Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5465105-55.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 02/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PERMANÊNCIA NO TRABALHO
APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA.
DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO. TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ. ALTA
MÉDICA PROGRAMADA JUDICIAL. DCB. PERÍCIAS MÉDICAS PERÍODICAS. APELAÇÃO DO
INSS PARCIALMENTE PROVIDA. MODIFICAÇÃO DA DCB. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE
APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA DE OFÍCIO. SENTENÇA
REFORMADA EM PARTE.
1 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
processual.
2 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
3 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.".
4 - É cediço que o auxílio-doença, nos termos do art. 101, caput, da Lei nº 8.213/91, é benefício
previdenciário de caráter temporário, cabendo ao segurado a submissão a exames médicos a
cargo da Previdência, a fim de se verificar eventual alteração no estado de saúde e na situação
fática que culminou a concessão.
5 - Também denominada de COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), a "alta programada"
consiste na cessação do benefício, na data fixada pelo INSS, sem realização de nova perícia. Era
prevista apenas no art. 78, §1º, do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99),
encontrando, atualmente, guarida no art. 60, §§8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, alterado pela MP
739/2016 (que perdeu vigência) e pela MP 767/2017, que, por sua, vez foi convertida na Lei
13.457/2017.
6 - Não obstante a celeuma em torno do tema, inexiste óbice à fixação de data para a cessação
do auxílio-doença, eis que a previsão de alta é feita com supedâneo em perícia médica e, ainda,
se oportuniza ao segurado, nos termos do RPS, a possibilidade de solicitar a realização de novo
exame pericial, com consequente pedido de prorrogação do benefício, na forma estabelecida pelo
INSS (geralmente, nos 15 dias anteriores à data preestabelecida).
7 - Se possível a fixação da data de alta pelo INSS, com fundamento em perícia administrativa,
com mais razão o magistrado pode também assim o determinar, já que sua decisão é lastreada
em prova médica elaborada por profissional equidistante das partes. Não por outra razão todas as
modificações legislativas, que trataram sobre a COPES, admitiam e admitem a possibilidade de o
próprio Juízo fixar na sentença a data da alta do postulante. O §8º do art. 60 da Lei 8.213/91, em
sua atual redação, é inequívoco ao prescrever que, “sempre que possível, o ato de concessão ou
de reativação do auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a
duração do benefício”
8 - Uma vez concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-
doença pode ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou
aposentadoria por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do
segurado, o que se dá por meio da realização de perícias periódicas por parte da autarquia,
conforme previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº 8.213/91.
9 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, no exame realizado em 27 de outubro de
2018, consignou: “Visto quadro clínico, exame físico e documentação apresentada concluo que o
periciado apresenta-se incapaz total e temporariamente para o trabalho, podendo ser necessário
um período de 12 a 18 meses, para que seja realizado o tratamento específico, devendo ser
submetido após este, a reavaliação quanto a capacidade laborativa, podendo ser reabilitado.”
10 - Haja vista que o expert expressamente ponderou possibilidade de recuperação e reavaliação
de 12 a 18 meses - prazo que se afigura razoável -, de rigor, no que diz com eventual cessação
da benesse, a observância, pelo ente previdenciário, do normativo que prevê a submissão do
segurado à realização das perícias médicas periódicas.
11 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
12 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
13 - Apelação do INSS parcialmente provida. Alteração dos critérios de aplicação da correção
monetária e dos juros de mora de ofício. Sentença reformada em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5465105-55.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFA CLEUSA NAVARRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: AGOSTINHO ANTONIO PAGOTTO - SP70339-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5465105-55.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFA CLEUSA NAVARRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: AGOSTINHO ANTONIO PAGOTTO - SP70339-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por JOSEFA CLEUSA NAVARRO DA SILVA, objetivando o restabelecimento de
auxílio-doença e, caso preenchidas as condições legais, sua conversão em aposentadoria por
invalidez.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de auxílio-doença, desde a data da cessação, que se deu em , 23.08.2018. Fixou
correção monetária nos termos do artigo 41 §7°, da Lei n° 8.212/91, Leis n°s 6.899/81, 8.542/92
e 8.880/84, além das Súmulas 148 do S.T. J e 8 do Tribunal Regional Federal da 3° Região e
juros de mora na forma da Lei n°11.960/09. Condenou o INSS, ainda, no pagamento dos
honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas
até a data da sua prolação. Por fim, determinou a imediata implantação do benefício, deferindo
o pedido de tutela antecipada (ID 47872092, p. 120-123).
