
| D.E. Publicado em 19/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apelação do INSS e, de ofício, estabelecer que os valores em atraso serão corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora na forma da fundamentação, deferindo-se, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028854-96.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por ALINE APARECIDA DE SOUZA, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença, de fls. 142/144, julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações em atraso, contabilizadas até a data de sua prolação.
Opostos embargos de declaração pela parte autora, às fls. 149/151, estes foram rejeitados (fl. 152).
Em razões recursais de fls. 156/158, o INSS pugna, preliminarmente, pela nulidade da sentença, em virtude da ocorrência de cerceamento de defesa, devendo ser complementado o estudo social constante dos autos. No mérito, sustenta que a parte autora não demonstrou ser hipossuficiente economicamente para fins de concessão de benefício assistencial. Subsidiariamente, pleiteia a fixação da DIB na data da juntada do laudo aos autos.
Contrarrazões da parte autora às fls. 164/173.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 181/183-verso), no sentido do desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Preliminarmente, observo ser desnecessária a apresentação de esclarecimentos complementares pela assistente social, eis que presente estudo socioeconômico suficiente à formação da convicção do magistrado a quo.
Acresça-se que o estudo foi efetivado por profissional inscrita no órgão competente, a qual forneceu análise financeira e social completa sobre a parte autora e o seu núcleo familiar.
Por fim, cumpre lembrar que a apresentação de novos esclarecimentos pela assistente social não é direito subjetivo da parte, mas sim faculdade do juízo, quando não se sentir convencido dos esclarecimentos anteriormente prestados, conforme expressamente dispõe o art. 437 do CPC/73, aplicável ao feito à época, reproduzido pelo atual art. 480 do CPC/2015.
Passo à análise do mérito recursal.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Do caso concreto.
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, na medida em que o INSS não impugnou o capítulo da sentença que o reconheceu, nem esta foi submetida à remessa necessária.
O estudo social, realizado em 05 de dezembro de 2013 (fls. 95/98), informou ser o núcleo familiar composto pela demandante, sua genitora e 3 (três) irmãs.
Segundo o relatório socioeconômico, a autora reside nos "fundos da casa da avó materna em um cômodo inacabado divido em 03 partes: 01 espaço com uma cama de casal separado o outro com madeiras ao lado três camas de solteiros onde dormem as crianças e o espaço restante é onde foi feito a cozinha, o banheiro localiza-se em um corredor separado por uma cortina em péssimas condições, pois não tem instalações sanitárias de acordo com o que é necessário, parte elétrica dos cômodos todas expostas e muito perigosa, telhas de amianto com vários vazamentos" (sic).
A renda familiar, na época do estudo, decorria dos valores percebidos em virtude do Programa Bolsa Família, no importe de R$282,00 mensais.
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais ora faço anexar aos autos, corroboram os dados coletados pela assistente social. De fato, nenhum dos parentes próximos da autora desenvolvia atividade remunerada ou percebia beneplácito, quando da visita da assistente, e assim continuam até hoje.
Note-se, portanto, que a renda per capita familiar era de somente R$56,40, ou seja, bem inferior a ¼ do salário mínimo vigente à época (R$169,50 - ano exercício de 2013).
Alie-se, como robusto elemento de convicção, a corroborar a situação de vulnerabilidade, o fato de que, para além da autora, duas de suas irmãs, ELIZANGELA APARECIDA DOS SANTOS e DESIRRÊ FERNANDA PEREIRA DOS SANTOS também eram portadoras de "males neurológicos/psiquiátricos", todas frequentando a APAE.
Por fim, repisa-se que as condições de habitabilidade são extremamente precárias. A família reside em imóvel nos fundos de outra casa, consistente em um único cômodo, com divisórias de madeira, fiação aparente e telhas de amianto.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que núcleo familiar enquadra-se na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo a autora, portanto, jus ao benefício assistencial.
Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Nessa esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
Dessa forma, tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em 22/01/2013 (NB: 700.071.258-0 - fl. 16), acertada a fixação da DIB na referida data.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta, aplicando-se o IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), com efeitos prospectivos.
Ressalto que os embargos de declaração opostos contra referido acórdão tem por escopo a modulação dos seus efeitos - atribuição de eficácia prospectiva -, sendo que a concessão de efeito suspensivo não impede o julgamento do presente recurso, haja vista que o quanto lá decidido deverá ser observado apenas no momento da liquidação deste julgado.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
Por derradeiro, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica nos moldes do art. 497 do Código de Processo Civil. Dessa forma, em atenção a expresso requerimento da parte autora (fl. 179), visando assegurar o resultado concreto buscado na demanda e a eficiência da prestação jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado, determino seja enviado e-mail ao INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os documentos da parte autora, a fim de serem adotadas as providências cabíveis ao cumprimento desta decisão, para a implantação do benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 12/02/2019 16:44:56 |
