
| D.E. Publicado em 16/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer dos apelos das partes e lhes dar parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002279-80.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, visando à revisão de sua aposentadoria.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como especiais os períodos de 1/5/1987 a 11/8/1987, 1/9/1987 a 30/8/1991 e de 1/8/1996 a 5/3/1997 e determinar o recálculo da RMI.
Decisão não submetida ao reexame necessário.
Irresignada, a parte autora recorreu, postulando, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, pugna por reconhecimento dos lapsos insalubres afastados pelo r. julgado.
Também inconformado, o INSS recorreu exorando a reforma da decisão, por não restar configurada a atividade especial; subsidiariamente, busca ajustes nos consectários. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço das apelações, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
De início, não visualizo o alegado cerceamento de defesa.
À parte autora interessada cabe a devida comprovação da veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova consistente, nos termos do artigo 373, I, do NCPC e, em caso de dúvida fundada, a determinação de prova pericial por parte do julgador, a fim de confrontar o material reunido à exordial.
Assim, não resta configurado cerceamento de defesa ou violação de ordem constitucional ou legal.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/80.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, ressalto que vinha adotando a posição de que o enquadramento pela categoria profissional no rol dos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 também era possível até a entrada em vigor do referido Decreto n. 2.172/97. Entretanto, verifico que a jurisprudência majoritária, a qual passo a adotar, tanto nesta Corte quanto no e. STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/95). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 6/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/79 e n. 53.831/64 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/97.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Busca a parte autora o enquadramento dos seguintes períodos: de 23/9/1985 a 2/12/1985 (trabalhador rural), de 15/1/1986 a 21/3/1986 (trabalhador rural), de 24/3/1986 a 9/9/1986 (trabalhador rural), 16/9/1986 a 9/3/1987 (trabalhador rural), de 1/5/1987 a 11/8/1987 (operária), de 1/9/1987 a 30/8/1991 (operária), de 1/8/1996 a 27/1/2002 ("bate pasta" em indústria de cerâmica) e de 3/9/2007 a 20/6/2015 ("bate pasta").
No tocante à atividade de trabalhador rural à frente do corte de cana, trouxe à colação perfis profissiográficos desprovidos de informações relevantes acerca da natureza especial da função. No máximo apontam a presença de insetos e animais peçonhentos durante a jornada laboral da autora e se referem apenas ao "trabalho físico pesado"; ou seja, são omissos em relação aos fatores de risco.
Contudo, ouso divergir da conclusão dos referidos formulários para relevar a prova emprestada também coligida pela parte autora, produzida no bojo de reclamatória promovida por trabalhador que ocupou as mesmas funções, junto às mesmas empresas da demandante (CIA. AGRÍCOLA ZILO LORENZETTI - atual COMPANHIA QUATÁ e AGROSERV SERVIÇOS AGRÍCOLAS LTDA).
Com efeito, o laudo pericial subscrito pelo sr. Perito Jameson Battochio (f. 45/53) deixou patente a exposição, habitual e permanente, do reclamante à fuligem oriunda da palha da cana queimada, reportando-se à pesquisa desenvolvida pela UNESP acerca das substâncias carcinogênicas e mutagênicas liberadas do processo de combustão, notadamente o agente agressivo HPA - hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, situação que aproveita a trabalhadora parte autora. Isso sem contar o enorme dano ambiental proporcionado por esse primitivo processo voltado à produção em larga escala, que só beneficia o empregador, que não convém aqui aprofundar.
Assim, perfeitamente viável o enquadramento, nos códigos 2.2.1 e 1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/64, dos períodos de labor da parte autora de 15/1/1986 a 21/3/1986, de 24/3/1986 a 9/9/1986 e de 16/9/1986 a 9/3/1987.
Por oportuno, trago precedentes aplicáveis ao caso ora tratado:
Consta, ainda, ter a autora exercido funções insalutíferas em indústrias de cerâmica, mais especificamente na fabricação de telhas.
O vínculo insalubre de 1/5/1987 a 11/8/1987 resta confirmado, porque demonstrada, via CTPS, a ocupação pela categoria, nos termos do código 2.5.3 do anexo ao Dec. 53.831/64 (operários em indústria de cerâmica).
Já o PPP carreado a f. 37 não traz maiores dificuldades ao reconhecimento da especialidade da profissão de "batedora de pastão", notadamente em virtude da manipulação habitual com querosene e oleína (hidrocarbonetos aromáticos) durante o processo de moldagem das telhas, o que lhe assegura o enquadramento, nos códigos 2.5.3 e 1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/64, do intervalo de 1/9/1987 a 30/8/1991.
Por outro lado, incabível se afigura a contagem diferenciada em relação aos lapsos de 1/8/1996 a 27/1/2002 e de 3/9/2007 a 20/6/2015, pois comprovados apenas por meio de formulários padrão (f. 38/39), quando fundamental laudo certificador das condições nocivas. E não há como aproveitar o laudo por similaridade coligido a f. 47/49, atestando a presença do agente físico calor acima dos limites de tolerância, dada a dubiedade das ocupações apontadas (enquanto o formulário da autora consigna "batedor de pastão", o laudo similar indica "queimador"), não havendo como saber efetivamente se ambos os ofícios se tratavam dos mesmos e sujeitos às mesmas temperaturas acima do tolerável.
Em síntese, pertinente o reconhecimento apenas dos períodos especiais de 15/1/1986 a 21/3/1986, de 24/3/1986 a 9/9/1986 e de 16/9/1986 a 9/3/1987, de 1/5/1987 a 11/8/1987 e de 1/9/1987 a 30/8/1991, a fim de possibilitar o recálculo da RMI da segurada.
Passo à análise dos consectários.
O termo inicial de revisão é contado da DER, respeitada a prescrição quinquenal.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux).
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, contados da citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, ser utilizada a taxa de juro aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09 (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux).
Em relação às parcelas vencidas antes da citação, os juros são devidos desde então de forma global e, para as vencidas depois da citação, a partir dos respectivos vencimentos, de forma decrescente, observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, condeno ambas as partes a pagar honorários ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a incidir sobre as prestações vencidas até a data da sentença, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do NCPC. Todavia, em relação à parte autora, fica suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, §3º, do novel estatuto processual, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Referentemente às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, conheço dos recursos das partes e lhes dou parcial provimento para, nos termos da fundamentação: (i) reconhecer a especialidade da atividade exercida nos períodos de 15/1/1986 a 21/3/1986, de 24/3/1986 a 9/9/1986 e de 16/9/1986 a 9/3/1987, de 1/5/1987 a 11/8/1987 e de 1/9/1987 a 30/8/1991, a autorizar o recálculo da RMI da aposentadoria; (ii) discriminar os critérios de incidência dos consectários.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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