D.E. Publicado em 24/05/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, conhecer das apelações das partes, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar-lhes parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007830-41.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão da aposentadoria especial. Subsidiariamente, requer a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como especiais os períodos de 12/4/1984 a 30/7/1985, de 3/8/1989 a 28/2/1995 e de 1º/3/1995 a 25/3/2003, e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da DER, com correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios.
Decisão submetida ao reexame necessário.
Inconformado, o INSS recorreu exorando a reforma por não restar configurada a atividade rural como especial; ademais, inviável o reconhecimento do direito ao benefício sem prévia fonte de custeio. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Também não resignada, a parte autora apresentou recurso, no qual, preliminarmente, sustenta a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, pugna, em síntese, por reconhecimento do lapso insalubre executado como operador de máquinas, de 1º/4/2003 a 25/8/2015.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço das apelações, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Não obstante, não deve ser conhecida a remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1000 (mil) salários-mínimos.
No presente caso, a toda evidência não se excede esse montante.
Por outro lado, em resposta ao inconformismo do autor, não visualizo o alegado cerceamento de defesa.
À parte autora interessada cabe a devida comprovação da veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e segura, nos termos do artigo 373, I, do NCPC.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos vindicados, deveria a parte suplicante ter carreado documentos aptos certificadores das condições insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada, o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Assim, à míngua de prova documental descritiva das condições nocivas no ambiente laboral do obreiro, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o deslinde da causa, não se configurando cerceamento de defesa ou violação de ordem constitucional ou legal.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/80.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, ressalto que vinha adotando a posição de que o enquadramento pela categoria profissional no rol dos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 também era possível até a entrada em vigor do referido Decreto n. 2.172/97. Entretanto, verifico que a jurisprudência majoritária, a qual passo a adotar, tanto nesta Corte quanto no e. STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/95). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/79 e n. 53.831/64 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/97.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Busca a parte autora o enquadramento dos seguintes períodos: de 12/4/1984 a 30/7/1985 (trabalhador rural), de 3/8/1989 a 28/2/1995 (trabalhador rural), de 1º/3/1995 a 25/3/2003 (ajudante de serviço agrícola) e de 1º/4/2003 a 25/8/2015 (tratorista).
Com efeito, no que tange ao intervalo enquadrado como especial, de 1º/3/1995 a 25/3/2003, a parte autora logrou demonstrar, via PPP, a exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites de tolerância estabelecidos na legislação previdenciária, bem como a agente químico deletério (herbicida), o que viabilizam a contagem diferenciada requerida.
Especificamente ao lapso de 1º/4/2003 a 27/10/2014 (data de emissão do documento), a parte autora trouxe PPP às fs. 40/41, o qual indica o exercício da atividade de "operador de máquina", tendo como atividades: "operar trator agrícola na aplicação de agrotóxicos no interior de canaviais; e realizar pequenas manutenções e aferições no implemento de aplicação", com a exposição habitual e permanente a agentes químicos (agrotóxico), fato que possibilita o enquadramento nos códigos 1.2.6 e 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/64, códigos 1.2.6 e 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/79 e códigos 1.0.9, 1.0.11 e 1.0.12 do anexo do Decreto n. 2.172/97 e do Decreto n. 3.048/99.
Nesse sentido (g. n.):
Outrossim, a contagem do autor coligida à exordial considera o exercício da atividade até a DER (25/8/2015), quando efetivamente provado o labor insalubre até 27/10/2014, data de subscrição do PPP de fs. 40/41. É provável que o autor tenha se mantido na mesma ocupação após essa data, mas à míngua de demonstração nos autos a formar o juízo de certeza, cumpre restringir a atividade até a data do perfil profissiográfico.
Por outro giro, no entanto, é descabida a pretensão de contagem excepcional do labor rural (de 12/4/1984 a 30/7/1985 e de 3/8/1989 a 28/2/1995).
Não se ignora a penosidade do trabalho rural, cuja árdua jornada começa desde muito cedo, contudo, a legislação não o contempla entre as atividades prejudiciais à saúde e passível de contagem diferenciada do tempo de serviço.
Com efeito, para o enquadramento na situação prevista no código 2.2.1 (trabalhadores na agropecuária) do anexo do Decreto n. 53.831/64, a jurisprudência prevê a necessidade de comprovação da efetiva exposição habitual aos possíveis agentes agressivos à saúde e do exercício conjugado na agricultura e pecuária, situação não visualizada.
A simples sujeição às intempéries da natureza (- condições climáticas - sol, chuva, frio, calor, radiações não ionizantes, poeira etc.), como sói ocorrer nesse meio, é insuficiente a caracterizar a lida no campo como insalubre ou penosa.
Confira-se (g.n.):
Assim, entendo que o mourejo rural em comento não deve ser enquadrado como especial.
Ademais, no tocante ao interregno de 3/8/1989 a 28/2/1995, vale destacar que o perfil profissiográfico de fls. 38/39 não indica "fator de risco" algum passível de consideração como de natureza especial às atividades executadas, consoante denotam as células '15.2' a '15.4' do aludido documento: "N/A" ("Não Avaliado").
No mais, questões afetas ao recolhimento da contribuição adicional ao SAT por parte da empresa não devem, em tese, influir no cômputo como especial da atividade exercida pelo segurado, mercê do princípio da automaticidade, previsto no artigo 30, I, da Lei n. 8.212/91, aplicável neste enfoque.
Portanto, somente os interstícios de 1º/3/1995 a 25/3/2003 e de 1º/4/2003 a 27/10/2014 devem ser enquadrados como especiais.
Nessas circunstâncias, a parte autora não conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo, não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 da Lei n. 8.213/91.
Nessas circunstâncias, passo à análise do pedido sucessivo/alternativo.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20/98, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/91:
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/91.
Ademais, patente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho, até o requerimento administrativo (DER 25/8/2015), confere à parte autora mais de 35 anos de profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral (conforme planilha anexa).
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial, conheço das apelações das partes, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou-lhes parcial provimento para, nos termos da fundamentação: (i) considerar como tempo de serviço comum os interstícios de 12/4/1984 a 30/7/1985 e de 3/8/1989 a 28/2/1995; (ii) também reconhecer a especialidade da atividade exercida no lapso de 1º/4/2003 a 27/10/2014. Mantido, no mais, o r. decisum a quo, inclusive quanto ao enquadramento do lapso de 1º/3/1995 a 25/3/2003 e a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
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