
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0029070-57.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PAULO HENRIQUE MALULI MENDES - SP377019-N
APELADO: MARLI VIEIRA DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: NEIDE PRATES LADEIA SANTANA - SP170315-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0029070-57.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PAULO HENRIQUE MALULI MENDES - SP377019-N
APELADO: MARLI VIEIRA DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: NEIDE PRATES LADEIA SANTANA - SP170315-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
I - Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes.
II - Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários.
III - Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade.
IV - Recurso extraordinário conhecido e provido.
(RE 587365, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/03/2009, DJE 08/05/2009).
Desta forma, considera-se baixa renda aquela de valor bruto mensal igual ou inferior ao limite legal, considerado o último salário-de-contribuição percebido pelo segurado à época da sua prisão.
Originalmente, o limite legal foi fixado em R$ 360,00, pela EC nº 20/98, sendo, atualmente, corrigido pelo Ministério da Previdência Social pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.
Do caso concreto.
Os requisitos relativos ao recolhimento à prisão, à qualidade de segurado e à baixa renda do recluso restaram comprovados, conforme certidões de recolhimento prisional (107300630 - Pág. 42/43 e 67) e extrato do CNIS (ID 107300630 - Pág. 188/193), bem como diante da concessão do beneplácito no período de 04/01/2005 a 13/06/2012 aos filhos da demandante.
A celeuma cinge-se, portanto, em torno da qualidade de dependente da autora, como companheira.
Nos termos do art. 16, inciso I, da Lei nº 8.213/91, com a redação vigente à época dos fatos, são dependentes do segurado: “o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido”.
O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal".
Por sua vez, o Decreto nº 3.048/99, no seu art. 16, § 6º, com a redação vigente à época, considera união estável "aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar, quando forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, ou tenham prole em comum, enquanto não se separarem.".
Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.
De acordo com a narrativa delineada na petição inicial, a autora mantinha união estável com o recluso na data do recolhimento prisional.
Para a comprovação do alegado, foram coligidos aos autos os seguintes documentos:
a) Contrato particular celebrado em 19/10/1989, entre o Sr. Laércio Martins de Oliveira e a autora, no qual ambos se comprometeram a viver, zelar, respeitar, e dar o conforto que estiver dentro de suas responsabilidades, como se casados fossem, e “tudo quanto o casal vier a possuir desta data para frente passará a pertencer ambos, de acordo com suas convivências de marido e mulher” (ID 107300630 - Pág. 36).
b) Certidão de nascimento de Anderson Martins de Oliveira e Dheimison Martins de Oliveira, filhos da autora e do recluso, nascidos, respectivamente, em 13/06/1991 e 12/04/1989 (ID 107300630 - Pág. 38/39);
c) Carteira de visitante do Centro de Detenção Provisória III de Pinheiros, emitida em 10/12/2008, constando o parentesco como amásia (ID 107300630 - Pág. 40);
d) Carteira de autorização de visitas emitida pela Secretaria da Administração Penitenciária – Coordenadoria das Unidades Prisionais de São Paulo e Grande São Paulo – Penitenciária José Parada Neto – Guarulhos, emitida em 16/06/2011 (ID 107300630 - Pág. 41);
e) Declaração emitida pelo Sr. José Geraldo Rodrigues de Oliveira, no sentido de que o Sr. Laércio Martins de Oliveira trabalhou e residiu em sua propriedade de 1º/06/2002 a 04/01/2005, com sua companheira Marli Vieira de Oliveira (ID 107300630 - Pág. 61).
À exceção da declaração emitida por particular, registro que constitui início razoável de prova material os documentos acima apontados que foram devidamente corroborados por idônea e segura prova coletada em audiência realizada em 05/05/2015, na qual foram ouvidas duas testemunhas (mídia):
Maria das Graças Cassimiro de Oliveira é casada com o irmão do marido da autora e afirmou que quando ele foi preso os dois viviam juntos, em Guaxupé, onde também trabalhavam juntos, ele carpindo e ela na casa.
Por sua vez, Vanice Aparecida Mancine Santana afirmou que era vizinha da autora, a qual residia com o Sr. Laércio e os dois filhos. Depois foram para Guaxupé e, após ele ser preso, voltou para São Paulo. Aduziu que a demandante nunca se separou do esposo. Conhece a mesma há uns 30 (trinta) anos.
Os relatos são convincentes no sentido de que a Sra. Marli e o Sr. Laércio conviviam como marido e mulher, em união pública e duradoura, com o intuito de formarem família à época do encarceramento, não havendo nos autos quaisquer outros elementos que indiquem a inexistência da união estável.
Portanto, é possível concluir, pela dilação probatória e demais documentos juntados, mormente pela prova oral, com fundamento nas máximas de experiência, conforme disciplina o artigo 375, do Código de Processo Civil, que a autora era companheira do segurado recluso.
