
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5077158-60.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLARICE DE OLIVEIRA CARDOZO
Advogado do(a) APELADO: WENDER DOMINGOS BATISTA - SP421286-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5077158-60.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLARICE DE OLIVEIRA CARDOZO
Advogado do(a) APELADO: WENDER DOMINGOS BATISTA - SP421286-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou PROCEDENTE o pedido, com fundamento na incapacidade laborativa da parte autora, condenando o INSS a pagar o benefício de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, desde 02/04/2019, data do pedido administrativo, com a aplicação de juros de mora e correção monetária, e ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença.
Em suas razões de recurso, sustenta o INSS a ocorrência de coisa julgada. Requer, assim, a extinção do feito, com esse fundamento.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5077158-60.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLARICE DE OLIVEIRA CARDOZO
Advogado do(a) APELADO: WENDER DOMINGOS BATISTA - SP421286-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ (RELATORA): Em razão de sua regularidade formal, recebo o recurso, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015.
Tem-se que, para a configuração da coisa julgada ou litispendência, é preciso a existência da tríplice identidade entre as demandas. É dizer, que as partes, os pedidos e causa de pedir sejam idênticos em dois processos, sendo que um deles já esteja julgado.
Destaco que, nas ações de concessão de benefício por incapacidade, há que se levar em conta que pode haver alteração da capacidade laboral do segurado com o decurso do tempo, tanto assim que a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 101, prevê a necessidade de perícias médicas periódicas para verificar se houve alteração das condições que autorizaram a concessão do benefício.
Por essa razão, as sentenças proferidas nessas ações estão vinculadas aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, nelas estando implícita a cláusula rebus sic stantibus, de modo que há nova causa de pedir sempre que modificadas as condições fáticas ou jurídicas nas quais se embasou a coisa julgada material.
No caso, a parte autora pleiteia, na presente ação, ajuizada em 17/08/2023, os mesmos benefícios requeridos na ação anterior, proposta em 02/07/2019, e que foi julgada improcedente, com fundamento na ausência de incapacidade.
Nestes autos, no entanto, foi realizada a perícia médica judicial, a qual constatou a incapacidade atual da parte autora, que a impede de exercer qualquer atividade laborativa, de forma total e temporária, como se vê do ID292303725, alterando, assim, o quadro fático, se comparado ao laudo pericial no qual se embasou a ação anterior.
Diante do agravamento da enfermidade da parte autora na presente ação, tem-se alteração da causa de pedir, de modo que não há que se falar em tríplice identidade, logo em coisa julgada.
Nesse sentido, aliás, já decidiu a 3ª Seção desta Egrégia Corte Regional, em julgado de relatoria da Ilustre Desembargadora Federal Inês Virgínia, cuja ementa trago à colação:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INCAPACIDADE. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA PREVIDENCIÁRIA. AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DO SEGURADO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. FIXAÇÃO DE NOVO TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO JUÍZO RESCINDENDO E DO JUÍZO RESCISÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Cumprimento do prazo previsto no art. 975 do Código de Processo Civil. Nítida a não ocorrência de dois anos se comparada a data do trânsito em julgado do acórdão rescindendo, ocorrido em 18-06-2020, e aquela da propositura da ação, que remonta a 16-02-2022.
- Busca da rescisão do julgado com esteio no art. 966, incisos IV e V, da lei processual civil.
- Caso em exame: contempla benefício por incapacidade concedido em ação judicial.
- O réu ajuizou ação de restabelecimento de auxílio-doença ou, alternativamente, a concessão de aposentadoria por invalidez, de n. 0001306-60.2011.4.03.6317, perante o Juizado Especial Federal de Santo André/SP, em 18-02-2011, improcedente, nos termos da sentença proferida em19-07-2011.
- Lastreou-se na conclusão do “expert” judicial, no sentido de que não havia incapacidade para o exercício de atividade laborativa, concluindo que o requerente tinha condições de exercer atividade laboral.
