D.E. Publicado em 30/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial; conhecer da apelação da parte autora, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar-lhe parcial provimento; conhecer da apelação do INSS e dar-lhe parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0008722-47.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão da aposentadoria especial.
A r. sentença julgou (i) extinto o processo, sem resolução de mérito, o pleito de homologação de período reconhecido administrativamente; e (ii) parcialmente procedente o pedido para apenas reconhecer como especiais as atividades desempenhadas pelo autor nos lapsos de 3/3/1980 a 14/6/1982 ("aprendiz de enfestador"), de 21/6/1989 a 2/7/1991 ("tecelão") e de 1º/2/1994 a 18/4/1995 ("vigia"); e por fim, fixou a sucumbência recíproca.
Decisão submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual suscita preliminar de cerceamento de defesa e; no mérito, requer o reconhecimento dos períodos pleiteados na inicial, com a consequente concessão do benefício. Subsidiariamente, insurge-se contra os honorários de advogado.
Não resignado, o INSS também interpôs apelação, na qual alega, em síntese, a impossibilidade dos enquadramentos efetuados. Por fim, faz prequestionamento da matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço das apelações, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Não obstante, não conheço da remessa oficial.
Nesse sentido, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1000 (mil) salários-mínimos.
No presente caso, a toda evidência não se excede esse montante.
Outrossim, não visualizo o alegado cerceamento de defesa.
À parte autora interessada cabe a devida comprovação da veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova consistente, nos termos do artigo 373, I, do NCPC e, em caso de dúvida fundada, a determinação de prova pericial por parte do julgador, a fim de confrontar o material reunido à exordial.
Assim, não resta configurado cerceamento de defesa ou violação de ordem constitucional ou legal.
Ademais, de ofício, corrijo erro material verificado no dispositivo da sentença, para informar a correta data final do labor enquadrado como especial na empresa "Metalúrgica Itapema Ltda.", qual seja, 28/4/1995.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
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Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/80.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
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Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, ressalto que vinha adotando a posição de que o enquadramento pela categoria profissional no rol dos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 também era possível até a entrada em vigor do referido Decreto n. 2.172/97. Entretanto, verifico que a jurisprudência majoritária, a qual passo a adotar, tanto nesta Corte quanto no e. STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/95). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/79 e n. 53.831/64 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/97.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
In casu, em relação ao intervalo enquadrado como especial, de 21/6/1989 a 2/7/1991, no exercício da função de tecelão na empresa "Passamanaria Abelha Ltda."; a parte autora logrou demonstrar, via laudo técnico (fs. 212/219), exposição habitual e permanente a ruído superior (84 e 85 dB) aos limites de tolerância previstos na norma em comento.
Ademais, é possível considerar que as atividades prestadas em setores de fiação e tecelagem de indústria têxtil, por possuírem caráter evidentemente insalubres. Há, nessa esteira, precedentes do Conselho de Recursos da Previdência Social aplicando o Parecer nº 85/78 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho cujo teor estabelece que todos os trabalhos efetuados em tecelagens dão direito à Aposentadoria Especial (TRF - 4. AC 200004011163422. Quinta Turma. Rel. Des. Fed. Luiz Carlos Cervi.j. 07.05.2003. DJ 14.05.2003. p. 1048).
No tocante ao interregno de 1º/2/1994 a 30/7/1996, depreende-se da anotação em CTPS, o exercício da função de vigia (guarda), cujo fato permite o enquadramento em razão da atividade até 28/4/1995, nos termos do código 2.5.7 do anexo do Decreto n. 53.831/64.
Quanto aos períodos de 5/2/2001 a 16/7/2001 e de 3/6/2002 a 9/12/2004, também exercidos no ofício de vigilante, constata-se que os perfis profissiográficos previdenciários coligidos aos autos indicam a existência de riscos à integridade física do autor, inerente as suas funções (periculosidade).
Com relação especificamente à questão da periculosidade, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.306.113, sob o regime do artigo 543-C do CPC, reconheceu a controvérsia da matéria e concluiu pela possibilidade do reconhecimento, como especial, do tempo de serviço no qual o segurado ficou exposto, de modo habitual e permanente, a tensões elétricas superiores a 250 volts, também, no período posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/97.
Confira-se:
Acerca do tema, esta E. Corte Regional já se pronunciou, conforme julgados abaixo colacionados (g.n):
Outrossim, não obstante ter entendimento da necessidade do porte de arma de fogo para a caracterização da periculosidade, curvo-me ao posicionamento majoritário da 3ª Seção desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da possibilidade de enquadramento por analogia à função de guarda, tida por perigosa (código 2.5.7 do Quadro Anexo ao Decreto n.º 53.831/64), independentemente de o segurado portar arma de fogo no exercício de sua jornada laboral (EI nº 1132083 - Proc. 0007137-24.2003.4.03.6106/SP, Terceira Seção, Relator Desembargador Federal Baptista Pereira, e-DJF3 04/02/2015; AREsp nº 623928/SC, 2ª Turma, Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJU 18/3/2015).
