
| D.E. Publicado em 03/04/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009869-59.2009.4.03.6108/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por JOSÉ CARLOS DONEGA MORANDINI, em ação previdenciária ajuizada contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando o reconhecimento de períodos laborativos em condições especiais, a serem convertidos em tempo de labor comum, com a consequente emissão de "Certidão de Tempo de Contribuição - CTC", pela autarquia previdenciária.
Agravo retido interposto pelo autor, contra decisão que indeferiu a antecipação de tutela.
A r. sentença (fls. 95/101) julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa.
Em razões recursais (fls. 103/110), a parte autora pleiteia a reforma da r. sentença, sob alegação, em síntese, da possibilidade de contagem de tempo especial trabalhado no Regime Geral da Previdência Social para fins de aposentadoria estatutária.
Devidamente processado o recurso, sem o oferecimento de contrarrazões pelo INSS, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da presente demanda dera-se em 10/11/2009 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 11/12/2009 (fl. 70) e a prolação da r. sentença aos 20/08/2012 (fl. 101), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
Inicialmente, não conheço do agravo retido, uma vez não reiterada sua apreciação em razões de apelação, a contento do disposto no art. 523, §1º, do Código de Processo Civil de 1973.
Pois bem.
Da narrativa contida na exordial, depreende-se a pretensão do autor como sendo o reconhecimento do labor de cunho especial desempenhado de 01/02/1977 a 10/01/1978, 01/03/1978 a 28/02/1983, 01/04/1983 a 30/06/1986, 01/07/1986 a 10/01/1990 e 11/01/1990 a 31/07/1991 (sob regime celetista e autônomo, durante vinculação ao "Regime Geral da Previdência Social - RGPS"), com vistas à reemissão de "Certidão de Tempo de Contribuição - CTC", pelo INSS. Com a certidão, objetiva a concessão de aposentadoria no "Regime Próprio de Previdência - RPPS" em que atualmente inserido, na qualidade de estatutário.
Esclarece que, na condição de funcionário público municipal (Municipalidade de Bauru), requerera ao INSS a emissão da "Certidão de Tempo de Contribuição - CTC" a fim de obter aposentadoria pelo FUNPREV.
Informa que, conquanto expedida a CTC pela autarquia securitária, o fora sem a necessária conversão (de tempo especial, para tempo comum), ou seja, foram unicamente inscritos os períodos intervalados, de 01/02/1977 a 10/01/1978, 01/03/1978 a 28/02/1983, 01/04/1983 a 30/06/1986, 01/07/1986 a 10/01/1990 e 11/01/1990 a 31/07/1991 (fls. 23/28).
Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp 493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº 3.048/1999).
Cumpre salientar que em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
Ou seja, a Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
Sobre o tema, precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 440955, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 624; 6ª Turma, AgRg no REsp nº 508865, Rel. Min. Paulo Medina, j. 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 374.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema.
Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em 06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas.
Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Do caso concreto.
Para comprovar que suas atividades foram exercidas em condições especiais, o autor coligiu aos autos cópia de sua CTPS (fls. 29/37), declaração de atividade da Prefeitura Municipal de Agudos, na qual consta que o autor exerceu a função de médico supervisor, no regime da CLT, de 01/04/1983 a 31/07/1989, e no regime estatutário a partir de 31/07/1989 (fl. 38), atestado da Prefeitura Municipal de Bauru de que exercera a função de Médico I, no regime da CLT, de 11/01/1990 a 30/07/1991 e a partir de 01/08/1991, no regime estatutário (fl. 39).
Passo a analisar os períodos para os quais a especialidade é pleiteada:
* de 01/02/1977 a 10/01/1978, na função de médico, junto ao Clube de Regatas de Ribeirão Preto, conforme CTPS (fl. 30), enquadrando-se no item 2.1.3 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64;
* de 01/03/1978 a 28/02/1983, como médico autônomo. Não há documentos nos autos, referentes ao período pleiteado, que comprovem o exercício da função de médico, não sendo possível o reconhecimento da especialidade por enquadramento profissional.