Em razões recursais, o INSS requer a reforma da sentença para que sejam abatidos do
pagamento os meses em que houve trabalho da parte autora, bem como para que seja fixada
uma DCB. Subsidiariamente, requer a modificação dos critérios de aplicação da correção
monetária (ID 47872122, p. 158-162).
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 47872129, p. 171-176).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5465105-55.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFA CLEUSA NAVARRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: AGOSTINHO ANTONIO PAGOTTO - SP70339-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Por primeiro, faço a análise da questão envolvendo o trabalho da parte autora no período em
que reconhecida a incapacidade laborativa, ainda, com o desdobramento no pagamento das
parcelas em atraso.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue
exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou
definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada,
após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que
dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da
coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da
Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em manter benefício
previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo
pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento
da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura
má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade
e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser
humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o
sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o
incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela
responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela
jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de
suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade
de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até
porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de
trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que
completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao
erário e ao custeio do regime.
Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO
MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou
voltado a trabalhar, por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma
vez que pode tê-lo feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se
tratando de empregada doméstica, não obstante incapacitada para tal. 2. A autora, que deveria
ter sido aposentada por invalidez, porém continuou a contribuir após referido período, em
função de indevida negativa do benefício pelo INSS, não pode ser penalizada com o desconto
dos salários-de-contribuição sobre os quais verteu contribuições, pois, se buscou atividade
remunerada, por falta de alternativa, para o próprio sustento, em que pese a incapacidade
laborativa, no período em que a autarquia opôs-se ilegalmente ao seu direito, não cabe ao INSS
tirar proveito de sua própria conduta. 3. No que tange à correção monetária, devem ser
aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a partir da vigência da Lei 11.960/09. 4.
Agravo parcialmente provido." (AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed.
Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013)".
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. MATÉRIA PRELIMINAR.
ESPERA PELA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO À ATIVIDADE
LABORATIVA. POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO CONJUNTA DE BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE E SALÁRIO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA.
VALORAÇÃO DE TODAS AS PROVAS ACOSTADOS AOS AUTOS SUBJACENTES. ERRO
FATO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A matéria preliminar confunde-se com o mérito e com ele será examinada.
II - Há que prevalecer o entendimento já adotado na 10ª Turma, no sentido de que comprovada
a incapacidade laborativa e não tendo sido concedida tutela para implantação do benefício, não
se justifica a exclusão do período em que o segurado, mesmo tendo direito ao benefício, teve
que trabalhar para garantir a sua subsistência, já que não é razoável que se exija que o
segurado tenha recursos para se manter até que o seu feito seja julgado.
III - Malgrado o ora réu tenha exercido atividade remunerada desde o termo inicial do benefício
de auxílio-doença fixado pela r. decisão rescindenda (05.02.2006) até agosto de 2011,
conforme extrato do CNIS acostado aos autos, cabe ponderar que este havia sido contemplado
com benefício de auxílio-doença nos períodos de 25.06.2004 a 04.07.2005, de 16.10.2005 a
30.11.2005 e de 25.01.2006 a 05.02.2006, havendo, ainda, documentos médicos apontando a
ocorrência da mesma enfermidade constatada pela perícia oficial (epicondilite lateral do
cotovelo direito) desde agosto de 2004. Assim sendo, é razoável inferir que o ora réu teve que
buscar o mercado de trabalho mesmo sem plenas condições físicas para tal.