Diante disso, havendo nos autos elementos de convicção que comprovam a união estável e duradoura entre a demandante e o recluso, a dependência econômica é presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, e só cederia mediante a produção de robusta prova em contrário, o que não se observa no caso.
Desta feita, mantenho incólume a r. sentença que concedeu o auxílio-reclusão à autora desde a cessação do beneplácito concedido aos filhos, considerando o pleito administrativo formulado antes da referida data.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto,
dou parcial provimento à remessa necessária
, a fim de estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, eà apelação do INSS
, para determinar que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.Encaminhe-se a mídia à Subsecretaria da Turma para descarte após a interposição de recurso excepcional ou a certificação do trânsito em julgado.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA DOCUMENTAL CORROBORADA POR PROVA ORAL. COMPROVAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - O auxílio-reclusão “cumprida a carência prevista no inciso IV do caput do art. 25 desta Lei, será devido, nas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço” (Art. 80 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.846/2019).
2 - Os critérios para a concessão estão disciplinados nos artigos 116 a 119 do Decreto nº 3.048/99, que aprovou o Regulamento da Previdência Social.
3 - O benefício, até a edição da Lei nº 13.846/2019, independia de carência, destacando-se que, nos dias presentes, exige-se o implemento de 24 (vinte e quatro) contribuições mensais. Ademais, para sua concessão, faz-se imperioso o cumprimento dos seguintes requisitos: a) recolhimento à prisão do segurado; b) manutenção da qualidade de segurado do recluso; c) baixa renda do segurado; e d) dependência econômica do postulante.
4 - A comprovação da privação de liberdade, que deve, atualmente, ser obrigatoriamente em regime fechado (admitindo-se, todavia, o regime semiaberto nos casos em que o requerimento do benefício se der em momento anterior às alterações promovidas pela Lei nº 13.846/2019), dar-se-á por meio de certidão do efetivo recolhimento à prisão firmada pela autoridade competente, a ser apresentada trimestralmente.
5 - A manutenção da qualidade de segurado se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
6 - Acerca do requisito da baixa renda, decidiu o STF em sede de repercussão geral, que "a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes" (RE 587365, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/03/2009, DJE 08/05/2009).
7 - Considera-se baixa renda aquela de valor bruto mensal igual ou inferior ao limite legal, considerado o último salário-de-contribuição percebido pelo segurado à época da sua prisão.
8 - Originalmente, o limite legal foi fixado em R$ 360,00, pela EC nº 20/98, sendo, atualmente, corrigido pelo Ministério da Previdência Social pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.
9 - Os requisitos relativos ao recolhimento à prisão, à qualidade de segurado e à baixa renda do recluso restaram comprovados, conforme certidões de recolhimento prisional e extrato do CNIS, bem como diante da concessão do beneplácito no período de 04/01/2005 a 13/06/2012 aos filhos da demandante.
10 - A celeuma cinge-se, portanto, em torno da qualidade de dependente da autora, como companheira.
11 - Nos termos do art. 16, inciso I, da Lei nº 8.213/91, com a redação vigente à época dos fatos, são dependentes do segurado: “o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido”.
12 - O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal".
13 - Por sua vez, o Decreto nº 3.048/99, no seu art. 16, § 6º, com a redação vigente à época, considera união estável "aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar, quando forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, ou tenham prole em comum, enquanto não se separarem.".
14 - Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.
15 - De acordo com a narrativa delineada na petição inicial, a autora mantinha união estável com o recluso na data do recolhimento prisional.
16 - À exceção da declaração emitida por particular, registre-se que constitui início razoável de prova material os documentos coligidos que foram devidamente corroborados por idônea e segura prova coletada em audiência realizada em 05/05/2015, na qual foram ouvidas duas testemunhas.
17 - Os relatos são convincentes no sentido de que a Sra. Marli e o Sr. Laércio conviviam como marido e mulher, em união pública e duradoura, com o intuito de formarem família à época do encarceramento, não havendo nos autos quaisquer outros elementos que indiquem a inexistência da união estável.
18 - Portanto, é possível concluir, pela dilação probatória e demais documentos juntados, mormente pela prova oral, com fundamento nas máximas de experiência, conforme disciplina o artigo 375, do Código de Processo Civil, que a autora era companheira do segurado recluso.
19 - Diante disso, havendo nos autos elementos de convicção que comprovam a união estável e duradoura entre a demandante e o recluso, a dependência econômica é presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, e só cederia mediante a produção de robusta prova em contrário, o que não se observa no caso.
20 - Desta feita, mantida incólume a r. sentença que concedeu o auxílio-reclusão à autora desde a cessação do beneplácito concedido aos filhos, considerando o pleito administrativo formulado antes da referida data.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à remessa necessária, a fim de estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e à apelação do INSS, para determinar que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
