença nos períodos de 25.06.2004 a 04.07.2005, de 16.10.2005 a
30.11.2005 e de 25.01.2006 a 05.02.2006, havendo, ainda, documentos médicos apontando a
ocorrência da mesma enfermidade constatada pela perícia oficial (epicondilite lateral do cotovelo
direito) desde agosto de 2004. Assim sendo, é razoável inferir que o ora réu teve que buscar o
mercado de trabalho mesmo sem plenas condições físicas para tal.
IV - A r. decisão rescindenda apreciou o conjunto probatório em sua inteireza, segundo o princípio
da livre convicção motivada, tendo concluído pela existência de incapacidade parcial e temporária
do réu para o trabalho, a ensejar a concessão do benefício de auxílio-doença.
V - Não se admitiu um fato inexistente ou se considerou inexistente um fato efetivamente
ocorrido, pois foram consideradas as provas acostadas aos autos originários, com
pronunciamento judicial sobre o tema, mesmo porque não constava das peças que compuseram
os aludidos autos o extrato de CNIS indicando a manutenção de atividade laborativa após a
cessação do benefício de auxílio-doença concedido na esfera administrativa.
VI - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais) a serem suportados pelo
INSS.
VII - Preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente."
(AR nº 0019784-55.2011.4.03.0000, Rel. Des. Federal Sérgio Nascimento, 3ª Seção, e-DJF3
18/11/2013)”.
A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do
Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:
“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de
aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só tem vez quando o
segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação
habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a constatação,
haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação profissional, nos
exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91.
Nessa senda, uma vez concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício de
auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de reabilitação
ou aposentadoria por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas
do segurado, o que se dá por meio da realização de perícias periódicas por parte da autarquia,
conforme previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº 8.213/91.
Bem por isso, descabe cogitar-se da impossibilidade de cessação do benefício, sem a realização
de procedimento reabilitatório, caso a perícia administrativa constate o restabelecimento da
capacidade laboral para o trabalho habitual, uma vez que esse dever decorre de imposição de
Lei. Eventual alegação de agravamento do quadro de saúde e concessão de nova benesse, por
se tratar de situação fática diversa, deve ser objeto de novo pedido administrativo ou judicial, sob
pena de eternização desta lide.
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
Tendo em vista a ausência de requerimento administrativo, fixo a DIB na data da citação.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Arbitro os honorários advocatícios no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo
com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as
parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as
condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba
honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada moderadamente.
Por derradeiro, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica nos moldes do art.
497 do Código de Processo Civil. Dessa forma, em atenção a expresso requerimento da parte
autora, visando assegurar o resultado concreto buscado na demanda e a eficiência da prestação
jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado, determino seja enviado e-mail ao INSS -
Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os documentos da parte autora, a fim de serem
adotadas as providências cabíveis ao cumprimento desta decisão, para a implantação do
benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para julgar procedente o pedido e,
com isso, condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de auxílio-doença,
desde a data da citação, sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual,
além de condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento)
sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição,
com a antecipação dos efeitos da tutela.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA
LEGAL. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O TRABALHO HABITUAL. REABILITAÇÃO.
POSSIBILIDADE. LAUDO MÉDICO. ART. 479, CPC. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO
MOTIVADO. ART. 375, CPC. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. VALORAÇÃO DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO.
PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE.
SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO. TEMA REPETITIVO
Nº 1.013/STJ. DIB. DATA DA CITAÇÃO. SÚMULA 576, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS
DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA
ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com
fundamento em exame realizado em 31 de julho de 2013 (ID 485727), quando o demandante
possuía 29 (vinte e nove) anos, o diagnosticou como portador de “epilepsia”. Relatou que, “no
caso de avaliação para a atividade de campo (trabalhador rural), há restrições para o
desempenho da vida diária. Devendo evitar atividades de esforços e de risco de vida
(queimaduras e quedas)”, o que foi reafirmado em resposta ao quesito de nº 06 da autarquia,
atestando a existência incapacidade total para sua atividade costumeira de rurícola. Contudo,
destacou que este pode exercer outras atividades, devendo “escolher uma profissão que não
ponha em risco a sua integridade física (ou a de outrem) na eventualidade de uma crise, se não
controlada”. Por fim, fixou a DII em julho de 2012.