IV - A r. decisão rescindenda apreciou o conjunto probatório em sua inteireza, segundo o
princípio da livre convicção motivada, tendo concluído pela existência de incapacidade parcial e
temporária do réu para o trabalho, a ensejar a concessão do benefício de auxílio-doença.
V - Não se admitiu um fato inexistente ou se considerou inexistente um fato efetivamente
ocorrido, pois foram consideradas as provas acostadas aos autos originários, com
pronunciamento judicial sobre o tema, mesmo porque não constava das peças que
compuseram os aludidos autos o extrato de CNIS indicando a manutenção de atividade
laborativa após a cessação do benefício de auxílio-doença concedido na esfera administrativa.
VI - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais) a serem suportados
pelo INSS.
VII - Preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente."
(AR nº 0019784-55.2011.4.03.0000, Rel. Des. Federal Sérgio Nascimento, 3ª Seção, e-DJF3
18/11/2013)”.
A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do
Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:
“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
Assim, descabida a alegação do INSS de que o benefício não poderia ser concedido no
presente caso, em razão do trabalho exercido pela autora.
É cediço que o auxílio-doença, nos termos do art. 101, caput, da Lei nº 8.213/91, é benefício
previdenciário de caráter temporário, cabendo ao segurado a submissão a exames médicos a
cargo da Previdência, a fim de se verificar eventual alteração no estado de saúde e na situação
fática que culminou a concessão.
Também denominada de COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), a "alta programada"
consiste na cessação do benefício, na data fixada pelo INSS, sem realização de nova perícia.
Era prevista apenas no art. 78, §1º, do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº
3.048/99), encontrando, atualmente, guarida no art. 60, §§8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, alterado
pela MP 739/2016 (que perdeu vigência) e pela MP 767/2017, que, por sua, vez foi convertida
na Lei 13.457/2017.
Não obstante a celeuma em torno do tema, comungo da opinião daqueles que entendem
inexistir óbice à fixação de data para a cessação do auxílio-doença, eis que a previsão de alta é
feita com supedâneo em perícia médica e, ainda, se oportuniza ao segurado, nos termos do
RPS, a possibilidade de solicitar a realização de novo exame pericial, com consequente pedido
de prorrogação do benefício, na forma estabelecida pelo INSS (geralmente, nos 15 dias
anteriores à data preestabelecida).
Se possível a fixação da data de alta pelo INSS, com fundamento em perícia administrativa,
com mais razão o magistrado pode também assim o determinar, já que sua decisão é lastreada
em prova médica elaborada por profissional equidistante das partes. Não por outra razão todas
as modificações legislativas, que trataram sobre a COPES, admitiam e admitem a possibilidade
de o próprio Juízo fixar na sentença a data da alta do postulante.
O §8º do art. 60 da Lei 8.213/91, em sua atual redação, é inequívoco ao prescrever que,
“sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença, judicial ou
administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício” (grifos nossos).
Outrossim, uma vez concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício de
auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de
reabilitação ou aposentadoria por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das
condições clínicas do segurado, o que se dá por meio da realização de perícias periódicas por
parte da autarquia, conforme previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº 8.213/91.
O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, no exame realizado em 27 de outubro de 2018
(ID 47872069, p. 76), consignou:
“Visto quadro clínico, exame físico e documentação apresentada concluo que o periciado
apresenta-se incapaz total e temporariamente para o trabalho, podendo ser necessário um
período de 12 a 18 meses, para que seja realizado o tratamento específico, devendo ser
submetido após este, a reavaliação quanto a capacidade laborativa, podendo ser reabilitado.”
