Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6075674-66.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
01/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/10/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADO. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE
RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA
PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não há como se falar na nulidade decorrente do cerceamento de seu direito de defesa quando o
ente autárquico, devidamente citado, optou por não intimado, optou por não participar da
instrução probatória. Matéria preliminar rejeitada.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei
n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade
total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses
em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade
temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6075674-66.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: SANDRA DONIZETI LUCIANO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROSANA SALES QUESADA - SP155617-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SANDRA DONIZETI
LUCIANO
Advogado do(a) APELADO: ROSANA SALES QUESADA - SP155617-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6075674-66.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: SANDRA DONIZETI LUCIANO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROSANA SALES QUESADA - SP155617-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SANDRA DONIZETI
LUCIANO
Advogado do(a) APELADO: ROSANA SALES QUESADA - SP155617-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria invalidez ou auxílio-doença
previdenciário, a partir do indeferimento administrativo (4/10/2017).
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o
direito ao benefício de auxílio-doença, a partir de 4/10/2017, e deferindo a antecipação dos efeitos
da tutela. Condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em dez por cento
sobre o valor da condenação.
Apela, a parte autora, requerendo a fixação do termo de início do benefício na data da citação e a
majoração da verba honorária.
O INSS também apela, pleiteando, preliminarmente, o reconhecimento do cerceamento de seu
direito de defesa, na medida em que a inexistência de prévio requerimento administrativo teria
obstado a participação do ente autárquico na produção de provas e, no mérito, a integral reforma
da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais necessários à
concessão do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6075674-66.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: SANDRA DONIZETI LUCIANO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROSANA SALES QUESADA - SP155617-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SANDRA DONIZETI
LUCIANO
Advogado do(a) APELADO: ROSANA SALES QUESADA - SP155617-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Preliminarmente, não procede a alegação do INSS a respeito de possível nulidade decorrente do
cerceamento de seu direito de defesa.
Com efeito depreende-se dos autos que o INSS, regularmente citado em 22/8/2014 (Id.
97793085) e intimado a respeito da designação de audiência (Ids. 97793154 e 97793162), optou
por não comparecer ao ato processual, bem assim, intimado para manifestar-se a respeito da
prova produzida (Ids. 97793168 e 97793169), quedou-se inerte, vindo a manifestar-se apenas
após a prolação da sentença, em suas razões recursais.
Assim é que, tendo ampla oportunidade de participar da produção das provas, optou por não
fazê-lo, fato que obsta a alegação de cerceamento de defesa, pelo que rejeito a preliminar.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A TRABALHADOR RURAL
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e seguintes
da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de segurado, na
existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento
da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e definitiva
para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação habitual do
requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a possibilidade de
recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu durante sua vida
profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 6.ª Turma,
DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
No tocante ao requisito da qualidade de segurado, cumpre reconhecer, nos termos do art. 11,
inciso I, da Lei n.º 8.213/91, e considerando as particularidades do labor campesino, que o
trabalhador rural que exerce sua atividade com subordinação e habitualidade, ainda que de forma
descontínua, é qualificado como empregado.
Esse, inclusive, é o tratamento dispensado pelo próprio INSS, que, na Instrução Normativa
INSS/DC nº 118, de 14.04.2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o
trabalhador volante.
Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação
da atividade no campo e, consequentemente, o vínculo de segurado.
Em tal sentido, o § 3.º do art. 55, c/c o art. 106, ambos da Lei n.º 8.213/91, admite a comprovação
de tempo de serviço em atividade rural desde que baseada em início de prova documental, sendo
vedada a prova exclusivamente testemunhal.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de
verter contribuição por determinado número de meses.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de
atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada
Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS (TRABALHADORA RURAL COM DEMONSTRAÇÃO DA QUALIDADE
DE SEGURADO MEDIANTE EXTENSÃO DA QUALIFICAÇÃO DO ESPOSO)
Para comprovar a sua condição de segurada e o labor rural no período correspondente ao da
carência, a autora acostou: cópia de sua certidão de casamento, realizado em 12/6/1993 e com
averbação de divórcio em 9/4/2001, além de certidão de nascimento do filho, datada de
13/6/1997, das quais se infere sua qualificação profissional de lavradora (Ids. 97793065 e
97793078); e contratos de “parcerias agrícolas” celebrados pela postulante e seu companheiro,
ambos qualificados como lavradores, com a pessoa de Milton Aparecido Marin, proprietário do
imóvel rural denominado “Sítio Nossa Senhora Aparecida”, para o desenvolvimento de atividades
rurícolas na referida gleba de terras nos períodos de 5/3/2000 a 31/10/2000 e de 1.º/2/2001 a
31/10/2001 (Id. 97793078, p. 6-16).