Friso, também, que o uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
Contudo, no que tange ao lapso enquadrado como especial, de 3/3/1980 a 14/6/1982, laborado na função de "aprendiz de enfestador" em empresa de confecções de roupas - "Petistil Industrial S/A" -, deve ser considerado como tempo de serviço comum; pois tal atividade não está enquadrada na legislação especial, sendo indispensável a apresentação de formulário, laudo técnico ou PPP para comprovação das alegadas condições especiais de trabalho, situação que não ocorreu.
No que tange ao interstício de 15/2/1992 a 3/10/1995 não enquadrado, não restou demonstrado o desempenho da função de vigilante, ou exposição a agentes agressivos asseverados, de modo que também deve ser considerado como atividade comum.
O autor coligiu o PPP de fs. 79/80 para a atividade de porteiro (estacionamento de condomínio comercial), cuja profissiografia não se coaduna com as atribuições típicas da profissão de vigia patrimonial, senão vejamos: "Zelam pela guarda do patrimônio exercem a vigilância dos estacionamentos, edifícios privados e outros estabelecimentos, percorrendo-os sistematicamente e inspecionando suas dependências, para evitar incêndios, roubos, entrada de pessoas estranhas e outras anormalidades; controlam fluxo de pessoas, identificando, orientando e encaminhando-as para os lugares desejados.".
Com efeito, destaca-se que a função de "porteiro" de empresa não se acha contemplada nos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 (até a data de 28/4/1995). Além do que, não foram juntados documentos hábeis para demonstrar a efetiva sujeição do segurado a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.213/91).
Acerca do tema, trago à colação o seguinte julgado (g.n.):
Evidentemente que para o período posterior à edição do Decreto n. 2.172/97 (5/3/1997), a comprovação da periculosidade ocorrerá por meio de PPP, laudo técnico ou perícia judicial, nos termos da legislação previdenciária e jurisprudência citada, o que não se vislumbrou no tocante ao intervalo de 1º/9/1997 a 27/6/2000.
Nessa esteira, verifica-se que para este período, o enquadramento da atividade como especial é inviável, pois o autor trouxe aos autos apenas formulário (f. 84), estando ausente laudo técnico - documento apto a individualizar a situação fática do autor e comprovar o exercício de atividade profissional com o caráter de periculosidade e de risco à integridade física do segurado, o que justificaria o enquadramento especial.
Neste sentido: STJ, Processo nº 199900794389, AGRESP n.º 228832, Rel. Hamilton Carvalhido, 6ª T., v. u., D: 13/05/2003, DJ: 30/06/2003, pág: 00320; APELREEX 00017634820074036183, DESEMBARGADOR FEDERAL WALTER DO AMARAL, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/06/2012 ..FONTE REPUBLICACAO.
Da mesma forma, em relação aos intervalos controversos, de 4/2/2005 a 31/10/2006 e de 1º/11/2006 a 24/5/2011, os "Perfis Profissiográficos Previdenciários" correspondentes não apontam profissionais legalmente habilitados (médico ou engenheiro de segurança do trabalho) como responsáveis pelos registros ambientais dos fatores de risco/periculosidade - a tornar inviável o reconhecimento da natureza especial do labor.
Assim, ante a ausência de informações a respeito da periculosidade e do risco à integridade física do segurado, não se justifica a contagem diferenciada, nos termos do código 2.5.7 do anexo do Decreto n. 53.831/64, do período posterior à vigência do Decreto n. 2.172.
Destarte, apenas os interstícios de 21/6/1989 a 2/7/1991, de 1º/2/1994 a 28/4/1995, de 5/2/2001 a 16/7/2001 e de 3/6/2002 a 9/12/2004 devem ser considerados como de atividade especial.
Por conseguinte, inviável é a concessão da aposentadoria especial, pois ausente o requisito temporal insculpido no artigo 57 da Lei n. 8.213/91.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, condeno ambas as partes a pagar honorários ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC.
Todavia, em relação à parte autora, fica suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial, conheço da apelação da parte autora, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou-lhe parcial provimento; conheço da apelação do INSS e dou-lhe parcial provimento para, nos termos da fundamentação, apenas delimitar o enquadramento da atividade especial aos interstícios de 21/6/1989 a 2/7/1991, de 1º/2/1994 a 28/4/1995, de 5/2/2001 a 16/7/2001 e de 3/6/2002 a 9/12/2004. Mantido, no mais, o r. decisum a quo.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
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Data e Hora: | 16/08/2018 18:55:22 |