* de 01/04/1983 a 30/06/1986, como médico, junto à Prefeitura Municipal de Agudos, conforme CTPS (fl. 30), Certidão de Tempo de Contribuição (fl. 23) e Declaração de fl. 38, enquadrando-se no item 2.1.3 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64 e no item 2.1.3 do Anexo II do decreto nº 83.080/79.
* de 01/07/1986 a 10/01/1990, como médico autônomo. Não há documentos nos autos, referentes ao período pleiteado, que comprovem o exercício da função de médico, não sendo possível o reconhecimento da especialidade por enquadramento profissional.
* de 11/01/1990 a 31/07/1991, como médico, junto à Prefeitura Municipal de Bauru, conforme CTPS (fl. 30), Certidão de Tempo de Contribuição (fl. 23) e Atestado de fl. 39, enquadrando-se no item 2.1.3 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64 e no item 2.1.3 do Anexo II do decreto nº 83.080/79.
Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos, reputam-se enquadrados como especiais os períodos de 01/02/1977 a 10/01/1978, 01/04/1983 a 30/06/1986 e de 11/01/1990 a 31/07/1991.
Vale lembrar que a controvérsia referente à possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço prestado em condições especiais sob o regime celetista, para fins de contagem recíproca com tempo de serviço público, encontra-se pacificada na jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal:
Nessa mesma toada, as seguintes decisões monocráticas daquela Corte Superior: ARE 953015, Relator: Min. Dias Toffoli, julgado em 01/08/2017, publicado em 10/08/2017, RE 1068026, Relatora: Min. Rosa Weber, julgado em 28/08/2017, publicado em 06/09/2017 e RE 968486, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/03/2017, publicado 22/03/2017.
Este também o posicionamento desta Egrégia Corte Regional, conforme ementas que seguem:
Consigne-se que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIV, assevera ser direito fundamental individual a obtenção de certidões perante o Poder Público, de modo que a expedição de Certidão de Tempo de Serviço é manifestação de tal preceito, configurando declaração do Poder Público acerca da existência (ou inexistência) de relação jurídica pré-existente. Importante ser dito que o conteúdo de tal certidão não comporta qualquer tipo de ressalva no tocante à extensão de sua utilidade no sentido de que ela não poderá ser utilizada para fins de contagem recíproca.
Dessa forma, diante de um legítimo interesse (qual seja, declaração judicial a respeito de tempo de serviço exercido sob condições especiais nos termos da legislação aplicável), somente é possível ao julgador, após reconhecer e asseverar a existência desse tal direito, impor que se expeça a certidão (sob o pálio do direito fundamental individual anteriormente descrito), o que não significa que, de posse dela, automaticamente seu detentor obtenha direito à percepção de benefício previdenciário, sendo necessário, ainda, o adimplemento dos requisitos legais a ser perquirido no momento em que pugnada a benesse (inclusive se a adição de tempos de filiação em regimes diversos restou suficiente).
Conforme já acenado nos julgados acima transcritos, cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social emitir a certidão de tempo de serviço - mencionando os lapsos especiais reconhecidos ao segurado - e, ao órgão a que estiver vinculado o servidor, a averbação do conteúdo certificado e a soma do tempo de labor para fins de concessão da aposentadoria.
Por todo o exposto, conclui-se que faz jus o demandante à nova expedição da "Certidão de Tempo de Contribuição".
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa.
Ante o exposto, não conheço do agravo retido e dou parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer como especiais os períodos de 01/02/1977 a 10/01/1978, 01/04/1983 a 30/06/1986 e de 11/01/1990 a 31/07/1991 e condenar o INSS a emitir a Certidão de Tempo de Contribuição com a inclusão dos acréscimos decorrentes da conversão do tempo especial para comum dos referidos períodos, invertendo-se o ônus da sucumbência.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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