Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2052494 / SP
0011466-20.2015.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
07/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/10/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADO. ATIVIDADE RURAL VOLTADA
PARA O COMÉRCIO. DESCARACTERIZADO O REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDAS. SENTENÇA REFORMADA.
AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do
art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º
estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12
(doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo
registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - Depois da edição da Lei n. 8.213/91, a situação do rurícola modificou-se, já que passou a
integrar um Sistema Único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos,
tornando-se segurado obrigatório da Previdência Social.
9 - Quanto ao desenvolvimento de atividade laboral, exige a Lei n. 8.213/91 início de prova
material para comprovar a condição de rurícola, excluindo-se a prova exclusivamente
testemunhal para esse fim, entendimento consagrado igualmente pela Súmula 149 do STJ.
Sobre essa questão, é necessário destacar que o rol previsto no artigo 106 da Lei n. 8.213/91
não é taxativo, podendo, portanto, o postulante provar materialmente o exercício de atividade
rural por meio de documentos não mencionados no referido dispositivo.
10 - Em princípio, os trabalhadores rurais, na qualidade de empregados, não necessitam
comprovar os recolhimentos das contribuições previdenciárias, enquanto que aqueles que
sobrevivem em regime de economia familiar não precisam, sequer, contribuir, devendo apenas
provar o exercício da atividade laboral no campo pelo prazo da carência estipulado pela lei, tal
como exigido para o segurado especial. Assim dispõe o art. 11, VII c/c art. 39, I, da Lei
8.213/91.
11 - No caso vertente, o autor está qualificado na inicial como pequeno produtor rural.
12 - Para comprovação da atividade rural na qualidade de segurado especial, juntou os
seguintes documentos: comprovante de cadastro de contribuintes de ICMS, em que consta a
sua qualificação como produtor rural (fls. 22/24), escritura de venda e compra de imóvel rural
(Sítio São João), em que constam o autor e a esposa como vendedores, datada de 19/10/12
(fls. 25/26), notas fiscais de produção do Sítio São José III, em nome do autor, de
comercialização de gado, milho e tilápias, datadas de 23/05/00, 24/08/04, 14/09/04, 16/09/04,
23/09/04, 01/10/04, 22/12/05, 09/01/06 (venda de uma tonelada de tilápia para balneário),
17/04/06, 22/02/07, 25/10/07 e 31/01/09,notas fiscais de produção da Estância Lumiar, em
nome do autor, de numerosa comercialização de milho (em junho de 2011 vendeu "240
toneladas de milho" - fl. 30), além de peixe (20/11/11 - fl. 29) e gado (em janeiro de 2013
vendeu 20 vacas leiteiras e 19 bezerros - fl. 27) e atestado de vacinação contra brucelose (oito
bezerras bovinas), datado de 31/08/12.
13 - Logo, é possível concluir que a produção rural do autor não é voltada à subsistência, mas
sim ao comércio.
14 - Cumpre registrar que não consta nos autos a área da propriedade "Estância Luimar", mas
presume-se que deve ser grande, haja vista a grande quantidade de vendas de milho, peixe e
gado. Ademais, há forte presunção de que o autor conta com o auxílio constante de terceiros
para os cuidados diários com a plantação e criações.
15 - Sendo assim, no caso concreto, conforme a documentação acostada aos autos, tem-se
que o autor, embora se dedique à atividade rural, não o faz na forma de agricultura de
subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento
socioeconômico do núcleo familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro
empreendimento rural.
16 - Não se está a dizer que o pequeno produtor rural, qualificado como segurado especial, não
possa comercializar, inclusive de forma lucrativa, o excedente da produção agropecuária ou
extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O que se
pretende diferenciar é o segurado especial daquele produtor rural cuja produção, agropecuária
ou extrativista, é organizada e voltada quase que exclusivamente ao comércio e/ou indústria,
desvinculando-se daquele regime direcionado à sobrevivência do grupo familiar. Precedentes
do STJ.
17 - Dessa forma, em detida análise do acervo probatório coligido aos autos, especialmente
com vistas à averiguação da "dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo
familiar", tem-se por descaracterizada a suposta atividade campesina nesse regime.
18 - Sendo assim, descaracterizado o regime de economia familiar, cabe ao autor verter
contribuições junto ao RGPS na qualidade de produtor rural/contribuinte individual.
19 - O laudo pericial de fls. 68/72, elaborado em 12/12/13, diagnosticou o autor como portador
de "artrose cervical, hérnia discal cervical e osteofito cervical". Concluiu que o autor está
temporariamente incapacitado para exercer o seu labor habitual (sitiante), mas não soube
precisar a data de início da incapacidade. Contudo, conforme atestado médico de fl. 45,
depreende-se que a incapacidade advém de dezembro de 2012.
20 - O Cadastro Nacional de Informações Sociais de fl. 77 comprova que o demandante efetuou
recolhimentos previdenciários nos períodos de 20/10/82 a 14/02/84, 01/11/87 a 30/04/88,
01/05/89 a 31/07/89, 01/01/02 a 31/03/03, 01/04/03 a 30/06/04, 01/09/04 a 31/12/05, 01/02/06 a
31/12/08, 10/03/10 a 16/12/10 e 01/05/13 a 08/13.
21 - Consigna-se que não há como estender o período de atividade de segurado especial,
reconhecido em 31/12/01, pois, como já demonstrado resta descaracterizada tal condição.
22 - Assim, considerados o último vínculo laboral anterior ao início da incapacidade - 10/03/10 a
15/12/10 - e a data de início da incapacidade (dezembro de 2012), verifica-se que a parte
autora não manteve sua qualidade de segurada, por ter sido superado o "período de graça"
previsto no artigo 15 da Lei n. 8.213/91.
23 - Impende registrar que, no caso em tela, não é possível aplicar a prorrogação prevista no
§2º do art. 15 da Lei nº 8.213/91 - estendendo o período de graça por mais um ano -, tendo em
vista que, conforme documentação acostada, o autor desenvolvia atividade rural neste período.
24 - Desta forma, quando do início da incapacidade laboral, o autor não ostentava mais a
qualidade de segurado.
25 - Operou-se, portanto, a caducidade dos direitos inerentes à qualidade de segurado do autor,
nos termos do disposto no art. 102 da Lei n. 8.213/91.
26 - Inaplicável, na espécie, o § 1º do mencionado artigo, pois as provas dos autos não
conduzem à certeza de que a incapacidade da parte autora remonta ao período em que
mantinha a qualidade de segurado.
27 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
28 - Destarte, não reconhecida a manutenção da qualidade de segurado do autor, requisito
indispensável à concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença, de rigor o
indeferimento do pedido.
29 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente
desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em
10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5
(cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a
concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º,
e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
30 - Apelação do INSS e remessa necessária providas. Sentença reformada. Ação julgada
improcedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
do INSS e à remessa necessária para reformar a r. sentença de 1º grau e julgar improcedente o
pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