Haja vista que o expert expressamente ponderou possibilidade de recuperação e reavaliação de
12 a 18 meses - prazo que se me afigura razoável -, entendo de rigor, no que diz com eventual
cessação da benesse, a observância, pelo ente previdenciário, do normativo que prevê a
submissão do segurado à realização das perícias médicas periódicas.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Passo à análise dos critérios de aplicação dos juros moratórios, por se tratar de matéria de
ordem pública.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para estabelecer a observância
das perícias médicas periódicas e, de ofício, estabeleço que a correção monetária dos valores
em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para
os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a
expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PERMANÊNCIA NO
TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA.
DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO. TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ.
ALTA MÉDICA PROGRAMADA JUDICIAL. DCB. PERÍCIAS MÉDICAS PERÍODICAS.
APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. MODIFICAÇÃO DA DCB. ALTERAÇÃO
DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA
DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que
outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de
agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto
não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado
de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e
dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica,
pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo
responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar
sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado,
necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até
o fim e teve de suportar o calvário processual.
2 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
3 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença
ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito
ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.".
4 - É cediço que o auxílio-doença, nos termos do art. 101, caput, da Lei nº 8.213/91, é benefício
previdenciário de caráter temporário, cabendo ao segurado a submissão a exames médicos a
cargo da Previdência, a fim de se verificar eventual alteração no estado de saúde e na situação
fática que culminou a concessão.
5 - Também denominada de COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), a "alta programada"
consiste na cessação do benefício, na data fixada pelo INSS, sem realização de nova perícia.
Era prevista apenas no art. 78, §1º, do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº
3.048/99), encontrando, atualmente, guarida no art. 60, §§8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, alterado
pela MP 739/2016 (que perdeu vigência) e pela MP 767/2017, que, por sua, vez foi convertida
na Lei 13.457/2017.
6 - Não obstante a celeuma em torno do tema, inexiste óbice à fixação de data para a cessação
do auxílio-doença, eis que a previsão de alta é feita com supedâneo em perícia médica e,
ainda, se oportuniza ao segurado, nos termos do RPS, a possibilidade de solicitar a realização
de novo exame pericial, com consequente pedido de prorrogação do benefício, na forma
estabelecida pelo INSS (geralmente, nos 15 dias anteriores à data preestabelecida).
7 - Se possível a fixação da data de alta pelo INSS, com fundamento em perícia administrativa,
com mais razão o magistrado pode também assim o determinar, já que sua decisão é lastreada
em prova médica elaborada por profissional equidistante das partes. Não por outra razão todas
as modificações legislativas, que trataram sobre a COPES, admitiam e admitem a possibilidade
de o próprio Juízo fixar na sentença a data da alta do postulante. O §8º do art. 60 da Lei
8.213/91, em sua atual redação, é inequívoco ao prescrever que, “sempre que possível, o ato
de concessão ou de reativação do auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o
prazo estimado para a duração do benefício”
8 - Uma vez concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-
doença pode ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou
aposentadoria por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do
segurado, o que se dá por meio da realização de perícias periódicas por parte da autarquia,
conforme previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº 8.213/91.
9 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, no exame realizado em 27 de outubro de
2018, consignou: “Visto quadro clínico, exame físico e documentação apresentada concluo que
o periciado apresenta-se incapaz total e temporariamente para o trabalho, podendo ser
necessário um período de 12 a 18 meses, para que seja realizado o tratamento específico,
devendo ser submetido após este, a reavaliação quanto a capacidade laborativa, podendo ser
reabilitado.”
10 - Haja vista que o expert expressamente ponderou possibilidade de recuperação e
reavaliação de 12 a 18 meses - prazo que se afigura razoável -, de rigor, no que diz com
eventual cessação da benesse, a observância, pelo ente previdenciário, do normativo que prevê
a submissão do segurado à realização das perícias médicas periódicas.
11 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
12 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
13 - Apelação do INSS parcialmente provida. Alteração dos critérios de aplicação da correção
monetária e dos juros de mora de ofício. Sentença reformada em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, para estabelecer a
observância das perícias médicas periódicas e, de ofício, estabelecer que a correção monetária
dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