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Ainda que o expert tenha fixado o início da incapacidade em tal momento, verifica-se que
esta já estava presente em período anterior.
11 - Ao responder o quesito de nº 09 do INSS, o qual perguntava sobre o instante da DII, e em
quais dados o perito teria se baseado para assim a estabelecer, se limitou a responder:
“consideramos em julho de 2012”.
12 - Interessante notar, todavia, que o vistor oficial relatou terem lhe sido apresentados dois
eletroencefalogramas digitais com mapeamento cerebral, de 28.03.2011 e de 25.01.2012, os
quais, respectivamente, denotavam a presença de “anormalidade paroxística nas regiões
anteriores ora num ora noutro hemisfério cerebral” e “anormalidade paroxística anterior à
esquerda”, anormalidades estas que, por certo, causam o mal incapacitante.
13 - Se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375, CPC), que a epilepsia, e por conseguinte a
incapacidade, já não estavam configuradas ao tempo do primeiro exame, em março de 2011.
14 - Alie-se, como elemento de convicção, que informações extraídas do Cadastro Nacional de
Informações Sociais - CNIS, cujo extrato encontra-se anexo aos autos (ID 485722, p. 12), dão
conta que o autor exerceu atividade remunerada regular, com registro em CTPS, até meados de
2010, o que se coaduna com a hipótese de surgimento da incapacidade entre aquele ano e o ano
seguinte.
15 - Fixada a DII em março de 2011, se mostra inequívoco que o demandante cumpria os
requisitos carência e qualidade de segurado nesta época.
16 - Segundo o mesmo Cadastro, manteve vínculos de trabalho entre 12.05.2003 e 16.06.2003,
05.06.2007 a 26.06.2007, 01.11.2007 a 30.11.2007, 20.05.2008 a 31.06.2008, 02.02.2009 a
31.12.2009, 01.02.2010 a 28.02.2010 e, por fim, de 03.03.2010 a 13.03.2010. Portanto, teria
permanecido filiado ao RGPS, contabilizando-se a prorrogação legal de 12 (doze) meses da
manutenção da qualidade de segurado, até 15.05.2011 (art. 30, II, da Lei 8.212/91 c/c arts. 13, II,
e 14, do Dec. 3.048/99 em sua redação vigente à época).
17 - Nem se alegue que não foi implementada a carência de 12 (doze) contribuições
previdenciárias para fins de incapacidade (art. 25, I, da Lei 8.213/91). Com relação aos 3 (três)
últimos vínculos de trabalho do autor, vê-se que não perdeu a qualidade de segurado entre eles
justamente por causa da prorrogação legal supra, tendo, portanto, vertido ao menos 13 (treze)
recolhimentos em sequência.
18 - Em síntese, cumpridos os requisitos qualidade de segurado e carência, quando do início da
incapacidade para o trabalho habitual, sendo passível a reabilitação do requerente para outras
funções, de rigor a concessão de auxílio-doença (art. 59 da Lei 8.213/91).
19 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
20 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
21 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.".
22 - No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só tem vez quando o
segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação
habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a constatação,
haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação profissional, nos
exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91. Nessa senda, uma vez concedido e dada sua
natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado,
ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou aposentadoria por invalidez, sendo
necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do segurado, o que se dá por meio da
realização de perícias periódicas por parte da autarquia, conforme previsão expressa contida no
art. 101 da Lei nº 8.213/91. Bem por isso, descabe cogitar-se da impossibilidade de cessação do
benefício, sem a realização de procedimento reabilitatório, caso a perícia administrativa constate
o restabelecimento da capacidade laboral para o trabalho habitual, uma vez que esse dever
decorre de imposição de Lei. Eventual alegação de agravamento do quadro de saúde e
concessão de nova benesse, por se tratar de situação fática diversa, deve ser objeto de novo
pedido administrativo ou judicial, sob pena de eternização desta lide.
23 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a ausência de requerimento administrativo, fixo a DIB na
data da citação.
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
27 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Tutela
específica concedida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora para julgar procedente o pedido
e, com isso, condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de auxílio-doença,
desde a data da citação, sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual,
além de condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento)
sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição,
com a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