É inconteste o valor probatório dos documentos apresentados, dos quais é possível inferir a
profissão exercida pela autora à época dos fatos que se pretende comprovar.
Os elementos documentais juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado
pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina no caso dos autos.
Com efeito, as testemunhas declaram que conhecem a parte autora há bastante tempo e
confirmam o alegado labor rural até meados de 2013, quando seus problemas de saúde a
impossibilitaram de continuar trabalhando (Id. 97793163 e 97793164).
Destarte, restou comprovada a atividade da requerente como trabalhadora rural no período de
carência, não havendo que se falar em perda da qualidade de segurado, porquanto aplicável, na
hipótese, o disposto no art. 102, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91, visto que, como é possível depreender
do relato das testemunhas, já se encontrava doente quando cessou o labor.
No concernente à invalidez, não existe dúvida a respeito de sua incapacidade laborativa.
A perícia médica judicial, realizada em 27/9/2016, atestou que “a autora apresenta doença
sequelar de caráter crônico pós inflamatório, incapacitante de modo parcial e definitivo, do ponto
de vista laborativo”. Especificou, o Sr. Perito, que seu quadro clínico consiste em “sequela
sensitiva em membro inferior esquerdo, que não sente, segundo informações da autora, mas
consegue deambular normalmente, e também refere hipoacusia a esquerda, além do que já
possuía no ouvido direito. Refere tonturas rotatórias de modo intenso e com quedas da própria
altura, sequelares às meningites e as alterações auditivas decorrentes desses quadros” (Id.
97793147).
Não obstante a incapacidade tenha sido classificada como parcial, considerando a idade da
autora (46 anos), as limitações que as sequelas das patologias lhe impõem são grandes e
restringem, em muito, a possibilidade de colocação no mercado de trabalho, diante da profissão
braçal rurícola que sempre exerceu.
Desse modo, o conjunto probatório restou suficiente para a concessão de aposentadoria por
invalidez.
O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data da citação (22.08.2014 – Id.
97793085), consoante entendimento consolidado pelo E. Superior Tribunal de Justiça por ocasião
da análise do Tema Repetitivo 626 – “A citação válida informa o litígio, constitui em mora a
autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da
aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação
administrativa" (1.ª Seção, REsp 1369165 / SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe
07/03/2014, RSSTJ vol. 46 p. 323), já considerado o fato de que o requerimento administrativo foi
formulado posteriormente, em 4/10/2017.
À vista do quanto previsto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença
ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com
observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no
art. 86 do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência
(STJ, Súmula 111). Na hipótese em que a pretensão do segurado somente seja deferida em sede
recursal, a verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão ou acórdão,
em atenção ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC.
O benefício é de aposentadoria por invalidez, com renda mensal correspondente a 100% (cem
por cento) do salário-de-benefício e DIB em 22/8/2014 (data da citação).
Posto isso, rejeito a matéria preliminar, nego provimento ao recurso do INSS e dou parcial
provimento à apelação da autora para ficar o termo de início do benefício na data da citação
(22/8/2014).
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADO. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE
RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA
PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não há como se falar na nulidade decorrente do cerceamento de seu direito de defesa quando o
ente autárquico, devidamente citado, optou por não intimado, optou por não participar da
instrução probatória. Matéria preliminar rejeitada.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei
n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade
total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses
em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade
temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar, negar provimento ao recurso do INSS e dar
parcial provimento à apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