- A decisão fora confirmada após interposição de recurso inominado intempestivo, cujo trânsito em julgado foi de 23-09-2011, com trânsito julgado em 23/09/2011. Vide ID 253404323.
- Em ocasião posterior, o réu protocolou nova ação em 30-09-2014, com pedido de restabelecimento de benefício de auxílio-doença c/c conversão em aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Indaiatuba/SP.
- Neste segundo processo foi reconhecido direito da parte autora à aposentadoria por invalidez, tendo como início o dia imediatamente seguinte à data da cessação do benefício administrativamente concedido anteriormente – dia 23-11-2007.
- Aplicação da cláusula “rebus sic stantibus” no âmbito do direito previdenciário, para o beneficio de aposentadoria por invalidez.
- Em havendo agravamento da enfermidade da parte autora nas duas ações, tem-se alteração da causa de pedir. Fato constatável da leitura dos laudos periciais.
- O médico perito, na segunda ação, apontou incapacidade laborativa do autor, o que mudou o panorama fático, se comparado ao primeiro laudo pericial.
- Diante do registro da alteração do quadro de saúde do autor, a princípio, não prospera a pretensão autárquica de que a concessão do benefício levada a efeito no segundo processo teria violado a coisa julgada formada no primeiro feito. Nada obstante, em casos tais, é preciso conciliar as coisas julgadas formadas em ambos os processos, não se podendo reconhecer como devidos, a título de atrasados, valores relativos a competências anteriores ao trânsito em julgado da primeira demanda judicial aforada.
- Considerando que o julgamento do primeiro processo ajuizado pelo réu transitou em julgado em 23.09.2011, inviável a condenação do INSS ao pagamento de valores atrasados anteriores a tal data, sendo possível divisar que a decisão rescindenda, ao assim proceder - condenou o INSS a pagar os valores atrasados desde a data da cessação do benefício administrativamente concedido anteriormente (23/11/2007) - violou parcialmente a coisa julgada formada no primeiro feito.
- Destarte, o pedido de rescisão do julgado, nos termos do artigo 966, IV, do CPC, há que ser parcialmente acolhido.
- Com o reconhecimento da coisa julgada parcial, de rigor a extinção do processo subjacente sem julgamento do mérito, no que tange ao pedido de concessão e pagamento de parcelas atrasadas no período de 22/11/2007 a 23/09/2011, remanescendo hígida a decisão rescindenda, no que se refere à concessão do benefício por incapacidade e pagamento dos valores atrasados a partir de 24/09/2011, acrescidos de juros e correção monetária, nos termos nela fixados e cujos respectivos capítulos não foram desconstituídos nesta ação.
- Considerando que ambas as partes foram vencedoras e vencidas, a hipótese dos autos é de distribuição de sucumbência, motivo pelo qual os honorários advocatícios devem ser proporcionalmente distribuídos entre as partes, na forma do artigo 86, do CPC/15. Por tais razões, condeno cada uma das partes ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte contrária, no percentual mínimo previsto no artigo 85, §3°, do CPC/15, que, para o INSS, deve recair sobre o valor das parcelas devidas de 24/09/2011 até a sentença da ação subjacente que concedeu o benefício, e para o réu (segurado), sobre as parcelas relativas ao período de 22/11/2007 a 23/09/2011. Suspende-se, no entanto, a sua execução para a parte ré (segurado), nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser beneficiária da Justiça Gratuita.
- Na fase de cumprimento de sentença, deverão ser descontados os valores já pagos ao autor em razão da tutela antecipada concedida na decisão rescindenda, aqui mantida parcialmente, cabendo à autarquia revisar o benefício já implantado, considerando a mudança da DIB (de 22/11/2007 para 24/09/2011).
- E, na hipótese de os valores já pagos ao demandado em função da tutela antecipada concedida no feito subjacente superarem os atrasados devido a título do benefício ora deferido, não caberá a restituição do excedente.
