
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000836-30.2019.4.03.6133
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSE MATEUS DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: PATRICIA DINIZ FERNANDES - SP240656-A, GERALDO CLAUDINEI DE OLIVEIRA - SP223076-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000836-30.2019.4.03.6133
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSE MATEUS DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: PATRICIA DINIZ FERNANDES - SP240656-A, GERALDO CLAUDINEI DE OLIVEIRA - SP223076-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: Superior Tribunal de Justiça - STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o
Recurso Especial n. 1.398.260
, sob o regime do art. 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca dainviabilidade da aplicação
retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o
ARE n. 664.335
, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
Neste caso, no tocante aos intervalos de 01/11/1986 a 12/02/1988 e 19/04/1988 a 06/06/1990, a parte autora logrou comprovar, via anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e PPP, o exercício do ofício de “auxiliar de viagem” (com indicação da Classificação Brasileira de Ocupação – CBO n. 36.040, referente ao cobrador de transporte coletivo) em empresa de transporte rodoviário de passageiros (ônibus), situação que permite o enquadramento, em razão da atividade (até 28/4/1995), nos códigos 2.4.4 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
Quanto ao período de 19/10/1994 a 20/03/1995, no intento de comprovar a especialidade, a parte autora trouxe aos autos Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), com a anotação da função de “manobrista A2”, com CBO n. 59.915 (guardador de veículos). O ofício, contudo, não se encontra contemplado na legislação correlata (enquadramento por categoria profissional até 28/04/1995) e na hipótese, não há nenhum elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos.
Da mesma forma, não há que se falar em reconhecimento do período de 21/12/1995 a 01/02/1996, uma vez que não foi demonstrada a exposição a nenhum fator de risco, nos moldes dos decretos regulamentares, e nem dos interregnos de 02/02/1996 a 14/05/1996, 05/09/1997 a 12/02/2001, pois os PPPs correspondentes não indicam a existência de agentes nocivos.
No tocante ao interstício de 01/08/1996 a 04/09/1997, consta do PPP que a parte autora exercia suas atividades com exposição habitual e permanente ao agente nocivo “ruído” em nível superior aos limites previstos nas normas em comento até 05/03/1997.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade do agente.
Ademais, o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia utilizada para a aferição do ruído. Os registros ambientais constantes do formulário, expedido por engenheiro ou médico do trabalho, indicam a metodologia usada para medição, sendo que a fidedignidade das informações está sob a responsabilidade do empregador ou de seu representante legal. Nesse sentido, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal: Ap - APELAÇÃO - 5000006-92.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 21/6/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
Em relação ao período posterior (06/03/1997 a 04/09/1997) e de 16/02/2001 a 26/05/2017 (data de emissão do PPP), nos quais a parte autora exerceu a profissão de motorista, é inviável o enquadramento, pois os formulários revelam a exposição aos agentes nocivos “ruído” e “vibração” em níveis inferiores aos limites de tolerância.
Ademais, ressalta-se que o agente “vibração de corpo inteiro” (VCI), conquanto previsto no Decreto n. 2.172/1997, refere-se às atividades pesadas, desenvolvidas com perfuratrizes e marteletes pneumáticos. Nessa esteira, veja-se a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte: TRF 3ª Região, Sétima Turma, Ap - Apelação Cível - 2142297 - 0004104-95.2015.4.03.6141, Rel. Desembargador Federal Paulo Domingues, Julgado em 08/04/2019, e-DJF3: 23/4/2019.
Destarte, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos de 01/11/1986 a 12/02/1988, 19/04/1988 a 06/06/1990 e 01/08/1996 a 05/03/1997 e da averbação respectiva, em acréscimo ao período reconhecido pelo Juízo a quo.
Nessas circunstâncias, a parte autora não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, pois, não obstante o reconhecimento de parte dos períodos como tempo especial, não se faz presente o requisito temporal na data da EC n. 20/1998, consoante o artigo 52 da Lei n. 8.213/1991, e nem na data do requerimento administrativo (DER), nos termos do artigo 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 20/1998.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, sendo vedada a compensação pela novel legislação, deverá ser observada a proporcionalidade à vista do vencimento e da perda de cada parte, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC.
Assim, condeno o INSS a pagar honorários ao advogado da parte contrária, que arbitro em 3% (três por cento) sobre o valor atualizado da causa, e também condeno a parte autora a pagar honorários de advogado ao INSS, fixados em 7% (sete por cento) sobre a mesma base de cálculo, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto,
rejeito
a matéria preliminar e, no mérito,dou parcial provimento
à apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação: (i) também reconhecer a especialidade dos períodos de 01/11/1986 a 12/02/1988, 19/04/1988 a 06/06/1990 e 01/08/1996 a 05/03/1997 e determinar a averbação respectiva; e (ii) ajustar os honorários. Mantida, no mais, a r. sentença.É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. COBRADOR DE ÔNIBUS. RUÍDO. AVERBAÇÃO.
- Nos termos do art. 373, I, do CPC, é da parte autora o ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e segura, competindo ao juiz decidir a lide conforme seu livre convencimento, fundado em fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso. Cerceamento de defesa não visualizado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- A parte autora logrou comprovar, via anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o exercício do ofício de "cobrador" em empresa de transporte coletivo, situação que permite o enquadramento, em razão da atividade, nos códigos 2.4.4 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
- O ofício de manobrista (guardador de veículos) não se encontra contemplado na legislação correlata (enquadramento por categoria profissional até 28/04/1995) e na hipótese, não há nenhum elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos.
- Comprovada, via “Perfil Profissiográfico Previdenciário” – PPP, a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares, fato que permite o enquadramento da atividade como especial.
- Ademais, diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, concluo que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Incabível o enquadramento dos intervalos nos quais o PPP evidencia a exposição aos agentes nocivos “ruído” e “vibração” em níveis inferiores aos limites previstos nas normas regulamentares.
- A parte autora não faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, por estarem ausentes os requisitos dos artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998.
- Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, sendo vedada a compensação pela novel legislação, deverá ser observada a proporcionalidade à vista do vencimento e da perda de cada parte, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC. Condena-se o INSS a pagar honorários ao advogado da parte contrária, que arbitro em 3% (três por cento) sobre o valor atualizado da causa, e também a parte autora fica condenada a pagar honorários de advogado ao INSS, fixados em 7% (sete por cento) sobre a mesma base de cálculo, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
- Preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