- Em juízo rescindente, julga-se parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a ofenda à coisa julgada apenas no que tange à concessão do benefício e ao pagamento de parcelas atrasadas referentes ao período de 22/11/2007 a 23/09/2011.
- Em juízo rescisório, extingue-se sem julgamento do mérito o processo subjacente, no que tange à concessão do benefício e ao pagamento de parcelas atrasadas referentes ao período de 22/11/2007 a 23/09/2011, mantendo o benefício de aposentadoria por invalidez com DIB em 24/09/2011.
- Sucumbência distribuída entre as partes.
(TRF3, AR nº 5004113-18.2022.4.03.0000, 3ª Seção, Relatora Desembargadora Federal Inês Virgínia, DJEN 29/02/2024)
Nada obstante, em casos tais, em conformidade com o julgado antes transcrito, é preciso conciliar a decisão proferida nestes autos com os efeitos positivos coisa julgada formada na ação anterior, não se podendo reconhecer como devidos, a título de atrasados, valores relativos a competências anteriores ao trânsito em julgado da primeira demanda judicial aforada, o que ocorreu em 31/08/2020.
No tocante ao termo inicial do benefício por incapacidade, em regra, deve ser fixado à data do requerimento administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de benefício indevidamente cessado, no dia seguinte ao da cessação indevida.
Desse modo, ausente novo requerimento administrativo, deve-se alterar o termo inicial do benefício, para fixá-lo à data da citação.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices e critérios previstos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, vigente na data da execução.
Vale ressaltar que o referido manual foi instituído pelo Conselho da Justiça Federal com o objetivo de unificar os critérios de cálculo a serem aplicados a todos os processos sob sua jurisdição, na fase de execução, e seus parâmetros são estabelecidos com base na legislação vigente e na jurisprudência dominante, por meio de Resolução, devendo ser observado, sem ofensa à coisa julgada, a versão mais atualizada do manual.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos Tribunais Superiores.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei.
Assim, provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente, descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, para alterar o termo inicial do benefício, fixando-o à data da citação, e DETERMINO, DE OFÍCIO, a alteração dos juros de mora e correção monetária, nos termos expendidos no voto. Mantenho, quanto ao mais, a sentença apelada.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. COISA JULGADA PARCIAL. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.
1. A parte autora pleiteia, na presente ação, ajuizada em 17/08/2023, os mesmos benefícios requeridos na ação anterior, proposta em 02/07/2019, e que foi julgada improcedente, com fundamento na ausência de incapacidade.
2. Nestes autos, no entanto, foi realizada a perícia médica judicial, a qual constatou a incapacidade atual da parte autora, que a impede de exercer qualquer atividade laborativa, de forma total e temporária, como se vê do ID292303725, alterando, assim, o quadro fático, se comparado ao laudo pericial no qual se embasou a ação anterior. Diante do agravamento da enfermidade da parte autora na presente ação, tem-se alteração da causa de pedir, de modo que não há que se falar em tríplice identidade, logo em coisa julgada.
3. Nada obstante, em casos tais, em conformidade com o julgado antes transcrito, é preciso conciliar a decisão proferida nestes autos com os efeitos positivos coisa julgada formada na ação anterior, não se podendo reconhecer como devidos, a título de atrasados, valores relativos a competências anteriores ao trânsito em julgado da primeira demanda judicial aforada, o que ocorreu em 31/08/2020.
4. O termo inicial do benefício por incapacidade, em regra, deve ser fixado à data do requerimento administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de benefício indevidamente cessado, no dia seguinte ao da cessação indevida. Assim. ausente novo requerimento administrativo, deve-se alterar o termo inicial do benefício, para fixá-lo à data da citação.
5. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices e critérios previstos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, vigente na data da execução.
6. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos Tribunais Superiores.
7. Provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente, descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais.
8. Apelo parcialmente provido. Sentença reformada, em parte.
